Foi numa tarde, em 1988, que Julio Campos recebeu um telex – antigo sistema de comunicação escrita, antecessor do fax e do e-mail – avisando que tinha sido aprovado no processo de trainees da Unilever. O jovem de Itajaí, interior de Santa Catarina, que sonhava em cursar teatro, mal pôde conter a empolgação: correu para a casa do futuro sogro com a mensagem em mãos. Graças ao primeiro emprego, ele, finalmente, receberia permissão para ficar noivo.
Desde então, o executivo construiu, simultaneamente, dois relacionamentos muito sólidos: são 33 anos de casamento com a então namorada, Rosângela, e o mesmo tempo de carreira na gigante de bens de consumo. Atual presidente da UMP na América Latina, holding independente da Unilever dedicada ao desenvolvimento de marketplaces digitais, Campos credita sua trajetória à crença de que poderia transformar vidas através da liderança.
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De Itajaí para a América Latina
Filho de médico e neto de engenheiro, Campos decidiu seguir os passos do avô e optou pela engenharia mecânica, curso concluído na Universidade de Mauá. Ainda no centro acadêmico da instituição, teve o primeiro contato com projetos sociais, experiência que seria decisiva para o seu futuro como líder. “Sempre gostei muito de tratar com as pessoas e de lutar pelas causas nas quais acredito”, conta. “Mas chegou a formatura e a única coisa que eu tinha certeza é que não tinha nascido para ser engenheiro. Era uma profissão solitária, o oposto de mim.”
Decepcionado, o recém-formado decidiu, então, procurar uma oportunidade que o permitisse dar uma guinada na vida profissional e, de quebra, na pessoal. Nessa época, ele ficou sabendo do programa de trainees da Unilever, empresa que, a seus olhos, parecia tão aberta à inovação quanto ele, e decidiu tentar. Depois da aprovação e do episódio do telex – um dos mais memoráveis de toda a sua carreira, segundo ele – o jovem engenheiro ingressou na área de supply chain da companhia. Nessa posição, além de etiquetar os produtos nos mercados, Campos teve a chance de viajar o Brasil e conhecer todos os demais setores do grupo.
“Foi um período maravilhoso. Como trainee, tive a oportunidade de conhecer áreas diferentes e entender onde realmente estava meu talento. Foi nessa época que eu descobri que era um bom vendedor. Era lá que eu brilhava. Eu sentia como se estivesse no teatro, um lugar onde eu sempre quis estar”, descreve. Aos jovens que acabaram de ingressar em uma grande empresa, o engenheiro aconselha uma imersão nos valores da marca. Segundo ele, tanto é necessário que o profissional tenha o perfil da companhia, quanto que o modelo de funcionamento da empresa se enquadre na vida deste profissional. “Carreira e vida pessoal andam juntos, para crescer em um é preciso estar feliz nos dois”, acredita.
Em 1990, Campos conquistou o seu primeiro cargo de gerência, ainda no setor de vendas. No mesmo ano, decidiu cursar administração, decisão apoiada pela Unilever, que financia parte dos custos acadêmicos dos funcionários. Enquanto estudava, foi promovido a gerente de operações, e, oito anos após sua chegada à companhia, tornou-se diretor regional de vendas.
O crescimento veio a custo de muito trabalho, mas também do compromisso com resultados exponenciais e da relação com a equipe. “Sempre me dediquei ao meu time, então me cerquei de pessoas motivadas e preocupadas com o bem-estar coletivo. Não era só sobre mim, mas sobre quem estava comigo. E quanto mais eu trazia para essas equipes profissionais diversos e praticava a inclusão, mais a minha performance melhorava”, garante.
A boa reputação em relação aos resultados alçou Campos à posição de vice-presidente de vendas e desenvolvimento de negócios para Brasil e América Latina, posto que ocupou entre 1999 e o início deste ano. A nova fase na carreira veio atrelada a desafios gigantes, que iam além da administração dos negócios. Isso porque, aos 40 anos, o executivo se permitiu ser vulnerável e encarar seus medos – como andar de avião ou pegar um elevador, por exemplo. Ele diz que, se pudesse voltar no tempo e fazer algo diferente, optaria por se libertar dessas amarras mais cedo. “São coisas que parecem tão bobas, mas eu gastava uma energia enorme naquilo, em tentar parecer perfeito”, diz. “Depois de me abrir para a equipe, me senti tão bem que fui até capaz de tratar e superar a situação. E, na sequência, outras pessoas passaram a confidenciar seus medos também.”
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Um propósito: impactar vidas
O executivo também percebeu que poderia usar sua posição em uma das maiores companhias do mundo como uma ferramenta importante de transformação social. Passou, então, a focar num objetivo: elevar a presença de mulheres na liderança. Desde então, o índice de participação feminina no C-Level da companhia passou de 25% para 52%. Também passaram a integrar os quadros da empresa profissionais com deficiências físicas e neurodiversos, assim como refugiados e representantes de minorias raciais.
“Apoiar causas sociais é algo que você faz por ser um bom homem de negócios ou porque acredita naquilo. Se você for um bom homem de negócios, sabe que essa representatividade vai trazer sucesso no futuro. Se você acredita no propósito, com certeza entende a justiça que precisa ser feita. Cada vez os consumidores serão mais conscientes sobre o que eles compram e para onde está indo o seu dinheiro. E essas minorias precisam de voz, de oportunidade”, diz.
Em 2020, Campos fundou, ao lado de Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, o Jovens do Brasil, movimento que busca qualificar e empregar jovens que estejam fora do mercado de trabalho. O interesse pelo tema levou-o de volta aos bancos universitários. Há cinco anos, ele iniciou um mestrado voltado à área de educação, cuja tese abordou as habilidades socioemocionais no desenvolvimento da criança.
No cargo atual, de presidente da UMP para a América Latina, o engenheiro espera alcançar resultados prósperos e inspiradores no mercado, mas sem deixar de lado o viés inclusivo que trilhou seu caminho para o sucesso. “Eu sempre entendi o trabalho como uma área onde você encontra o seu propósito. Então eu via o meu emprego como uma forma de sustentar minha vida e atingir meus objetivos de inclusão. Eu nunca ambicionei ser presidente de uma empresa como eu sou hoje, mas sempre quis impactar muitas vidas. Eu queria ter certeza que estava promovendo algum tipo de transformação. O escritor norte-americano Mark Twain diz que na vida existem dois momentos importantes: quando você nasce e quando você descobre por que você nasceu. Desde cedo eu sabia o meu porquê.”
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