A prefeitura de Santos, no litoral paulista, está usando equipamentos baseados em Internet das Coisas (IoT) e um dispositivo vestível (wearable) no monitoramento de idosos durante a pandemia do coronavírus e mira a expansão da telemedicina para todos os cidadãos após o período de emergência.
O projeto, pioneiro no país, envolve a distribuição inicial de 250 kits do equipamento, que inclui uma base com um botão de alerta que se assemelha a um telefone sem fio, uma pulseira conectada e um oxímetro de dedo, que mede a densidade respiratória do idoso. Residentes de Santos acima de 65 anos de idade que tenham a confirmação de Covid-19, ou tenham tido contato com infectados, podem solicitar o equipamento à Secretaria da Saúde.
Em entrevista exclusiva à Forbes, o secretário de saúde de Santos, Fábio Ferraz, falou sobre a utilização da tecnologia para acompanhar remotamente as necessidades de atendimento médico durante o período de isolamento de 14 dias deste grupo de risco: “A ideia é superar a crise do coronavírus com o apoio de ferramentas como esta tecnologia, que busca prestar atendimento de forma que idosos possam evitar uma série de dificuldades inerentes ao ambiente hospitalar neste momento”, aponta.
“Na medida do possível, estamos monitorando idosos, que podem ter uma evolução de quadro muito rápida em decorrência do coronavírus, para saber [sobre uma possível deterioração do estado de saúde destas pessoas] o mais rápido possível e de forma muito próxima”, acrescenta o secretário.
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O projeto é a evolução de um programa existente de teleatendimento, cujo investimento cumulativo está atualmente em R$ 1 milhão. A prefeitura de Santos tem trabalhado com a healthtech TeleHelp, que usa os equipamentos produzidos pela empresa israelense de tecnologia Essence Group. Outros 250 kits, porém sem o oxímetro, já tinham sido entregues anteriormente pelas empresas para fins de monitoramento da saúde de idosos que moram sozinhos na cidade.
Com a emergência da pandemia, a prefeitura aumentou o escopo do projeto de teleatendimento para idosos e alterou o protocolo para atender esta população remotamente e evitar, se possível, que este grupo de risco precise comparecer presencialmente a uma unidade de atendimento. Idosos representam cerca de 20,7% dos 437 mil habitantes de Santos e respondem por, aproximadamente, 300 casos de Covid-19 dentre os 1.200 casos confirmados no município até ontem (13).
Ao sentir-se mal ou precisar de ajuda, o usuário pressiona um botão de emergência no equipamento, que também pode ser acionado automaticamente por queda, detectada pela pulseira. O alerta é direcionado à central da TeleHelp, que entra em contato com o paciente através do viva voz do equipamento. Assistência médica e orientações são fornecidas por telefone seguindo um script desenvolvido em parceria com a prefeitura, e a TeleHelp faz a ponte com o sistema de saúde de acordo com o caso. A ambulância é chamada em caso de necessidade, ou se o usuário não responder.
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Na atual aplicação do equipamento, o cidadão não precisa morar sozinho – basta ser idoso e ter a confirmação de infecção por coronavírus, segundo Ferraz. De forma digital, usuários preenchem e assinam formulários para solicitar o kit, consentem com o funcionamento do equipamento e o recebem em até dois dias, sem contato.
O equipamento, que funciona através de uma conexão 4G, é entregue pronto para usar e acompanha um guia com instruções simples. A família do idoso ou o próprio usuário são responsáveis por avisar à prefeitura quando os dispositivos não são mais necessários e a TeleHelp cuida das providências de coleta e descontaminação dos mesmos.
O secretário de saúde de Santos nota que a nova leva de kits já começou a ser distribuída e que, apesar de ainda haver disponibilidade de equipamentos, lotes adicionais poderão ser encomendados: “Estimamos que a quantidade atual de equipamentos atenderá à demanda, mas se for necessário, temos condições de fazer uma aquisição emergencial de mais kits, além dos que já foram disponibilizados”, ressalta.
Segundo Ferraz, o uso do equipamento e o contrato com a TeleHelp estão em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados e o acesso às informações dos usuários segue de acordo com uma série de parâmetros de segurança e o protocolo de níveis de acesso utilizado no serviço de saúde. A Essence, que fabrica dispositivos de monitoramento conectados há mais de uma década, tem insistido em seu compromisso com o conceito de “privacy by design”, ou seja, a empresa diz que proteção de dados é um componente essencial de seus produtos, que são desenvolvidos de maneira que somente a informação necessária para o atendimento é acessada.
