Em entrevista concedida à Forbes há cerca de dez meses, ele prometia dobrar, até 2020, o faturamento de R$ 1 bilhão que acabava de alcançar. Passado esse tempo e agora dentro de um novo contexto político-econômico, mantém a meta? “Sim, crescemos 23% no ano passado e vamos crescer 25% em 2019”, garante João Adibe Marques, 46 anos, dono e presidente do Grupo Cimed. A média de crescimento do mercado de medicamentos no país ronda os 7%.
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O ritmo fora da curva da Cimed é explicado pela estratégia de preços competitivos – não é raro encontrar nas prateleiras produtos da empresa custando um terço dos concorrentes diretos. A “mágica”, segundo João Adibe, é possível graças ao modelo de distribuição. “Somos os únicos na indústria farmacêutica brasileira com um modelo verticalizado, sem intermediários para fazer nossos produtos chegarem ao varejo.” Outra tática é o aumento de portfólio, que permite à líder do mercado nacional de OTCs (Over the Counter, ou seja, remédios vendidos “no balcão” sem necessidade de receita médica) ganhar escala.
Um terceiro fator que ajudou o grupo foi a crise brasileira. Por quê? “Porque mais pessoas passaram a procurar os medicamentos genéricos, que são mais baratos. Quem antes tinha dúvidas ou preconceitos contra os genéricos perdeu esse receio e passou a comprar nossos produtos”, conta Adibe. “O mercado de genéricos cresceu praticamente o dobro das outras categorias.”
Estratégias ousadas de marketing também entram nessa receita. Amante de esportes, ex-piloto e patrocinador da Stock Car – e também da seleção brasileira de futebol –, ele dirige uma empresa que hoje é a quarta maior em unidades vendidas, com um portfólio focado em OTCs (65% da produção), genéricos (25%) e o restante dividido entre higiene e beleza e suplementos.
Forbes: Dentro de sua estratégia de verticalização, está no horizonte a entrada no varejo?
João Adibe Marques: Não. Nossa cadeia vai continuar focada na produção e na distribuição. Temos os materiais que fazem parte do produto, incluindo toda a parte gráfica [para embalagens, bulas etc.].
F: E a matéria-prima?
JA: É 99% importada. O Brasil praticamente não fabrica insumos farmacêuticos, somos reféns de outros mercados.
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F: O grupo tem seu nome muito ligado aos esportes (renovaram o contrato de patrocínio da seleção brasileira de futebol até 2023). Por quê?
JA: Porque ninguém na nossa indústria tinha direcionado o foco para o esporte – futebol, vôlei, automobilismo, basquete… O grande sonho era chegar à seleção brasileira, que é a maior do mundo e é única: meu concorrente não vai patrocinar a seleção da Argentina. Travei a categoria ali. Dessa forma, nos últimos anos fizemos o nome Cimed ser conhecido pelo público. A partir de 2020, vamos começar a fortalecer os produtos – como Cimegripe, por exemplo.
F: Voltando a fita… Sua família é tradicional no ramo farmacêutico, você mesmo está há muitos anos nisso.
JA: Eu nasci na indústria, meu filho [Adibe, 21 anos, dando expediente na elegante sede paulistana durante esta entrevista] nasceu na indústria. Minha família chegou a ter 14 indústrias farmacêuticas (hoje são sete). Tudo começou com meu avô; do avô foi para o meu pai; do meu pai veio para mim. A primeira experiência do meu pai foi no varejo, em farmácia (meu avô já trabalhava na indústria). Até que apareceu uma oportunidade para os dois comprarem um pequeno laboratório em São Paulo, chamado Prata. Dali surgiu a União Química, na qual todos os irmãos do meu avô também eram sócios. Até que meu pai saiu do negócio e comprou outra pequena indústria farmacêutica, a Honorterápica, embrião da Cimed. Foi aí que eu entrei, aos 15 anos.
F: Você se lembra do seu primeiro dia de trabalho?
JA: Não lembro. Desde pirralho eu já ia lá. Como tinha poucos funcionários, uns 40 ou 50, a gente tinha que fazer um pouco de tudo. Lembro de – quantas vezes! – ficar dobrando caixinhas e colocando bula dentro. Naquela época não tinha máquina para fazer isso. E de carregar saco de açúcar para cima e para baixo…
F: Açúcar?
JA: É, para fazer xarope.
F: Vamos avançar até 2018. Você levou um grupo de empresários à Copa da Rússia. Como foi a experiência?
JA: Levamos os 26 maiores clientes do Brasil para ficarem uma semana juntos. Ninguém gosta dos concorrentes, acho que foi a primeira vez que tantos concorrentes conseguiram ficar tanto tempo juntos. Mas, como o motivo era bacana – torcer pela seleção –, acabou tendo uma grande harmonia entre todos. No fim, foi um evento técnico também, todos aproveitaram para conhecer o mercado russo. Este ano vamos fazer a mesma coisa, desta vez na China.
