Por trás das praias ensolaradas e do estilo de vida relaxado, o surfe é também um vultoso negócio. No Brasil, o esporte movimenta R$ 7 bilhões ao ano em roupas, pranchas e acessórios, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Surfe (Ibrasurfe). Maior empresa nacional do setor, a Mormaii, que acaba de completar 40 anos, fatura anualmente perto de R$ 300 milhões. Os dados do Ibrasurfe não contam os efeitos secundários em hotéis e restaurantes litorâneos, passagens aéreas e por aí vai. “Existem por volta de 3 milhões de praticantes no país, mas o mercado alcança um número maior de consumidores: 70% daqueles que consomem roupas de surfware são não praticantes que admiram o esporte”, diz Alexandre Zeni, presidente do Ibrasurfe.
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No topo desse ecossistema está o campeonato mundial da modalidade, que leva os melhores surfistas do planeta a competir em 11 etapas anuais, organizadas em paraísos mundo afora, e que tem o paulista Gabriel Medina como bicampeão (2014 e 2018). Por 30 anos, essa divisão de elite foi gerida pela ASP, que acumulava prejuízos. O cenário mudou em 2014, quando o bilionário americano Dirk Ziff (herdeiro da editora Ziff Davis Inc.), que tinha filhos surfistas, ficou comovido ao testemunhar a infraestrutura precária de uma dessas competições. Decidiu resolver o problema à moda dos bilionários: comprou a liga. Aumentou os prêmios dos surfistas e levou o esporte a um novo patamar. Desde então, a liga se chama World Surf League, ou WSL. Além da mudança no nome e da repaginada nos campeonatos, a nova WSL se tornou um negócio privado.
O novo dono do circuito tocou, junto com o braço direito Paul Speaker, a gestão da WSL por alguns anos. Em 2017, uma executiva profissional foi chamada para o cargo de CEO da organização. Atlética e realizadora, a britânica Sophie Goldschmidt tinha no currículo passagens pela NBA e pela Rugby Football Union. Desde sua chegada, a WSL deu um salto de patamar. Marcas como Jeep, Red Bull, MEO, Ikea e Boost Mobile se tornaram parceiras da liga. As transmissões das etapas passaram a ser mais dinâmicas e profissionais (a WSL acaba de assinar um acordo com a Fox Sports, que vai veicular mais de 500 horas de conteúdo de surfe em 2019). Executivos do UFC e da Disney chegaram para trabalhar nos escritórios da liga de surfe. A WSL entrou em novas áreas de negócios: virou sócia de Kelly Slater em sua revolucionária piscina de ondas, para levar essa tecnologia a outros países; e, agora, acaba de anunciar a criação da WSL Studio, que produzirá conteúdos sobre o esporte. Tudo somado, a WSL fechou o ano passado – o primeiro em que Sophie comandou os negócios do início ao fim – com faturamento 40% superior ao registrado em 2017. A executiva prevê um novo salto nas cifras em 2019. Mas ainda não será suficiente para passar pela arrebentação das ondas do balancete e tornar a WSL lucrativa. “Vamos optar por seguir investindo no esporte, é uma visão estratégica de longo prazo”, ela diz.
Eleita pela Forbes como uma das 15 mulheres mais poderosas nos esportes em 2018, Sophie fala, na entrevista a seguir, sobre as novas parcerias de marketing da WSL, a diversificação dos negócios da liga e o impacto da chegada do esporte aos Jogos Olímpicos.
Forbes – A WSL anunciou novas parcerias em 2019, com marcas como Red Bull, Harley-Davidson e Boost Mobile. O que isso significa para a liga, em temos financeiros?
Sophie Goldschmidt – Estamos felizes com os contratos que assinamos, tanto com parceiros de longa data como com novos parceiros e com a mídia. Existem algumas razões pelas quais essas parcerias são importantes. Uma delas é a questão financeira, elas certamente garantem o crescimento da nossa receita, o que nos permite continuar investindo no esporte. Mas esses parceiros também nos ajudam em nossa escalada de marketing.
Qual tem sido, especificamente, o impacto financeiro?
No ano passado, nossas receitas cresceram 40% em relação a 2017, o que foi um grande salto, algo realmente importante para a WSL. Em 2019, assinamos as novas parcerias – inclusive uma que está sendo anunciada agora, com a Ikea. O ano tem sido um sucesso, e muito mais está por vir. Estamos prevendo outro grande crescimento em 2019.
