Sou um antropólogo cognitivo. Há muitos anos, estudo artistas famosos das artes plásticas e cênicas, a fim de revelar as tendências cognitivas e as inclinações mentais que eles personificam. A finalidade é firmar o modo artístico de ser deles como um modelo de como podemos ter mais sucesso em agir de forma criativa no complexo mundo de hoje.
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Essa perspectiva representa um esforço para desvendar o diálogo interno e os processos cognitivos dos artistas criativos que produzem canções, músicas, filmes, romances, teatro, dança, pinturas, esculturas e outras formas de arte que são aceitas na cultura popular e que impulsionam o comércio. Implicitamente, é um apelo para que os negócios – tal como costumam ser praticados – transcendam o foco em seu número de “curtidas” e pontos de “big data” para buscarem uma compreensão da natureza humana e da natureza da mente, de modo que o retorno do investimento de uma empresa possa aumentar como um indicador de sua contribuição para o aumento da vitalidade humana.
Jargão corporativo x linguagem humana
Se é para evocar um aumento da vitalidade humana, os negócios não podem ser só números e lógica. Big data e inteligência artificial podem ser apropriados ao tomar algumas decisões como, digamos, distribuição de produtos, ou para ganhar jogos regidos por regras, como xadrez ou Go. No entanto, a criatividade e a imaginação não podem ser reduzidas a zeros e uns, por mais reconfortante que seja a ilusão de certeza oferecida pelos dados.
A linguagem corporativa – numérica, objetiva, linear e totalmente lógica – não é precisa o suficiente para descrever as experiências cotidianas que as pessoas têm na prática, em tempo real, momento a momento. Apesar de os negócios estarem sempre tentando remover o “eu”, este é exatamente o que precisam captar para apreenderem e compreenderem pessoas falando, trabalhando, brincando, desfrutando de pequenos prazeres, sofrendo dores e corações partidos, criando famílias e envelhecendo – e, ao mesmo tempo, dando o melhor de si para conter os demônios que tentam destruí-las. Tal léxico, distante como é da mente natural e viva, omite as coisas que as pessoas querem em mais quantidade – mais vida, mais amor, mais esperança, mais verdade, mais poder e mais alma. É esse o território que a presença humana habita, até mais do que o mundo dos produtos de consumo.
O jargão dos negócios – particularmente o do marketing – não permite que as pessoas se expressem com sua própria voz. Em vez disso, ele remove o público – e ele mesmo – do corpo, da experiência direta e da visão da possibilidade de um futuro mais amplo do que é concebido atualmente. Em toda a paisagem de arranha-céus da economia, o eu é deixado do lado de fora de muitos escritórios. Tudo isso está a serviço da criação de uma matéria de capa que parece aumentar a previsibilidade e minimizar a vulnerabilidade. A função dos negócios é evitar o fato de que a vida, na melhor das hipóteses, é um devaneio entre tristeza e esplendor. Os negócios cultuam no altar do “big data” e, como consequência, os aspectos verdadeiros da identidade e do anseio das pessoas são despedaçados.
A pessoa que pensa de forma artística e audaciosa é que sabe das coisas. Ele ou ela sabe que, seguindo a sedução do eu, histórias e imagens podem ser criadas para que as pessoas possam insinuar suas próprias histórias nelas. O resultado é que as pessoas se sentem mais compreendidas, menos sozinhas e com maior vitalidade.
A audácia artística e o mundo do DEMAIS
Por que pôr isso em foco agora? Porque o contexto do mundo em que vivemos hoje – o contexto do DEMAIS – rápido demais, competitivo demais, complexo demais – exige que todos sejamos mais criativos, imaginativos e artísticos. Temos de criar o futuro, e não apenas nos adaptar ao futuro.
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O mundo do DEMAIS requer raciocínio artístico, liderança artística, e isso exige uma audácia artística.
A audácia, aqui, não é para expressar arrogância, mas para evocar certa coragem, autorrespeito e compaixão pelos outros, a fim de transcender as rotinas passadas para vislumbrar o que John Updike chamou de “a valente e surrada continuidade da vida cotidiana”. Históricos de casos, melhores práticas e métodos prontos para usar são coisas do passado, e hoje ficamos apenas com um futuro que muda rapidamente. Para encarar esse mundo, não podemos ser inflexíveis nas velhas maneiras ou nas insinuações simplistas do digital.
