Cordia Harrington mantém um gráfico em seu escritório em Nashville com todas as 18 recessões dos Estados Unidos desde a Grande Depressão, bem como as datas de quando grandes empresas, como FedEx e Microsoft, começaram nos vales. “Eu acredito que uma recessão é uma época rica para começar um negócio”, diz a mulher de 67 anos, vestindo um suéter rosa brilhante e um colar clássico de trevo Van Cleef. “Há problemas a serem resolvidos.”
Harrington descobriu como navegar em águas turbulentas e já conquistou uma fortuna de US$ 180 milhões –que continua crescendo. Ela começou três negócios diferentes em tempos difíceis. Em 1981, abriu uma corretora de imóveis no Arkansas quando as taxas de juros chegavam a 15%. Em 1990, comprou sua primeira franquia do McDonald’s durante outra crise econômica –hoje possui três. Quando a Bakery Cos., seu terceiro empreendimento, abriu sua primeira padaria em 1997 para fornecer pães de hambúrguer para o McDonald’s, a gigante do fast food cortou os preços para competir com Burger King e Wendy’s, quase a levando à falência no momento em que ela estava começando. “Achei que iria ver minha falência aos poucos”, lembra.
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Agora, ela está conduzindo sua empresa de pães pela crise de Covid-19. “Uma maneira de ver a pandemia é que é um bom momento para se reagrupar e colocar as coisas no lugar para que você esteja pronto para o comprador quando ele voltar”, diz Harrington. “Há uma demanda reprimida. As pessoas estão ansiosas para sair de casa e entrar em restaurantes.”
Em um momento fortuito, em setembro de 2019, ela vendeu uma participação majoritária na empresa de produtos de panificação –que vale US$ 100 milhões em receita– para a companhia de private equity Arbor Investments por uma quantia não revelada. A Arbor investiu outros US$ 50 milhões neste ano, metade deles dedicados a novos equipamentos. A Bun Company também adquiriu duas fábricas no final da primavera e abriu uma nova linha de produção de croissants em novembro.
Hoje, suas seis padarias industriais circulam diariamente cerca de nove milhões de produtos de panificação para 1.500 clientes, incluindo Five Guys e Pepperidge Farm, principalmente no sudeste e no meio-oeste dos EUA. Harrington, que ainda é CEO e possui uma participação minoritária, não tem planos de se afastar do negócio. “Minha meta é que nossos produtos estejam em todas as esquinas dos Estados Unidos, seja uma loja de conveniência, supermercado ou restaurante”, diz ela.
Uma das empresárias mais ricas dos EUA, Harrington credita sua persistência e crença religiosa –ela é uma presbiteriana devota– por seu sucesso. “Muitas vezes me senti desesperada e, se não fosse por minha fé, provavelmente teria desistido”, revela. “Eu já chorei muito até dormir, mas acordava e tinha um sentimento renovado de esperança. Você apenas precisa viver um dia de cada vez e seguir em frente.”
Nascida em Waco, no Texas, em 1953, Harrington é filha de um comerciante e de uma dona de casa. Por conta da carreira de seu pai, já viveu em Buffalo, Nova York e St. Louis, no Missouri. Mostrou sua veia empreendedora desde cedo, começando uma creche informal em seu quintal quando tinha 11 anos. Sua taxa inicial era de 25 centavos para cuidar de uma criança por uma semana inteira.
Em 1971, foi para a Universidade de Arkansas e trabalhou meio período para ajudar a pagar as mensalidades. Se formou na faculdade em 1975 –a primeira da família– com um diploma em economia doméstica e conseguiu um emprego atendendo telefones e agendando viagens em uma agência em Jonesboro, Arkansas. A mesma agência também possuía uma imobiliária, o que a incentivou a obter sua licença imobiliária e, rapidamente, Harrington começou a ganhar mais dinheiro com venda de casas do que com reserva de viagens.
