Resumo:
- O multibilionário e filantropo Barry Sherman é fundador da Apotex, conhecida farmacêutica canadense;
- Os corpos do casal foram encontrados no porão de sua mansão na cidade de Toronto, amarrados pelo pescoço;
- Segundo os filhos dos dois, um dos principais suspeitos do crime é Frank D’Angelo, empresário canadense do ramo de bebidas e amigo pessoal de Barry;
- D’Angelo nega as acusações e afirma que não poderia fazer o mal a alguém que o ajudou tanto na vida, como Barry Sherman fez.
Na manhã da sexta-feira 15 de dezembro de 2017, Barry Sherman, multibilionário fundador da companhia farmacêutica canadense Apotex e conhecido filantropo, foi encontrado no porão de sua casa de 1,1 mil metros quadrados em Toronto, em posição sentada, as pernas estendidas, a perna direita cruzada impecavelmente sobre a esquerda, de costas para a piscina de raia. Estava usando óculos, apoiados tranquilamente em seu nariz. Sua jaqueta estilo aviador estava levemente puxada dos ombros para baixo, o que mantinha seus braços ao lado do corpo. A seu lado, Honey, sua esposa havia 47 anos, conhecida como a “rainha” da comunidade judaica de Toronto, encontrava-se em posição semelhante, o casaco leve que ela vestia também puxado dos ombros, mantendo as mãos ao lado do corpo. Ambos estavam VSA, código em inglês usado pelos paramédicos e pela polícia para indicar “sem sinais vitais”. Uma rápida estimativa dos paramédicos indicou que o casal estava morto havia pelo menos um dia, talvez mais. O rigor mortis, condição em que os músculos se enrijecem após a morte, havia passado, e os membros estavam relaxados e flácidos.
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O motivo pelo qual eles ainda estavam sentados e não tinham se inclinado para frente ou caído de costas na piscina era que cada um dos Sherman estava com um cinto de couro ao redor do pescoço, amarrado acima da cabeça ao corrimão de aço inoxidável de 90 centímetros de altura na extremidade da piscina de raia. Ambos estavam completamente vestidos, com os casacos por cima das roupas que haviam usado naquele dia. O rosto de Barry estava intacto; o de Honey estava lesionado, mas não estava claro o que havia causado as lesões. Barry tinha 75 anos na ocasião de sua morte, Honey tinha 70.
Como uma nuvem negra, a notícia percorreu os círculos íntimos dos amigos e da família Sherman, mas, por algumas horas, foi mantida longe do público. Então, pouco antes das 16h, a mídia de Toronto começou a noticiar que tinham sido encontrados dois corpos na casa do fundador da Apotex, Barry Sherman. Alguns minutos depois, foi divulgado nas redes sociais um tuíte do Dr. Eric Hoskins, ministro da Saúde de Ontário, que havia tido contato com os Sherman tanto profissionalmente quanto como amigo. Equipes de televisão, repórteres e fotógrafos correram para a Old Colony Road. A notícia se espalhou por todo o país e para o exterior.
Na época de sua morte, o patrimônio líquido pessoal de Sherman foi estimado pela Forbes em US$ 3 bilhões. Uma fonte privilegiada com conhecimento da holding familiar de Sherman disse-me que ele tinha diversos investimentos fora da Apotex e que seu patrimônio líquido real estava mais próximo de US$ 10 bilhões.
Sherman havia entrado no tumultuoso universo farmacêutico em 1967, aos 25 anos de idade, como proprietário e diretor de desenvolvimento de produtos da Empire Laboratories, uma empresa de genéricos de médio porte que ele havia comprado dos administradores do espólio de seu falecido tio Lou. Os cientistas envolvidos na área de produtos farmacêuticos costumam ser bioquímicos e químicos moleculares. Sherman não era nem uma coisa nem outra. Sua formação era em matemática, física e ciência aeroespacial. “Naquela época”, recordou Sherman em suas memórias não publicadas, “eu sabia pouco sobre fabricação de produtos farmacêuticos e praticamente nada sobre como formular um comprimido ou uma cápsula”. Em 2017, a Apotex, empresa que ele fundou depois da Empire, estaria fabricando 25 bilhões de doses (pílulas e outras formulações de medicamentos) por ano.
