Luana Génot, fundadora do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), acredita na mudança de discurso de grandes executivos quando o assunto é racismo. Porém, ela defende que a fala destes líderes precisa se traduzir em ações concretas para gerar mudanças positivas e permanentes rumo ao objetivo de igualdade racial em suas organizações.
Publicitária de formação, Luana fundou o ID_BR em 2015, para acelerar empresas na aceleração da pauta de igualdade racial. Neste trabalho, busca mudar culturas vigentes para aumentar o número de negros em cargos de liderança. A organização sem fins lucrativos atualmente tem 16 empresas em seu portfólio que incluem Adidas, Animale, Farm, Fundação Renova, Ipiranga, Johnson & Johnson, Mac Cosmetics, Quinto Andar, Unilever, Verizon Media e recentemente o Nubank, que começou a trabalhar na elaboração de sua estratégia nesta semana.
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O trabalho de conscientização da especialista em relações étnico-raciais tocou grandes líderes corporativos brasileiros desde a criação do Instituto. Há cinco anos, foi Luana quem sugeriu a Luiza Helena Trajano, presidente da Magazine Luiza, que fosse criado um comitê de igualdade racial no Mulheres do Brasil, grupo concebido pela empresária, e até então composto em sua maioria de mulheres brancas.
“Acredito que a franca conversa que tivemos lá atrás fez com que a Luiza criasse a abertura para o comitê, e que ela conseguisse pautar raça em seus discursos, se conectasse com vários stakeholders e a população negra de forma mais sólida, até criar um programa [de trainees, exclusivo para negros] na Magalu”, diz Luana, em entrevista à Forbes.
No caso da varejista, Luana observa que houve um lastro de cinco anos desde o plantio daquela semente inicial, o que mostra que a transformação na forma de pensar dos líderes pode não ser imediata, mas é fundamental: “A mudança de mentalidade das executivas e executivos brancos desse país precisa ocorrer para que possamos fazer uma transformação e de forma sustentável”, ressalta.
Assumindo compromissos
Existe uma mudança em curso na forma em que empresas tem tratado o tema de diversidade no ambiente de trabalho, espelhada na adesão da grande maioria das empresas do portfólio da ID_BR em 2020, segundo Luana. “Até o ano passado, muitas organizações estavam preocupadas em patrocinar eventos ou fazer um treinamento ou dois muito específicos e pontuais ao longo do ano. Não havia um compromisso ao longo do ano que permitisse pensar em estratégias de maneira perene e transversal”, pontua.
O ID_BR trabalha em três frentes de atuação. Em engajamento, atividades incluem encontros focados na influência de tomada de decisão do público C-level, bem como eventos como o Prêmio Sim à Igualdade Racial, que ocorreu neste mês com transmissão online e pelo canal Multishow pela primeira vez, atraindo uma audiência de quase dois milhões de pessoas. Em educação, a organização trabalha em áreas como oferta de letramento racial e educação antirracista, além de conexão de profissionais e jovens negros com instituições de ensino, com foco em áreas como capacitação para a economia digital.
O pilar principal, no entanto, é o de empregabilidade, em que o ID_BR ajuda empresas a desenvolver ações para promover a igualdade racial de forma efetiva. O processo corporativo conduzido pela entidade é baseado nos resultados de uma ferramenta, o Selo Sim à Igualdade Racial, que tem três níveis de engajamento, de acordo com o estágio de evolução das práticas da empresa em relação ao tema. Pontuações são atribuídas às organizações, para mensurar o progresso feito e todas começam no estágio de Compromisso, em que dizem publicamente que estão endereçando o tema.
O nível seguinte é o de engajamento, em que a empresa vai além do desenho da estratégia e define políticas e metas atreladas às áreas e prazos. A empresa de saneamento Aegea é a única organização neste nível e já investiu R$ 3 milhões em iniciativas para igualdade racial, que incluem o treinamento de toda a liderança e um programa de trainees em que negros representam 80% dos participantes. O estágio mais avançado, ao qual nenhuma empresa chegou, é o de Influência, que requer uma dedicação de pelo menos três anos ao tema e resultados comprovados no que diz respeito à pessoas negras no board.
Desconstruindo práticas
A transversalidade – ou seja, olhar a questão da igualdade racial na empresa de diversos ângulos – é crucial quando empresas decidem avançar na pauta racial, segundo a fundadora do ID_BR. Além disso, Luana ressalta que é preciso gerar dados, como a cor e raça de quem foi promovido ou demitido em determinado período, bem como estabelecer critérios de autodeclaração para evitar que, por exemplo, um funcionário pardo não seja classificado como branco.
