“Devemos ao sr. dr. Oswaldo Cruz os esclarecimentos que abaixo offerecemos á população […] sobre os trabalhos de prophylaxia da febre amarella”.
O trecho retirado da publicação “A Febre Amarella”, veiculado em 11 de novembro de 1910, reforça a importância secular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no combate, prevenção e pesquisa de doenças que acometem a população brasileira. Após mais de um século do início das atividades da instituição, os elementos em cena são diferentes – uma pandemia de Covid-19 –, mas o protagonismo a serviço da saúde pública permanece nas mãos centenárias da Fiocruz. A iniciativa, hoje, é apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como referência laboratorial em coronavírus nas Américas.
LEIA MAIS: Mulheres em combate: 6 líderes brasileiras na linha de frente da crise de Covid-19
A fundação, em funcionamento desde 1900 e integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), completa 120 anos em 25 de maio. Foi criada, inicialmente, para fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica que assolou o Brasil na primeira metade do século 20. Entre os avanços e feitos históricos da Fiocruz, que acompanham e respondem, em grande parte, pelo desenvolvimento da saúde pública do país, estão a reforma sanitária, a participação definitiva na criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, o isolamento do vírus HIV pela primeira vez na América Latina e o deciframento do genoma da bactéria usada na vacina contra tuberculose (BCG).
Em entrevista à Forbes, a doutora Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz desde 2017 e primeira mulher a encabeçar a instituição, diz: “Além do momento inicial, destaco o grande marco científico resultado do trabalho de Carlos Chagas, que foi a identificação do agente transmissor e a descoberta completa do ciclo da doença de Chagas em 1909 – o mal afeta 6 milhões de pessoas no mundo. E a criação do laboratório de febre amarela na década de 1930, em colaboração com a Fundação Rockefeller, que permitiu que a Fiocruz se tornasse o principal produtor da vacina contra a doença no mundo, responsável por 80% da produção”. E completa: “Mais recentemente, temos a constituição da Rede Brasileira de Banco de Leite Humano, reconhecida pela OMS como a maior e mais complexa do mundo – e que será premiada na próxima assembleia a ser realizada em maio”.
O legado de personalidades da instituição, como o médico e cientista Oswaldo Cruz, que dá nome à fundação, Sérgio Arouca e os cientistas Adolpho e Bertha Lutz, ecoa nos momentos mais agudos vividos pela sociedade – como agora, no combate ao coronavírus. No âmbito da Covid-19, a Fiocruz é a responsável pela concepção e produção dos kits de teste para a rede pública de saúde e trabalha na linha de frente do enfrentamento da pandemia.
Apesar do papel ativo e da liderança, a Fiocruz enfrenta desafios latentes no setor de pesquisa, desenvolvimento e tecnologia. Nísia sublinha que “existe a necessidade de investimentos contínuos e estáveis em ciência e tecnologia. É preciso mecanismos de reforço ao complexo da saúde, que vai da produção do conhecimento à geração de produtos. Estamos vivenciando a aposentadoria de grandes pesquisadores e a fuga de cérebros – jovens sem condições de realizar seu trabalho no país”. E finaliza: “O Brasil precisa encarar a saúde como um fator de desenvolvimento, não como um gasto.”
Pesquisa a serviço da sociedade
Para a doutora Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, “falta o reconhecimento de que pesquisa é fundamental para um país como o Brasil. Pesquisa não é luxo ou deleite intelectual, nem interesse único da comunidade acadêmica. O mundo não permite respostas fáceis, ele exige informações confiáveis e aplicáveis a todos, sem diferença. A geração de conhecimento vai ao encontro da aplicação e serviço para a sociedade”.
VEJA TAMBÉM: Fiocruz e Vale fazem parceira para estudar sequenciamento de DNA do coronavírus
A pandemia, como os desafios cotidianos, revela fragilidades, porém em maior escala. Para ultrapassar os obstáculos atuais, a Fiocruz trabalha para fortalecer a atividade de ciência, tecnologia e inovação na instituição e prepará-la para o futuro com boa base científica e cadeia de inovação. Nísia ressalta que a fundação é um esforço coletivo e não de um grande nome de destaque. E diz que “o esforço no combate à pandemia de Covid-19 está em curso e ele vai ser mais bem-sucedido quanto mais integrarmos o trabalho da Fiocruz”. “Como grande projeto, temos o complexo de biotecnologia e vacinas de Bio-Manguinhos Fiocruz, em processo de construção em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Não só o Brasil, mas o mundo tem necessidade de maior produção de vacinas e biofármacos.”
A especialista aponta que as metas do momento são conseguir controlar a epidemia e diminuir a tragédia social, e reforça que “a epidemia é longa, e, ao olhar a questão de forma macro, é preciso garantir suplementação alimentar e saneamento básico. A doença é altamente transmissível e requer também controle das condições ambientais”.
As palavras que parecem fazer parte de toda e qualquer atuação da Fiocruz são colaboração e compromisso com a saúde pública, seja nacional, seja internacional. Globalmente, a instituição atua em colaboração com redes de pesquisas europeias e norte-americanas, além da forte ligação histórica com o Instituto Pasteur. Uma delas é apoiada pela Comissão Europeia e voltada para a emergência sanitária de zika e seu impacto. A doença transmitida pelo Aedes aegypti foi um grande desafio no Brasil em 2016 e, mais uma vez, a fundação esteve envolvida no combate, com destaque para o nome da epidemiologista Celina Turchi.
Como os inúmeros surtos e necessidades sociais enfrentados pela fundação ao longo de 120 anos, nesta primeira epidemia digital a instituição tem um grande compromisso: ciência e sociedade devem caminhar de mãos dadas. Como afirma a doutora Margareth: “O mundo não pode sair igual ou pior. Não temos o direito de sair apequenados disso”.
FIOCRUZ COORDENA PESQUISA DA OMS NO BRASIL
Em 20 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou o ensaio clínico Solidarity para estudar a eficácia de quatro tratamentos diferentes contra a Covid-19. A iniciativa de colaboração global conta com a liderança da Fiocruz no Brasil e o aporte de R$ 4 milhões do Ministério da Saúde. A rede de pesquisa coordenada será implementada em 18 hospitais de 12 estados brasileiros.
O intuito do estudo é fornecer respostas rápidas de medicamentos eficazes contra a doença com a participação consentida de milhares de pacientes hospitalizados por Covid-19. Para tratamento dos infectados e desenvolvimento das pesquisas, o Ministério da Saúde investiu R$ 144 milhões na construção do Centro Hospitalar Fiocruz, que será implantado na capital do Rio de Janeiro. O espaço deve receber 200 leitos para casos graves de coronavírus. Os testes iniciais envolvem a cloroquina, o Remdesivir, a combinação de liponavir e ritonavir, isolado ou combinado ao Interferon Beta 1a.
Reportagem publicada na edição 77, lançada em maio de 2020
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Participe do canal Forbes Saúde Mental, no Telegram, e tire suas dúvidas.
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.