Travessia do caos
Uma imagem do que estou falando a respeito de audácia artística vem de “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg. Nesse filme, há uma cena em que o personagem central, interpretado por Richard Dreyfuss, está construindo um modelo de argila de uma colina ou de um montículo sem saber, de fato, por quê. Spielberg diz sobre o personagem naquela cena: “Alguma coisa abre a imaginação dele para chegar a algo que ele acha que vai dar uma resposta catártica [para o que ele acha que foi o avistamento de um OVNI]”. Ele teve de passar pelo caos para alcançar algum tipo de clareza. O personagem de Dreyfuss era um artista tentando sondar as profundezas de sua imaginação.
Vale a pena notar aqui, também, Spielberg falando sobre si mesmo como diretor de cinema, passando pelo caos. Ele explica: “Toda vez que começo uma nova cena, fico nervoso, mas vou lhe dizer que é a maior sensação do mundo. Quanto mais me sinto confiante e seguro, menos vou produzir. Quanto mais sinto que vai haver uma grande dificuldade para conseguir contar a história, mais vou trabalhar para enfrentar o desafio. Então, eu odeio a sensação de estar nervoso, mas preciso sentir, nesse momento, que não tenho certeza do que estou fazendo e, quando isso beira o pânico, tenho ótimas ideias”.
O romancista norte-americano Philip Roth, ganhador de muitos prêmios literários, concorda. Ele fala de um conceito que chama de “antifluência”. Diz ele: “Às vezes, no começo [da escrita de um romance], a incerteza surge não porque a escrita é difícil, mas porque não é difícil o suficiente. A fluência pode ser um sinal de que não está acontecendo nada. Na verdade, a fluência pode ser o meu sinal para parar. Em contraste, ficar no escuro de frase em frase é o que me convence a prosseguir e criar algo que é verdadeiramente vivo”.
Roth ressalta que, quando está no escuro, é comum surgirem sentimentos paradoxais: lamentos e euforia; frustração e liberdade; incerteza e inspiração; vacuidade e abundância; trabalho arrastado e rápidos progressos.
Lidar com esses sentimentos paradoxais e encontrar seu caminho até o outro lado é a criatividade, é o processo artístico e é uma expressão de audácia artística.
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Wynton Marsalis reflete sobre isso quando fala de Miles Davis, o grande trompetista de jazz. Diz Marsalis: “Miles era o músico de jazz mais criativo, mas, ao mesmo tempo, ele sempre explorava um aspecto do isolamento da condição humana, nossa solidão. Miles captou o fato de que todos somos vulneráveis. E, mesmo assim, todos temos ritmo”. Sim, os seres humanos muitas vezes são autocontraditórios. Como Walt Whitman declara poeticamente, cada pessoa é uma “multidão”.
Marsalis continua: “O jazz aconteceu da maneira como todas as coisas profundas acontecem – uma coisa e o oposto dela são mescladas”.
Deixemos Bruce Springsteen ter a palavra final, aqui, sobre o paradoxo. Ele comenta: “Você tem de ser capaz de manter duas ideias completamente contraditórias vivas e sãs dentro da sua cabeça e do seu coração em todos os momentos. Se isso não o levar à loucura, vai fortalecê-lo”.
O único risco é não correr riscos.
A audácia artística implica fazer o que Spielberg e Roth fazem: perseverar no caos, vendo-o como oportunidade, não como obstáculo. Se você está trabalhando com base em um impulso genuíno – algo que vem de dentro –, sua mente vai ajudá-lo por vontade própria dela.
Esse impulso genuíno representa a autocompreensão. Pharrell Williams ensina a Maggie Rodgers em sua aula magna: “Vá em busca de quem você é e expresse isso em tudo que fizer. Procure, seja franco, seja único”. A audácia artística implica criar uma nova categoria que é VOCÊ – você como pessoa, você como um eu, fundindo você com o trabalho que realiza.
A Liderança Artística não é uma lista de atributos decomposta. Dave Grohl, líder da banda Foo Fighters, fala isto sobre Ringo Starr: “Defina o melhor baterista do mundo”, Grohl indaga e então responde à sua própria pergunta. “Será aquele que é o mais exímio do ponto de vista técnico ou será alguém que se acomoda na música com a sua própria sensação? Ringo era o rei da sensação.”
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A liderança é uma transformação unificada e não decomposta do conhecimento à medida que passa pelo filtro do eu, o que cria um impulso autêntico em direção à imaginação. Consequentemente, como tinta na água, o “EU” se mistura com aquilo que se faz. Isso dá origem a um raciocínio artístico e a uma audácia artística.
Os negócios podem e devem ver os artistas como um recurso. Os negócios podem se inspirar na inclinação mental dos artistas e usar isso como um modelo para abordar artisticamente o complexo mundo em que vivemos hoje.
Nós podemos ser Artistas, Todos.