F: Vocês exportam?
JA: Nada. E olha que remédio brasileiro poderia ser vendido em qualquer lugar do mundo, porque a Anvisa só perde em rigor para a “Anvisa” do Japão. O novo governo tem falado em abertura do mercado, e isso pode ajudar a levar nossos produtos para fora. Mas nosso foco ainda é 100% Brasil. Ainda temos muita margem para crescer aqui. O principal player do mercado tem umas 400 moléculas (princípios ativos). Eu tenho 80. Portanto, nosso pipeline de lançamentos é muito grande.
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F: Como isso funciona?
JA: A partir do momento que a patente for quebrada, todo mundo pode fazer o seu genérico. Isso demora de 10 a 20 anos. Depois, mais dois ou três anos para registrar. Esse mercado é dividido em três categorias: os OTCs [que não têm controle de receita nem de preço], os EQs [também chamados de equivalentes ou similares, são produtos patenteados e vendidos com receituário médico] e os genéricos [todos os que quebraram a patente].
"Depois dos canais alimentares (supermercados, bares, restaurantes etc.), as farmácias são o segundo lugar mais frequentado pelos brasileiros "F: Seu forte são os OTCs…
JA: Sim, temos 15% de market share, somos os líderes desse mercado. Mas estamos crescendo nos genéricos. Meu ganho de share é em cima de novos produtos que eu lanço entre os genéricos. Hoje eles são 25% do meu negócio. Queremos chegar a 50% em dois anos.
F: No ano passado você anunciou a entrada no ramo dos dermocosméticos. Qual foi o resultado?
JA: Foi nossa primeira experiência. O Brasil é um dos três maiores mercados do mundo em dermocosméticos. Vamos acelerar isso no ano que vem.
F: O Brasil é um dos países com maior número de farmácias por habitante. Isso não significa que somos um tanto hipocondríacos?
JA: Depois dos canais alimentares (supermercados, bares, restaurantes etc.), as farmácias são o segundo lugar mais frequentado pelos brasileiros. Mas na verdade nosso consumo de remédios per capita é pequeno. A
gente costuma dizer que dentro do Brasil existem dez Brasis diferentes. Esta região aqui, o miolinho de São Paulo, é uma Suíça. E outras várias cidades se comparam às do Primeiro Mundo, com bons hotéis, restaurantes, hospitais e escolas. Mas, dependendo do estado onde você estiver, a 30 quilômetros do centro da capital você estará no Terceiro Mundo. Tem farmácia no interior do país em que a pessoa entra para comprar uma colher de xarope, um único comprimido – porque é tudo que ela pode pagar. A gente flutua entre esses mundos, ajustando rapidamente o portfólio para cada região. Isso explica por que os mercados onde mais crescemos são as regiões Norte e Nordeste.
F: Também no ano passado você anunciou um investimento de R$ 100 milhões na fábrica em Pouso Alegre (MG). Em que pé está isso?
JA: A gente ia fazer uma expansão. No fim do ano passado, apareceu uma oportunidade, uma grande área para comprarmos. E este ano compramos essa área. O que seria apenas uma expansão virou um grande projeto para
uma nova Cimed. Assinamos a escritura semana passada e ontem me mostraram os projetos da planta. A ideia é fazer o lançamento em agosto e inaugurar em meados de 2020. Nos próximos cinco anos, toda a Cimed será transferida para o novo parque – que fica perto do atual.
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F: Quais são os números envolvidos agora?
JA: Em torno de R$ 180 milhões na primeira etapa – a fábrica de sólidos (cápsulas e comprimidos) e um novo centro de qualidade, porque o nosso ficou pequeno.
F: E na atual onda de inovação, como vocês se posicionam?
JA: Gastamos de R$ 45 milhões a R$ 55 milhões por ano no desenvolvimento de novos produtos. Vamos lançar, entre setembro e outubro, uma nova geração de vitaminas que não existe no Brasil, 100% desenvolvida por nós.
F: Voltando à questão da família: vocês têm parentes como concorrentes. Como lida com isso?
JA: Olha que interessante: se somar os três ramos da minha família – Cimed, Biolab e União Química (que são dos irmãos do meu pai) –, você tem o maior grupo farmacêutico do país. Existe uma competição, sim, mas um completa o outro: o que um vende bem o outro nem tanto, e vice-versa.
F: No fim do ano vão todos para a mesma festa?
JA: Sem dúvida. Somos todos muito próximos.
Reportagem publicada na edição 68, lançada em junho de 2019