Albert Einstein, Martin Luther King, Winston Churchill, Nelson Mandela e Charles Darwin. Esses são alguns dos nomes que já passaram pela Academia Americana de Artes e Ciências, organização de 1780 que homenageia e reúne líderes das mais variadas áreas para discutir novas ideias e impulsionar o avanço do conhecimento. Durante os mais de 200 anos de história, diversas personalidades passaram pela instituição, que tem sede em Cambridge. Mas, em 2021, a eleição de novos membros teve um significado especial para o Brasil: a nomeação da cientista astrofísica Angela Villela Olinto, de 59 anos.
Como se não fosse suficiente, a brasileira de coração – Angela nasceu nos EUA, mas chegou muito pequena ao Rio de Janeiro e cresceu em Brasília – teve que lidar com uma dupla consagração ao assumir, na mesma semana, o posto de integrante também da Academia Nacional de Ciências, instituição privada sem fins lucrativos que reconhece conquistas na área científica por meio de uma eleição do conselho. Após o feito raro, Angela ganhou as manchetes dos principais veículos de comunicação do mundo e virou inspiração para mulheres de todas as partes do globo. Professora na Universidade de Chicago e pesquisadora principal de dois projetos sobre raios cósmicos na Nasa (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), ganhou reconhecimento também por ter construído uma carreira de sucesso num campo muito distante da realidade da maioria das mulheres brasileiras.
“Já é difícil trabalhar na área sendo homem, mas atuar com a sensação de que você não foi convidada para a festa dá um desconforto extra”, conta Angela. Na verdade, os estudos sobre buracos negros, galáxias com formação intensa de estrelas e ondas gravitacionais não são a parte mais difícil do trabalho. Complicado mesmo é ter sido a única mulher em diversos momentos de sua trajetória profissional.
“Na minha graduação na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), eu tive professoras e colegas de classe que sempre passaram a impressão de que física era algo para todos. Quando cheguei ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) para fazer doutorado, a mensagem foi bem diferente”, relembra. “Eu só tinha professores homens e, em uma sala com 60 alunos, só havia duas mulheres, contando comigo. Digamos que não era confortável”, diz, com humor, embora a situação não tenha sido exatamente divertida na época.
Hoje, Angela consegue recordar com mais leveza tudo isso por ter ultrapassado as barreiras e deixado o caminho menos íngreme para as próximas pesquisadoras. “Quanto mais as mulheres alcançarem o sucesso, mais elas conseguirão ocupar espaços. A astrofísica é uma área com muito mais homens do que mulheres, mas estamos evoluindo”, destaca. No MIT, além de física, aprendeu sobre resiliência.
E foi naquele ambiente que Angela descobriu qual caminho traçar no que diz respeito à pesquisa. “Quando cheguei ao MIT, estava interessada em estudar partículas. No meio do processo, comecei a me interessar por coisas maiores, pelo universo em si. Então, fiz uma conexão entre essas duas áreas, o micro e o macroscópico, e foquei meu conhecimento em astrofísica com ênfase em partículas”, explica Angela. De certa forma, a então estudante começou a ajudar no desenvolvimento de uma área que era extremamente nova no mundo acadêmico da física, a astropartícula.
“Terminei o doutorado nessa área e, como era algo muito novo, poucos lugares estavam investindo nisso. Um deles era a Universidade de Chicago, que acabou me chamando para estudar no laboratório”, conta a pesquisadora. O plano era fazer o pós-doutorado e voltar ao Brasil para ser professora universitária, mas ele não se concretizou. “Fiquei anos falando que voltaria ao Brasil e isso nunca aconteceu”, brinca ela, que já mora nos Estados Unidos há quase 40 anos.
Sem arrependimentos, Angela terminou o pós-doutorado, foi professora assistente, professora associada, diretora de departamento e, finalmente, decana – responsável pela divisão inteira de ciências físicas da instituição. “O cargo de direção é evitado por pesquisadores jovens para não atrapalhar o foco nas pesquisas. Mas, por conta da representatividade, eu não consegui negar. Precisava ajudar no processo de conquista de mais mulheres no setor”, revela. Orgulhosa de sua decisão, a cientista revela que sua divisão já alcançou 40% de presença feminina. Hoje, ela também compartilha espaço com mais quatro professoras da área. “Quando entrei, só tinha eu.”