Amigos íntimos e toda a sua família sabiam que, fora da Apotex, Sherman jogava um jogo de altas apostas com um elenco de personagens notadamente diferentes dos cientistas e burocratas com quem passou a maior parte da vida. Eles dizem que Barry Sherman era do contra. O também filantropo e empresário Ed Sonshine comenta que, quando o mundo parecia estar contra alguém, Sherman apoiava essa pessoa. “Ele adorava ajudar financeiramente os caras que as outras pessoas lhe diziam ser maus”, conta Sonshine. Muitos deles eram pessoas exuberantes que, por um ou outro motivo, tinham dificuldade em encontrar apoiadores mais tradicionais.
Entre essas figuras, nenhuma era mais diferente de Sherman do que Frank D’Angelo. Uma vez, Sherman o descreveu como uma espécie de versão desgastada de um famoso ator de cinema. Para muitos amigos de Sherman, é difícil entender o que o cientista bilionário viu em D’Angelo, que foi a primeira pessoa com algum conhecimento real dos eventos cruciais a concordar em falar comigo quando comecei a investigar a morte dos Sherman. Ele é um empresário astuto, de raízes siciliano-italianas, que propositalmente faz pose de gangster de quadrinhos, mas que, na realidade, é cantor, compositor, apresentador de talk show, ator, produtor de cinema, dono de restaurantes, ex-barão da cerveja, goleiro de hóquei e fabricante de suco de maçã, para citar apenas algumas de suas atividades. Desde que D’Angelo começou a trabalhar – com o pai, no ramo de frutas e hortaliças, logo após concluir o ensino médio –, toda a sua vida foi uma montanha-russa financeira. Embora não tenha um toque de Midas, ele teve muita sorte ao longo dos anos simplesmente trabalhando duro e estando no lugar certo na hora certa. Todos os filmes que D’Angelo faz, dos quais Sherman era financiador e produtor executivo, apresentam versões diferentes, mas igualmente amarrotadas de D’Angelo, que, é claro, estrela cada filme. Ele é o homem comum, o cara durão; o mundo inteiro está contra ele, mas ele prevalece no final. Muitos outsiders do mundo empresarial chamaram a atenção de Sherman ao longo do tempo, mas nenhum tinha o charme de D’Angelo, o que pode ter sido um dos motivos pelos quais ele e Sherman foram amigos por mais de 15 anos.
O filho de Barry, Jonathon, no entanto, não era fã de D’Angelo. Em uma troca de e-mails de 2015 entre pai e filho, Jonathon se mostra consternado por Barry continuar a financiar D’Angelo e afirma (o que D’Angelo contesta com veemência) que, ao longo dos anos, foram repassados US$ 250 milhões para D’Angelo, mas com pouco retorno. Jonathon escreve: “Eu já fui acusado de petulância por fazer perguntas difíceis, e houve muita frustração para nós dois. Faz anos que parei de perguntar do Frank por causa da tensão que isso causava no nosso relacionamento, e deixei para lá. Só estou perguntando de novo agora porque, nos últimos dois anos, ‘o dinheiro anda apertado’. Venho recusando ótimas oportunidades de investimento, e o Frank continua queimando dinheiro na mesma proporção”. Barry respondeu defendendo D’Angelo, frisando que “atores importantes de Hollywood o levam a sério” e que D’Angelo estava produzindo filmes com “valor superior ao custo”. Barry incluiu um link para um trailer de Sicilian Vampire, um dos filmes de D’Angelo.
O relacionamento dele com D’Angelo começou em 2001, quando a D’Angelo Brands, empresa deste último que produzia e embalava suco de maçã e outros produtos, não estava conseguindo obter o suprimento contínuo do suco de maçã filtrado necessário para aumentar sua participação no mercado. Ocorreu a D’Angelo que talvez ele precisasse ter sua própria unidade de processamento. Um amigo contou a D’Angelo que um homem muito rico chamado Dr. Barry Sherman possuía uma fábrica falida em Tiverton, uma comunidade no Condado de Bruce, em Ontário. Em virtude da proximidade à usina nuclear de Bruce e de uma oferta especial da usina, a unidade recebia energia elétrica gratuita. Em uma de suas apostas anteriores, Sherman havia ajudado financeiramente um ex-amigo que tinha um plano de produzir suco e cerveja na fábrica. O empresário (que Sherman acabou processando com sucesso) também tinha um projeto para fabricar um produto que poderia servir de alimento para vacas e que reduziria os arrotos e a flatulência dos bovinos, fatores importantes do aquecimento global. Esses planos tinham ido por água abaixo, e agora os administradores de investimentos de Sherman estavam pretendendo desmontar o maquinário de ponta e vendê-lo. D’Angelo conseguiu uma reunião com Sherman e seus administradores de investimentos e apresentou seu plano. Ele compraria a unidade de processamento por US$ 5 milhões (valor de que ele não dispunha) e pagaria a Sherman com a venda do equipamento de fabricação de cerveja, que era novo em folha e mal havia sido usado. D’Angelo diz que Sherman ficou impressionado, a ponto de sugerir que eles virassem sócios.