Outro anúncio recente é a criação da WSL Studio. Qual conteúdo será produzido?
O surfe tem tantas histórias incríveis para serem contadas… Uma vez que a liga gera conteúdos ligados à competição, naturalmente podemos falar também da conservação dos oceanos, do estilo de vida que acompanha o esporte, dos lugares maravilhosos em que as competições são realizadas. A WSL Studio é uma maneira de expandir nossa atuação, de falar de modo mais abrangente sobre o impacto que o surfe tem causado. Era importante expandir a geração de conteúdo para além dos eventos ao vivo.
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Sob sua liderança, a WSL igualou os prêmios de homens e mulheres. No mundo executivo, a igualdade de gêneros ainda é uma meta distante?
De maneira geral, sim. Na WSL, demos um passo importante com a política de pagamentos iguais. Mas, em geral, tanto nos negócios tradicionais como no ambiente do esporte, ainda existe uma desigualdade importante. Em temas como a quantidade de mulheres que trabalham no meio esportivo, da participação delas na gestão e do dinheiro sendo investido e gerado [em competições femininas], também existe um longo caminho a ser percorrido.
A WSL também decidiu, neste ano, mitigar sua pegada de carbono e zerar o uso de plástico não reaproveitável nas etapas. Por que é importante, para um negócio, dar esse passo?
O oceano é nosso playground e existe uma crise ambiental massiva acontecendo. Queremos ajudar pessoas e parceiros a provocarem as mudanças necessárias. É, sim, um investimento. E vamos fazê-lo porque é a coisa certa a ser feita. Mas também será bom para o negócio. Existem muitas pesquisas que mostram que a próxima geração de consumidores está realmente preocupada com o meio ambiente e escolhe apoiar marcas que se preocupam com essa questão. É importante para o nosso posicionamento, portanto.
Qual foi a grande mudança que a gestão da WSL viveu sob sua liderança?
Tivemos vários passos importantes. A organização se tornou mais forte em diversas áreas, profissionalizou diferentes aspectos do surfe, aumentou suas receitas, fez algumas mudanças no esporte em si – como o calendário e o formato das competições. É importante que o produto seja continuamente melhorado, para se tornar mais interessante para os fãs. Também contratamos vários executivos seniores e agora temos os melhores talentos para alcançar nossas ambiciosas metas. Além disso, começamos a fazer eventos no sistema de ondas artificiais. Tivemos o primeiro evento do tipo no ano passado e teremos outro em 2019. É importante entender as possibilidades que isso traz para a mídia e os patrocinadores. O oceano nunca foi tão importante, mas agora usamos a tecnologia de forma complementar.
Sobre as piscinas de ondas: a WSL tornou-se sócia de Kelly Slater em sua tecnologia de ondas artificiais. Mas a organização dos Jogos Olímpicos de Tóquio anunciou que as disputas não serão em piscina; no Brasil, dois projetos foram anunciados pela empresa concorrente (a Wave Garden). As piscinas de ondas ainda são importantes no plano de negócios da WSL?
Ainda achamos que isso é uma parte importante do nosso futuro. Mas nem tudo sai de acordo com o planejado, especialmente em projetos que estão no estágio inicial. Ficamos desapontados por não estarmos nas Olimpíadas, mas temos outros projetos que estamos olhando. Espero que nos próximos dois anos a gente tenha diversos novos projetos construídos. É algo importante para o negócio. É ótimo, inclusive, que existam outras tecnologias [concorrentes] no cenário, mas nosso foco é alta performance e treinamento.
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Quais são os principais desafios para os próximos meses?
Estamos chegando ao meio da temporada de 2019. Acabamos de fazer um evento muito bem-sucedido na Austrália e estamos animados com a etapa brasileira [entre 20 e 28 de junho]. No geral, vamos continuar focados na estratégia de atingir uma audiência cada vez maior e melhorar o perfil do esporte. Além disso, vamos nos preparar, nesses próximos 12 meses, para maximizar as oportunidades que virão da inclusão do surfe nos Jogos Olímpicos.
Há um ano, no evento da WSL em Saquarema, você disse que estava aprendendo a surfar. Evoluiu de lá para cá?
Ainda sou uma surfista bem modesta. Estou melhorando, mas tenho um longo caminho pela frente. Eu amo o esporte e vou surfar sempre que puder, mas a verdade é que tenho muito a melhorar.
Reportagem publicada na edição 69, lançada em julho de 2019
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