Este material, que muitas vezes passa despercebido, é a chave para criar metas e indicadores de desempenho, para áreas como contratação desde a base até o conselho, bem como desenvolvimento de carreira, em empresas de qualquer porte. A organização também busca revisitar práticas tradicionais corporativas na gestão de pessoas, examinando o privilégio branco.
“É uma cilada falar só de capacitação [para negros]. Existem milhares de profissionais negros com vários diplomas debaixo do braço e que não conseguem absolutamente nada porque não tem a possibilidade de serem convidados pelos superiores a exercerem outras funções”, ressalta a fundadora do ID_BR.
“Este acúmulo [de qualificações] muitas vezes acadêmico não te impulsiona para a frente, porque falta esse executivo ou executiva abrir mão de seus privilégios para chamar não só os seus próximos, mas pessoas que não fazem parte da sua rede de relacionamento para exercerem funções. É uma questão de oportunidade”, acrescenta.
A cultura de indicações esconde certas práticas corporativas, segundo Luana, como dispensar pessoas que chegam indicadas nas empresas de certas exigências que fazem parte da suposta “barra alta” de contratação: “Temos a impressão de que todos [os brancos em cargos de alta liderança] foram para Harvard e falam inglês. Muitos não tem este pacote, o que mostra que a meritocracia é falaciosa”, aponta.
E continua: “[Executivos] são capazes de chamar um amigo de um amigo de fora do país do que uma pessoa que está na empresa e não necessariamente tem o mesmo pacote, mas que forjou uma resiliência e vivências que podem ser poderiam ser absolutamente fundamentais para o desenvolvimento das empresas mas quem não foram chamados porque não fazem parte deste laço de confiança”, aponta.
Os dados gerados pelas empresas no quesito racial também servem para apoiar o treinamento que o Instituto faz de forma contínua com os executivos das empresas parceiras. Segundo Luana, muitas companhias se esconderam atrás de avanços ao contratar com foco em gênero (contratando mulheres brancas) e LGBT (focando em gays, lésbicas e bissexuais, mas sem atender a população transexual), e deixando de priorizar a diversidade racial. Muitas organizações também tem colocado nos comitês a responsabilidade de tratar as questões de raça, bem como de instruir a organização sobre estes temas, criando uma situação em que líderes continuam desconectados com o assunto.
“Uma tendência que temos visto é [empresas dizerem] que estão falando muito de igualdade racial, chamam uma pessoa que é no máximo analista e colocam nela a responsabilidade de, por ser negra, tocar o pilar racial com orçamento zero, além de exercer a função para a qual foi contratada. É essencial que as lideranças estejam treinadas sobre a questão racial, assim como se treinam sobre vários outros assuntos como compliance, ou a lei geral de proteção de dados”, pontua.
A cobrança para que profissionais negros que hoje ocupam o alto escalão adotem um posicionamento sobre questões raciais dentro das empresas, o chamado peso da representatividade, também está entre os diversos problemas que o ID_BR busca endereçar ao educar executivos brancos sobre o tema de igualdade racial. “Além de entregar os resultados da empresa, altos executivos negros também tem uma enorme pressão para saber tudo sobre raça, o que é muito complicado”, constata Luana.
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Ainda sobre ações concretas que empresas devem buscar, Luana usa o setor financeiro como exemplo para ilustrar o tipo de iniciativas que o foco em igualdade racial deve produzir: “Neste setor, que é absolutamente associado a metas e prazos, é possível estabelecer objetivos como bonificação para executivos que conseguirem cumprir metas de treinamento, de contratação, de comunicação com stakeholders externos como universidades que tem um corpo de negros como maioria. Elas também precisam conseguir impactar seus fornecedores e parceiros, para que eles também assumam uma postura em relação a pauta da igualdade racial”, pontua.
Nos próximos meses, Luana tem o objetivo de fazer com que mais empresas assumam um compromisso de longo prazo com ações para tratar a desigualdade racial em seus ambientes de trabalho. Isso inclui fazer com que líderes, quando questionados publicamente sobre pautas raciais, consigam mudar seus discursos ao se assumirem racistas e reprodutores do racismo estrutural. “Isso vale para toda e qualquer pessoa, ou empresa. A questão é, o que a gente faz para mudar: é preciso assumir responsabilidade.”
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