No entanto, existem desafios. A atual pressão no sistema de saúde pública ocasionada pela Covid-19 significa que o monitoramento não funciona tão proativamente: “Durante os 14 dias [de isolamento] o ideal é que pacientes recebam, no mínimo, dois contatos diários todos os dias. Infelizmente não estamos conseguindo monitorar todos os pacientes tão bem quanto gostaríamos”, diz o secretário, acrescentando que a tecnologia possibilita que os idosos iniciem a demanda por atendimento ou orientações.
O projeto de teleatendimento da cidade portuária faz parte de uma série de iniciativas voltadas à digitalização do serviço público de saúde municipal, que incluem prontuários digitais e a implantação de banda larga de alta velocidade nas unidades de atendimento, entregues no ano passado.
A ideia é que, passada a pandemia, todos os munícipes de Santos tenham acesso ao teleatendimento, segundo o secretário de saúde. Um projeto de identificação digital com base no CPF também está nos planos e o desenvolvimento do piloto, atualmente em pausa por conta da crise de saúde pública, também faz parte da estratégia da prefeitura.
EXPANSÃO
A TeleHelp já vinha trabalhando com governos brasileiros em iniciativas de teleatendimento desde 2008, quando o primeiro contrato foi assinado com a prefeitura de Joinville (SC). Este primeiro case atraiu o interesse da prefeitura de Santos.
Tratativas sobre projetos similares, que até recentemente se arrastavam, ganharam novo ímpeto por conta da pandemia do novo coronavírus. Segundo a healthtech brasileira e a Essence, cidades que manifestaram interesse no modelo por conta da crise incluem Campinas (SP), Porto Alegre (RS) e o governo do estado do Espírito Santo.
Segundo Bruno Mouco, CEO da TeleHelp, desafios para a adoção de ferramentas que possibilitam o serviço remoto de saúde incluem burocracia, falta de planejamento, consistência e interesse na população idosa, porém essas dificuldades têm sido superadas, como mostra a aceleração do projeto em Santos. “A pandemia evidenciou as necessidades da população sênior e a relevância do teleatendimento”, ressalta.
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“Ao contrário dos países desenvolvidos, onde a população ficou mais rica antes de envelhecer, a pirâmide demográfica brasileira está mudando rapidamente, sem muita ou nenhuma preparação, o que coloca muita pressão no sistema público”, diz Mouco, ressaltando que mais de 70% dos brasileiros dependem de serviços públicos de saúde.
“Nesse novo contexto, o monitoramento remoto surge não apenas como uma maneira de fornecer intervenção médica imediata antes da deterioração da condição do paciente, o que pode evitar internações desnecessárias, mas também como uma maneira de gerenciar a escassez de pessoal, reduzir custos e melhorar o conhecimento do paciente [sobre sua própria condição]”, acrescenta.
Havia desconfiança de gestores no Brasil quando a TeleHelp apresentava os cases de teleatendimento em países desenvolvidos, segundo Mouco, mas isso tem mudado. “Temos conseguido comprovar os benefícios para o sistema público e privado com este modelo”, ressalta. A empresa acaba de concluir um piloto com o plano de saúde Intermédica, que demonstrou uma redução no número de consultas presenciais de 33% como resultado do atendimento remoto.
POTENCIAL
Experts confirmam a renovação no interesse em soluções de tecnologia conectada para o setor de saúde, que fica mais evidente à medida em que o coronavírus se alastra. Segundo Tola Sargeant, diretora da empresa de pesquisa para o setor de tecnologia TechMarketView, há um “enorme potencial” para tecnologia de monitoramento e atendimento baseada no conceito de IoT para sêniores e outras pessoas vulneráveis durante a pandemia e além.
“Tecnologia para monitorar indivíduos em suas casas existe há uma década ou mais, mas demorou para decolar e seu uso ainda não teve adesão generalizada. Esperamos que essa pandemia atue como um catalisador e que a adoção seja mais ampla daqui para a frente”, explica.
A adoção do teleatendimento tem decolado em economias mais maduras, diz Tola, com prestadores de serviços de assistência social e famílias de pessoas vulneráveis implantando sistemas remotos de fornecedores que combinam tecnologias baseadas em IoT para monitorar o movimento de idosos em casa e prestar atendimento, com tablets fáceis de usar para viabilizar a comunicação por vídeo.
Para as famílias, a tecnologia proporciona mais tranquilidade por possibilitar o contato com indivíduos em isolamento, segundo a pesquisadora. Na outra ponta, os dispositivos de monitoramento permitem que serviços de atendimento mantenham contato com pacientes com segurança e mais regularidade, liberando recursos de atendimento presencial para os mais necessitados.
“Ouvimos histórias realmente emocionantes de idosos, particularmente no que diz respeito à tecnologia de comunicação por vídeo, que permite o contato com suas famílias e se sintam menos isolados neste momento desafiador.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação há 18 anos, com uma década de experiência em redações no Reino Unido e Estados Unidos. Colabora em inglês e português para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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