É difícil separar Natalie Klein de seu projeto de vida, a NK, multimarcas que leva suas iniciais. A empresária, neta de Samuel e filha de Michael Klein, o fundador das Casas Bahia, começou cedo: abriu a loja própria com 21 anos, em 1997. Hoje, após mais de duas décadas à frente do negócio, ela atingiu a maturidade profissional. Natalie escolheu não trabalhar com a família, o que muitos consideravam ser seu caminho natural, por puro medo, como contou à Forbes em um café em sua loja, nos Jardins: “Sempre falo que a motivação vem de várias formas. A minha era saber o que eu não queria fazer: trabalhar em uma empresa familiar. Para mim era difícil conciliar o fato de que meu pai seria o meu patrão – por pura falta de habilidade, mesmo. E foi ótimo, hoje sou 100% realizada com o que construí”, conta.
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“Ótimo” é pouco para descrever o império da moda que ela criou. Seu trabalho é reconhecido internacionalmente e figura há seis anos como um dos nomes da prestigiada lista BoF 500, que elege os nomes mais poderosos da indústria da moda.
Além da loja de São Paulo, Natalie tem uma boutique no Rio de Janeiro e vende sua etiqueta própria em mais de 80 lojas no Brasil e também para o mercado internacional, graças à presença no e-commerce Farfetch.
Mas nem o sucesso, nem a tranquilidade garantida pelo “bom berço” foram motivos para acomodação. Natalie está sempre em movimento. Em 2016, a empresária mudou-se com a família – ela é casada com o estilista Tufi Duek, com quem tem dois filhos, Ava e Ezra – para os Estados Unidos, onde dividiu-se entre Boston e Nova York. Lá cursou o programa Owner/President Management, em Harvard, período no qual refletiu sobre que rumo sua carreira deveria tomar.
De volta ao Brasil, em junho de 2018, reabriu a boutique dos Jardins com um projeto arquitetônico novo e alinhado com a NK de hoje, que busca “se reinventar e dialogar com o mundo atual”. Confira, a seguir, a íntegra do bate-papo
com Natalie Klein.
Forbes: Quando você criou o conceito da NK, onde buscou inspiração?
Natalie Klein: Eu não tinha essa maturidade toda na época. O que eu sempre tive foram valores e princípios muito sólidos. E sempre apliquei o seguinte pressuposto: sobre tudo que entrasse na NK nós teríamos esse olhar de curadoria. A NK jamais foi uma edição de moda que olhasse para a mercadoria de luxo, como muitas vezes ela é rotulada – e eu luto sempre contra isso. Aqui vendemos Adidas, já tivemos Havaianas, porque é um olhar de relevância de moda, e não um recorte de preço. A NK foi ganhando seu espaço e nós sempre trazemos coisas novas. Também “ensinamos” o consumidor, somos parceiros dele. Gosto de dizer que não estamos fazendo uma venda, e sim fidelizando clientes. A NK é um lifestyle business. Minha forma de me expressar é por minha empresa, onde eu envolvo pessoas nessa minha comunicação.
A primeira pessoa que eu olho é meu avô, que criou uma empresa totalmente focada nas pessoas. Ele foi meu grande mentorF: Por que decidiu mudar-se do Brasil?
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NK: Eu precisava ver coisas novas, ampliar minha cabeça. Acho que as pessoas se reciclam pouco. Sair um pouco do seu negócio é um exercício de humildade enorme, assim como deixá-lo nas mãos de pessoas que você julga capazes. Eu tinha que entender o que eu fiz até agora e se fazia sentido para a minha vida continuar nos próximos 20 anos, se a NK deveria continuar existindo ou se deveria existir de outra maneira. Foi um tempo de reflexão. Fiquei dois anos entre Boston e Nova York, fiz o OPM… Para mim foi o melhor presente que eu poderia ter me dado, pelas reflexões e pelo conhecimento que adquiri. Quando voltei, consegui dizer “Eu criei um negócio incrível”. Eu achava que todas as empresas eram iguais, que todo mundo tinha as políticas sociais e ambientais que nós tínhamos. Fiquei abismada quando começaram a me questionar por que a gente não comunicava isso, que eu era correta, ética, transparente… É como colocar em um currículo: “Sou uma pessoa honesta”. De todos os ensinamentos que tive, o melhor foi entender que tenho três premissas de trabalho: pessoas, pessoas e pessoas. Integrar essas pessoas e fazer com que a NK vire uma religião para elas é a minha missão como líder. O efeito colateral de investir nas pessoas é o benefício que isso traz para a sua empresa.