Embora o número possa parecer pequeno, esse é um passo gigante para a astrofísica. Mas, claro, Angela não parou por aí e decidiu ir além em sua busca por espaço e representatividade. Na Nasa, virou líder das pesquisas sobre raios cósmicos e luta por uma missão espacial de US$ 1 bilhão.
PRÓXIMA PARADA: O ESPAÇO
Angela estuda as partículas raras que compõem ou interagem com a matéria, como os núcleos atômicos e os neutrinos. Basicamente, a pesquisadora busca detectar a entrada dessas partículas na Terra e seus impactos na natureza do planeta. “É uma luz super rápida. Como um raio muito difícil de detectar”, explica. “Só conseguimos enxergar isso com câmeras hiperpotentes no solo ou no espaço.”
É exatamente na intenção de observar esses raios que a professora se aproximou dos estudos da Nasa. “Sempre estudei a teoria sobre a estrutura do universo e, um dia, me juntei a um grupo que estava construindo um grande observatório no solo, na Argentina”, recorda. “A partir dessa construção, é possível detectar a entrada e a saída das partículas na atmosfera, então eu fui uma das líderes do projeto. No entanto, em meio às pesquisas, percebi que era preciso um observatório maior para adquirir a quantidade de dados que gostaríamos.” Infelizmente, conseguir mais espaço era quase impossível. Os pesquisadores já estavam usando 3.000 quilômetros quadrados da região argentina.
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“A Terra não é livre, então precisamos de permissão dos donos para colocar nossos telescópios. Não é um processo tão simples”, destaca. Sendo assim, em 2010, Angela decidiu que a melhor solução era construir um observatório no espaço. “Lá não precisamos pedir licença”, brinca. Foi assim que começou a desenvolver, junto à Nasa, o EUSO-SPB (observatório espacial do universo em um balão de superpressão, em português), um balão de alta pressão que viaja a uma altitude de 33 quilômetros e fotografa a entrada das partículas na terra. “Fiz a proposta para a Nasa em 2012 e o primeiro voo ocorreu em 2014. Desde então, já fizemos outro, em 2017, e agora estamos organizando o próximo para 2023. É o ápice de uma década de trabalho”, conta.
Mas o auge, mesmo, seria conseguir a missão espacial que Angela desenhou em 2016, batizada de POEMMA (sonda dos multi-mensageiros astrofísicos extremos, em português). “Já vimos que a ideia do balão funciona, então uma missão no espaço nos daria ainda mais dados e estatísticas”, explica. “O estudo já foi aprovado e estamos entre os 10 melhores projetos. Apenas um é aprovado. São missões que podem gastar até US$ 1 bilhão, então a competição é muito acirrada.”
Enquanto aguarda a longa e detalhada análise da gigante exploratória, Angela agradece por estar fazendo parte do avanço do conhecimento humano sobre o universo. “O importante é sabermos o máximo possível sobre a natureza em que vivemos, independentemente do que ganhamos imediatamente com isso”, destaca. “Isso é pesquisa básica. Não queremos solucionar nada, queremos entender. O GPS foi desenvolvido para estudar a gravitação, não para acertar a localização das pessoas. Nossas pesquisas, de alguma forma, um dia chegam à rotina das pessoas.” Por esse e outros exemplos, ela sabe que o resultado de seu trabalho é deixar um legado.
“Eu pesquiso hoje para deixar material para minhas alunas. Assim como elas deixarão para as gerações futuras”, ressalta a pesquisadora que, para aumentar a representatividade feminina na ciência, deu 5 dicas para mulheres que querem seguir carreira na astrofísica.
Confira, na galeria abaixo, 5 dicas de Angela Olinto para se destacar na área:
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Getty Images 1. Tenha habilidade diplomática
Com experiência de campo, Angela descobriu que saber fazer contatos é uma das habilidades mais importantes da área. Ao contrário do que parece, o trabalho de um físico não é solitário. É preciso ter uma boa relação com professores, estudantes e pesquisadores para sobreviver ao meio. “Se brigarmos com todos pelo caminho, não conseguimos conquistar nada. É preciso diplomacia e paciência para grandes colaborações”, destaca a professora. Além disso, o trabalho em equipe é uma questão muito valiosa para o mundo acadêmico. É através dele que conhecimentos distintos se unem por um bem comum. “Eu estou sempre tentando expandir fronteiras e, claro, uso minha habilidade diplomática para isso”, completa.