Ela decidiu abrir sua própria imobiliária em 1981. A jovem, então com 28 anos, usou toda a economia de sua vida, US$ 587, para fazer cartazes e pagar o aluguel –US$ 4,5 por mês– de uma pequena sala com uma mesa e uma cadeira em uma clínica médica quase desocupada. “Começamos a vender tantas casas que o banco veio checar nosso empreendimento”, conta Harrington, que contratou suas amigas sem experiência no mercado imobiliário.
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Em 1986, ela havia se divorciado de seu marido, com quem teve um relacionamento de nove anos, e estava criando três filhos pequenos sozinha. Estava cansada de passar noites e fins de semana vendendo casas. Um de seus clientes anteriores era dono de uma franquia do McDonald’s e ela invejava como a pessoa conseguia passar o tempo com sua família. Então, se candidatou para ser franqueada e três anos depois teve sua chance de ouro.
“A maioria das mulheres que eram proprietárias haviam herdado a franquia de seus maridos falecidos”, diz Harrington. “Quando eu fui entrevistada, eles perguntaram: O que faz você pensar que pode administrar um McDonald’s? E eu respondi: Estas são as mãos de uma mulher trabalhadora. Vou limpar até os banheiros. Só me dê uma chance.'”
O McDonald’s acreditou em sua palavra. Como todos os candidatos a franqueados, ela teve de trabalhar 2.200 horas –mais de um ano inteiro de 40 horas semanais– sem remuneração alguma para aprender todos os aspectos da administração de um restaurante. Ela foi designada para um restaurante em Little Rock, a mais de uma hora de carro de sua casa em Russellville, embora houvesse uma franquia a apenas 15 minutos de onde morava. A partir disso, contratou uma estudante universitária para cuidar de seus filhos para que ela pudesse sair de casa antes do amanhecer, chorando durante seu trajeto enquanto o sol nascia.
Depois de um ano e meio de treinamento, conseguiu comprar sua primeira franquia, em 1990. Ela vendeu sua casa e várias propriedades que possuía no Arkansas e fez um empréstimo para fazer o pagamento inicial de US$ 450 mil pelo restaurante de US$ 1,7 milhões (cerca de US$ 3,4 milhões na moeda atual) em Effingham, Illinois. A cidade tinha apenas 12 mil residentes, mas estava bem situada na saída das I-57 e I-78 entre Chicago e St. Louis.
Dois meses após a abertura, o McDonald’s anunciou estar focado em refeições financeiramente acessíveis para todos os públicos. De repente, o preço de um hambúrguer com batatas fritas passou de US$ 7 para US$ 2,99. A receita caiu imediatamente e ela teve dificuldade para fazer os pagamentos mensais de US$ 27.500.
Harrington começou a fazer ligações em seu rádio, dizendo aos motoristas de ônibus que lhes daria uma refeição grátis em troca de uma parada com passageiros ao restaurante. Mais tarde, comprou uma franquia Greyhound –famosa empresa de ônibus– e a colocou na esquina do McDonald’s, o que resultou em cerca de 88 ônibus por dia fazendo paradas em seu fast food. A empresária trabalhava mais de 70 horas por semana, frequentemente levando seus filhos ao restaurante. Ela tentava fazer competições divertidas sobre quem conseguia limpar as mesas mais rápido ou colocar mais brinquedos em combos McLanche Feliz. Depois de um ano e meio, comprou uma segunda franquia em Altamont, Illinois.
Em 1993, ela se tornou a única mulher no comitê de pães do McDonald’s e teve a oportunidade de ver a cadeia de suprimentos global em primeira mão, visitando fábricas panificadoras em Kansas City e na Alemanha. Ela ficou fascinada ao aprender sobre a produção dos pães do McDonald’s, que incluem farinha da Rússia e sementes de gergelim da Guatemala.