A unidade de processamento resolveu o problema do suco de maçã de D’Angelo e, quando ele examinou atentamente toda a instalação de produção, acabou convencendo Sherman de que eles também deveriam se tornar barões da cerveja. A primeira medida foi viajar para a Europa para encontrar a receita perfeita de cerveja; D’Angelo, um bebedor de vinho, diz que fez isso parando no primeiro local que viu em uma rodovia na Bélgica. Sherman pagou a fatura do cartão de crédito de D’Angelo, no valor de US$ 50 mil, para que a mais recente cervejaria de Ontário pudesse arcar com a passagem de avião dele. Da fábrica de Tiverton acabariam por sair a cerveja Steelback e alguns produtos inovadores: garrafas plásticas de cerveja, cerveja com um toque de limão e as primeiras latas do tipo “tall boy”. Mas a Steelback estava tendo dificuldade para estabelecer sua presença no competitivo mercado de cervejas de Ontário.
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Sherman e seus executivos financeiros da holding familiar notaram que as dívidas vinham se acumulando na cervejaria e em outras empresas de D’Angelo que Sherman financiava. Um problema era que a receita das vendas não estava acompanhando o crescente número de eventos que D’Angelo, com o apoio de Sherman, vinha patrocinando em toda a província.
Em 2007, aconteceram duas coisas que abalariam o mundo de D’Angelo por um curto período. Sherman ligou para ele e disse que sentia muito, mas que seu filho de 25 anos, Jonathon, recém-formado em engenharia pela Universidade Columbia, em Nova York, estava assumindo a Steelback Brewery após uma breve passagem pela Apotex. Pouco tempo depois, os Sherman colocaram a Steelback e algumas das outras iniciativas de D’Angelo em proteção de credores, com um plano de reestruturação. De acordo com os documentos financeiros apresentados em juízo nesse período, as empresas de D’Angelo tinham uma dívida de US$ 100 milhões com Sherman, mais US$ 20 milhões de juros. Embora D’Angelo afirme até hoje que os documentos de reestruturação pintam uma imagem desnecessariamente sombria de suas finanças, ele concordou em dar um passo atrás. Sherman lhe dava uma mesada (D’Angelo não diz o valor) para mantê-lo sem dívidas.
“Fiquei arrasado”, diz D’Angelo sobre esse período de sua vida. “Mas o homem era tão bom comigo… Eu confiava nele, e ele cuidava de mim.”
Hoje, a D’Angelo Brands fabrica diversos produtos, como o chá gelado AriZona e bebidas correlatas. No almoço de Natal anual da empresa de D’Angelo em seu restaurante Mamma D’s (com pratos que seguem receitas criadas por D’Angelo), ao lado da fábrica de refrigerantes e sucos que ele tem em Mississauga, Sherman sempre se sentava ao lado de D’Angelo. Sherman não foi ao almoço de 2017, realizado um dia antes da quarta-feira na qual provavelmente os Sherman foram mortos, porque tinha uma reunião agendada à qual não podia faltar. D’Angelo não compareceu ao funeral de Sherman, a pedido dos filhos deste.
Nas semanas que se seguiram à morte de Barry e Honey, a família expressou abertamente a ideia de que ou D’Angelo era o assassino, ou alguma transação financeira em que ele e Barry estavam envolvidos levou ao ataque. D’Angelo zomba dessa ideia. “Em primeiro lugar, o Barry era como um irmão para mim. Eu o amava. Em segundo, por que eu mataria a pessoa que me apoiou e me deu tanto?”