F: E o que mudou desde então?
NK: Começamos com movimentos internos, de cultura, de informações. E pensamos: como transbordar as mudanças e demonstrar nossa essência? Começamos mudando a loja. Durante um ano, fiz uma concorrência com três escritórios de arquitetura, com o mesmo briefing para todos: como a NK seria no futuro. Decidi que os funcionários deveriam participar da escolha do projeto. E quando o projeto atual venceu [do arquiteto Aldo Urbinatti, do Estúdio Tupi] por uma escolha quase unânime, vi que estávamos totalmente alinhados: era justamente o projeto que eu queria. As madeiras são certificadas, toda a loja é acessível…
F: O que vem agora?
NK: Agora a NK está no caminho onde uma empresa responsável deve estar. É um caminho sem volta. Começamos a olhar para mapeamento de cadeia, procedência de material e certificação de todos os fornecedores. Redobramos nossa atenção. Queremos que a empresa gere o menor impacto possível. Olhando as políticas que a gente tem aqui dentro, parece que estamos em outro país. Tenho 190 pessoas na equipe, divididas entre lojas, escritório e fábrica. Um novo projeto é expandir a área de atuação da NK com produtos licenciados. Nossa assinatura será depositada em produtos de decoração, cama, mesa e banho, produtos para casa, linha infantil e sportwear. Estamos superanimados porque, após todos esses anos, estamos prontos para sair dos “muros” da NK.
F: Como você surfou nas instabilidades do mercado de grifes internacionais no Brasil?
NK: Operar monomarcas no Brasil é muito difícil, é um mercado muito específico. Posso falar com certa propriedade, pois já tive monomarca da Marc Jacobs ficamos presos a isso. Se a coleção não agradou, paciência. Se temos algum estilista em um momento mas em outro não gostamos de seu trabalho, paciência também. Tenho essa liberdade. No momento, temos 26 marcas na NK, com a moda nacional entre 70% e 80% do total – quando inaugurei a loja, a proporção era inversa.
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F: Quem são as pessoas que te inspiram?
NK: A primeira pessoa que eu olho é meu avô, que criou uma empresa totalmente focada nas pessoas. Ele foi meu grande mentor. Hoje existem pessoas fazendo coisas incríveis, parecidas com o que ele enxergou há muito tempo. Sem ter nenhum conhecimento acadêmico, nem as oportunidades que eu tive, ele sabia fazer as coisas certas de um jeito muito natural. Adoro essas pessoas visionárias, que todo mundo acha maluco mas depois de um tempo percebem que são geniais.
F: Mesmo com toda essa admiração, por que optou por não trabalhar nos negócios da família?
NK: Eu tinha muito medo de trabalhar com minha família. Sempre falo que a motivação vem de várias formas. A minha era saber o que eu não queria fazer: trabalhar em uma empresa familiar. Para mim era difícil conciliar o fato de que meu pai seria o meu patrão – por pura falta de habilidade, mesmo. E foi ótimo, hoje sou 100% realizada com o que construí. Se eu pudesse voltar atrás, a única coisa que faria diferente seria aprender com eles como conseguiam fazer uma empresa de 50 mil funcionários ser uma família. Mas hoje, se eu fechar a empresa, posso dizer que construí algo de que me orgulho muito.
Reportagem publicada na edição 67, lançada em maio de 2019
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