Quando soube que o McDonald’s estava procurando aumentar a diversidade em sua cadeia de suprimentos, Harrington se apresentou para trabalhar na área e, por não ter experiência em panificação, foi rejeitada. Ela fez uma campanha agressiva, passando duas semanas em uma padaria e trabalhando em todas as posições, incluindo empilhamento e mistura de bandejas. Após dias de trabalho pesado, enviou para a rede de fast food fotos suas em um moinho de trigo e com uma bola de beisebol autografada pelo jogador do Hall da Fama Red Schoendienst. Junto das fotos, o recado: “Estou pronta para ser sua padeira do Hall da Fama”.
“Não era como se houvesse uma vaga”, lembra Steve Lykins, membro do comitê de pães e ex-proprietário de uma franquia McDonald’s. “Ela apenas fez tudo para convencer a rede de que poderia fazer um bom trabalho. Ouviu ‘não’ diversas vezes e não se intimidou.”
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Demorou alguns anos e 32 entrevistas para o McDonald’s finalmente dizer sim, em janeiro de 1996. De acordo com Harrington, seu contador e advogado implorou que ela reconsiderasse e não desistisse de sua renda de US$ 600 mil por ano com as franquias do McDonald’s. Sua nova empresa estaria espremida entre gigantes de capital aberto como a Flowers Foods e padarias familiares de longa data. “Existem muitas empresas de panificação que têm fotos de carroças puxadas por cavalos em suas paredes. São empreendimentos que criaram raízes desde a década de 1970”, disse Josh Sosland, editor das revistas “Milling & Baking News” e “Food Business News”.
Harrington, na época com 43 anos, foi em frente de qualquer maneira, vendendo as franquias e fazendo um empréstimo de US$ 15,3 milhões para fundar a Tennessee Bun Company. “Ray Kroc tinha 52 anos quando fundou o McDonald’s”, destaca a empreendedora. “Sua idade não importa. É a sua energia e determinação que ditam tudo.”
Ela abriu a primeira fábrica em agosto de 1996 em Dickson, Tennessee. Sua linha de produção assava mil pães por minuto para franquias do estado. Era preciso precisão para produzir pães dignos de concorrência. Sem o equilíbrio exato de açúcar e outros ingredientes, o pão não carameliza quando torrado e aquecido por completo. Os compradores do McDonald’s visitavam seus fornecedores regularmente para avaliar os produtos. Uma pontuação abaixo de 90 era inaceitável.
“O tamanho, a espessura e os ingredientes tornam o sabor do nosso hambúrguer o que Ray Kroc começou 65 anos atrás”, diz Fred Tillman, um proprietário aposentado que comprou os pães de Harrington para mais de 50 de suas franquias. “Se o produto varia cerca de meia polegada, você não tem a proporção certa de carne para pão. A consistência dos pãezinhos dela sempre foi um ponto alto.”
O orçamento inicial para a Tennessee Bun Company foi baseado em 12 anos de dados de vendas, com o franqueado médio comprando 770 pães por semana. Mas, de acordo com Harrington, as vendas regionais de pães do McDonald’s caíram 38% após oito meses de abertura, quando a rede de fast food perdeu espaço para rivais. Com os franqueados comprando menos pães, a Tennessee Bun Company entrou no vermelho. “Naquela época, eu estava muito envolvida nisso. Tinha vendido os restaurantes e assumido uma dívida tremenda, então tive que fazer funcionar.”
Harrington perguntou ao McDonald’s se ela poderia vender pães para outros locais, mas seu pedido foi recusado. Mesmo assim, começou a procurar outros clientes, o que era proibido para os fornecedores da rede. “Naquela época, o McDonald’s acreditava que todos os fornecedores precisavam ser inteiramente dedicados à rede”, lembra Steve Lykins. “Se você é uma das padarias da rede, precisamos de todo o seu foco e energia.”
Harrington sabia disso, mas assumiu o risco de qualquer maneira. Ela ligou para um contato na Pepperidge Farm e elaborou um acordo não competitivo para dividir a produção de seus pãezinhos. O McDonald’s estava cético quanto ao acordo, mas Harrington os convenceu ao enviar relatórios mensais documentando quanto o McDonald’s economizava ao compartilhar despesas gerais com a Pepperidge. O primeiro cheque da Pepperidge, em 1999, e a última das economias de Harrington agraciaram a folha de pagamento daquele ano.