Só havia um Frank D’Angelo na vida de Sherman, mas este apoiou muitas outras pessoas em empreendimentos de curta duração que iam de um aplicativo de namoro a um condomínio predial. Como explica Jack Kay, um dos amigos mais íntimos e braço direito de Sherman por muito tempo, quando se é bilionário, as pessoas aparecem no escritório com uma proposta, um plano, uma ideia. Muitas vezes, essas pessoas acabavam no tribunal, sendo processadas por Sherman. E esses processos – que costumavam envolver montantes de dinheiro relativamente pequenos – contribuíram para a crença de que Sherman era excessivamente litigioso. “Você bate em Barry Sherman com um mata-moscas, e ele vem atrás de você com uma marreta”, comenta D’Angelo.
Às vezes, Sherman saía por cima; às vezes, perdia milhões. Mas estava sempre brigando. “O Barry não desiste fácil”, diz D’Angelo. “Ele não é o tipo de cara que nada até o meio do Lago Ontário, fica cansado e nada de volta. Ele vai até o fim, p****.”
A maneira pela qual Barry Sherman gastava seu dinheiro levou o filho, Jonathon, que vinha pedindo US$ 250 milhões ao pai, a levantar a questão da competência do pai em 2015. Jonathon escreveu um e-mail para suas três irmãs, de acordo com três pessoas que viram o e-mail na época e discutiram o conteúdo com Barry Sherman. A linha de assunto do e-mail referia-se às irmãs como também acionistas. No e-mail, Jonathon insinuava que as atitudes do pai estavam comprometendo a herança deles. Ele mencionava Barry como o fundador, referência à fundação da gigante de medicamentos genéricos Apotex, e argumentava que havia precedentes de remoção ou derrubada de um fundador. Segundo pessoas que viram o e-mail, Jonathon estava buscando o apoio das irmãs, mas estas ou não acusaram recebimento do e-mail, ou se recusaram a seguir o plano. Uma delas compartilhou o e-mail com o pai, que, por sua vez, discutiu ou compartilhou o conteúdo com outras pessoas. Sherman não levou aquilo a sério. Uma pessoa com conhecimento da situação lembrou a observação de Sherman. “Lá vai o Jonathon tentando dar um golpe palaciano.” A sugestão de Jonathon às irmãs parece não ter dado em nada.
Será que há uma pista dos assassinatos em algum dos negócios de Barry Sherman? “Siga o dinheiro” é o que disseram muitas pessoas interessadas no caso Sherman. A ideia – seguir as transações financeiras para resolver um caso – é boa. No entanto, é difícil executá-la sem os poderes de mandado de busca e apreensão da polícia. O histórico financeiro, os investimentos e os bens que Sherman deixou estão sendo mantidos em segredo por ordem judicial. Para complicar ainda mais as coisas, os negócios de Sherman eram muito privados e, às vezes, fechados com um aperto de mão e pouca ou nenhuma papelada.
Eu nunca acreditei que este fosse um caso de intriga internacional, espiões ou uma transação que deu errado. É verdade que as grandes companhias farmacêuticas e algumas autoridades reguladoras do governo não gostavam de Barry Sherman. Mas elas processam, não matam. Esta história sempre pareceu seguir o mesmo padrão da maioria dos assassinatos: um padrão que indica haver envolvimento de alguém que eles conheciam.
Na minha investigação deste caso, tive a oportunidade de, em três ocasiões, interrogar um dos detetives de homicídios, na tentativa de liberar documentos investigativos da polícia. O detetive, sob juramento, disse que a polícia tem uma “teoria” sobre o caso e “uma ideia do que aconteceu”. O detetive também disse, agora em outubro de 2019, que sua equipe está “cautelosamente otimista” de que vai chegar a uma resolução.
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Os Sherman foram enterrados em um cemitério judaico na zona norte de Toronto. No início de 2019, a família pediu e obteve permissão para demolir a casa devido às “más lembranças e ao estigma relacionado ao ocorrido”. A polícia de Toronto estava ciente desse fato, mas não se posicionou sobre o plano, pois havia devolvido a casa à família muito antes. Foram colocados tapumes em volta da casa e, em maio de 2019, as escavadeiras a derrubaram, preenchendo a piscina externa e a piscina de raia no subsolo, onde os corpos foram encontrados. O imóvel foi classificado como um terreno plano, e a família pretende vendê-lo como lote para construção. Quaisquer pistas do assassinato que a casa pudesse conter estão agora enterradas para sempre.
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