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Getty Images/Jamie Grill 2. Seja flexível
A vida do pesquisador, mais do que tudo, é cheia de frustrações que precisam ser naturalizadas. “Muitas vezes, as coisas não funcionam como pensamos. Volta e meia eu digo para meus familiares: ‘Deu tudo errado, morremos na praia’. E, dois dias depois, já estou trabalhando em outra estratégia”, conta Angela, bem humorada. “Você pode ficar chateado por um dia, mas no próximo precisa levantar e pensar em outra solução para o que não deu certo.” A pesquisadora, mais do que ninguém, sabe do que está falando. Seu próprio projeto de missão espacial precisou ser remodelado no meio do processo. “Propusemos um equipamento muito caro, que ‘estourava’ o orçamento. Então, decidimos mudar a técnica”, conta. O segredo é estar preparado para as recorrentes quedas. Quando isso acontece, é possível levantar com mais facilidade.
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Getty Images/Kelvin Murray 3. Não ouça o barulho à sua volta
“Preste atenção no seu objetivo final”, destaca Angela. Como uma das únicas mulheres da sala durante o tempo em que esteve no MIT, ela precisou focar a mente em seus sonhos de vida. Pensar no desconforto não levaria a nada além de frustração. “Ser mulher não deve impedir ninguém de seguir suas ambições.” Mais do que sua experiência como mulher no doutorado, ela relembra a experiência decisiva que viveu aos 20 anos, ainda no início de sua trajetória profissional. Diagnosticada com polimiosite, uma rara doença caracterizada pela inflamação progressiva dos músculos, Angela ficou entre a vida e a morte no último ano da faculdade.
“Eu nem sabia se ia chegar aos 21 anos. Ainda assim, decidi seguir com o MIT nos Estados Unidos. Se não vamos viver, talvez seja melhor passar o nosso último ano na praia tomando uma caipirinha”, diz, entre risadas. “Mas eu não me planejei para morrer, e sim para viver. Por isso não desisti do doutorado”, conclui. “Comecei em uma cadeira de rodas, mas minha cabeça estava ótima.”
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Getty Images/Westend61 4. Seja bondoso consigo mesmo
Se a área acadêmica é colaborativa, não faz sentido querer dar conta de tudo sozinho. Por isso, Angela ressalta a importância de respeitar os seus próprios limites para chegar onde deseja. “Para mim, memorização é algo muito difícil. Em contrapartida, sou muito boa em entender a dinâmica das coisas. Sei qual é o meu caminho e respeito meus talentos.” Para evitar frustrações, é mais do que essencial entender que ninguém precisa ser o número um em tudo. “Na escola, aprendemos a ser os melhores alunos. Na vida real, não é isso que vale. Vontade, às vezes, é mais importante do que talento. A famosa ambição de chegar em algum lugar”, conclui.
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Getty Images/manusapon kasosod 5. Siga o fluxo
Quando chegou aos Estados Unidos, o plano de Angela era ficar um tempo estudando e voltar ao Brasil para ser professora universitária. Por cerca de dez anos, ela adiou voos e fez discursos sobre quando voltaria à sua terra natal. O que ela não sabia é que seu destino não era esse. “Não force subir o rio se a água está puxando você para baixo. Às vezes, é a vida mostrando que o seu plano não é o melhor caminho para alcançar o sucesso”, destaca. A pesquisadora não voltou ao Brasil, mas foi consagrada com títulos importantíssimos, é decana da Universidade de Chicago e pesquisadora na Nasa. Sua trajetória é o maior exemplo de que seguir o fluxo, muitas vezes, pode ser o melhor dos planos.
1. Tenha habilidade diplomática
Com experiência de campo, Angela descobriu que saber fazer contatos é uma das habilidades mais importantes da área. Ao contrário do que parece, o trabalho de um físico não é solitário. É preciso ter uma boa relação com professores, estudantes e pesquisadores para sobreviver ao meio. “Se brigarmos com todos pelo caminho, não conseguimos conquistar nada. É preciso diplomacia e paciência para grandes colaborações”, destaca a professora. Além disso, o trabalho em equipe é uma questão muito valiosa para o mundo acadêmico. É através dele que conhecimentos distintos se unem por um bem comum. “Eu estou sempre tentando expandir fronteiras e, claro, uso minha habilidade diplomática para isso”, completa.
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