Ela não esperou muito para expandir após emergir da beira da falência. Adquiriu uma fábrica em Nashville no final de 1999. Dois anos depois, a Tennessee Bun Company já fornecia pão os lanches de café da manhã Egg McMuffins e, eventualmente, começou a suprir outros restaurantes, incluindo a rede de restaurantes O’Charley’s, que começou a comprar seus macios pãezinhos de fermento a partir de 2007.
A partir de 2013, Harrington conquistou vários clientes importantes: Five Guys, Jason’s Deli e Whole Foods. Diante desse cenário, a insaciável empreendedora fixou seus olhos em um novo objetivo: se tornar a líder na categoria de sanduíches como fornecedora e embaladora de pães. A empresa se expandiu para fora do Tennessee pela primeira vez em 2014, com a aquisição da Masada Bakery, com sede em Atlanta, que produzia bagels e pães orgânicos, além de doces dinamarqueses. Pouco depois, Harrington rebatizou a companhia como The Bakery Cos., reconhecendo que ela fazia muito mais do que pãezinhos.
“Existem tantos tipos diferentes de sanduíches”, diz ela. “Não somos uma marca; atendemos marcas. Se eles estão tentando inovar com um novo sanduíche de waffle ou uma nova baguete, por exemplo, e nós temos capacidade e recursos para fazer uma ampla variedade de coisas, espero que o cliente pense em nós como uma opção.”
No outono de 2018, Harrington queria gastar US$ 70 milhões em uma nova instalação em Arkansas. O advogado de sua propriedade recusou o número e disse que ela deveria atrair investidores externos. A empresária estava hesitante mas, no verão seguinte, por acaso, ela estava sentada ao lado de Greg Purcell, fundador da Arbor Investments, em um jantar para a American Bakers Association. “Senti que ele era como um irmão de outra mãe”, relembra. “Antes mesmo de sairmos, pensei: com seu dinheiro, minha motivação e meu pessoal talentoso, poderíamos realmente nos tornar um grande sucesso na indústria de panificação.”
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Purcell visitou as padarias do Tennessee duas semanas depois e, após mais uma semana, a empresária foi até Chicago para negociar com a Arbor. O negócio foi fechado em 30 de setembro de 2019, o 29º aniversário de abertura da primeira franquia do McDonald’s de Harrington. Ela assinou o acordo para ajudar a expandir o negócio, mas pode ter ajudado a salvá-lo durante a pandemia.
Os clientes de seus restaurantes ainda não voltaram a frequentar os estabelecimentos normalmente, mas a demanda aumentou nos hospitais e, principalmente, nos clientes de varejo como a ConAgra, que faz sanduíches usando os rolls da Bakery Cos. Durante o verão, a Bakery Cos. fechou um novo contrato com um dos maiores fornecedores de carne do mundo.
A Covid-19 forçou Harrington, ávida networker, a desacelerar. Todas as reuniões da diretoria, conferências e visitas com clientes e funcionários foram interrompidas ou transferidas para o Zoom. Atualmente, ela passa bastante tempo em sua casa em Nashville com seu marido, Tom, com quem se casou em 1997. Mais do que um companheiro, ele foi diretor financeiro de sua empresa por um bom tempo, até se aposentar dois anos atrás.
Nesse período, Harrington também começou a ser mentora virtual de franqueados do McDonald’s. Com cerca de US$ 100 milhões em dinheiro e outros investimentos, de acordo com estimativas da Forbes, a empresária também tem participações em dez companhias comandadas por mulheres, incluindo uma startup de energia solar na Namíbia.
“Acredito que os empreendedores nascem com uma sensação de inquietação”, diz ela. “Se você acredita que deve construir um negócio, construa-o e não deixe nenhum obstáculo atrapalhar o seu caminho. Não deixe que a idade seja uma barreira, ou até mesmo a maternidade. Só temos uma chance de fazermos o que queremos nessa vida.”
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