A Multicoisas, varejista com enfoque em utilidades domésticas, está em um processo de reformulação da sua cultura corporativa para se adequar aos “novos tempos”. Fundada em 1978, pelo empresário Lindolfo Martins, o negócio evoluiu até se tornar uma das principais empresas do segmento no Brasil, com 208 unidades franqueadas. Mas, no final de 2019, o aumento da competitividade do setor (impulsionada principalmente pelas startups) e o consequente achatamento das margens de lucro da empresa despertaram a necessidade de transformações internas na franqueadora. “Apareceram novos concorrentes, muito melhores do que aqueles que já conhecíamos. Com isso, tivemos a consciência de que precisávamos pensar em uma estrutura e modelos diferentes de gestão para que conseguíssemos continuar competitivos”, diz Tiago Berno, diretor de Tecnologia e Inovação.
Para colocar em prática essa mudança na estrutura e na gestão, o movimento de revisão de processos da Multicoisas precisou começar pelas hierarquias. Com raízes familiares, a empresa ainda seguia uma estrutura verticalizada, em um modelo que Tiago Berno define como “comando e controle”. “A gente tinha muito forte a figura do herói, que é aquele líder que centraliza responsabilidades e que é quem dita o que precisa ser feito e como precisa ser feito”.
Seguindo o exemplo de startups, a empresa buscou um design organizacional que valorizasse a horizontalidade nas hierarquias e na formação de equipes multidisciplinares (ou “squads”) direcionadas a objetivos em vez de seguirem a rotina e funções de um departamento específico. Mas, para atingir esses resultados, Berno compartilha que as mudanças precisaram começar nas lideranças. “Envolver as lideranças foi fundamental. Se a gente não começa olhando para isso, corremos o risco de sofrer boicotes.”
A medida começou pelo maior cargo executivo da companhia, o de CEO, em 2021. Foi quando Lindolfo Martins deixou a posição, dando lugar a um grupo gestor formado por dois executivos. “O movimento de me afastar da gestão foi estratégico e alinhado com nossa estratégia de transformação cultural. Com isso, queríamos criar uma organização capaz de se autogerir e com foco maior em inovação”, diz Lindolfo Martins, que hoje ocupa posição no conselho de administração da empresa.
O ex-CEO da Multicoisas diz que o objetivo principal dessa movimentação foi impulsionar a transformação digital da empresa. “Se fala muito sobre transformação digital, e nós entendemos que ela é baseada na transformação das pessoas. Não adianta você vir com novas tecnologias e não implementar mudanças na cultura.” Em junho de 2020, a empresa lançou uma plataforma de e-commerce. Na loja virtual, os usuários tem acesso à uma cesta básica de produtos vendidos em todas as unidades da rede. Assim, ao acessar a plataforma, o cliente é direcionado para a loja mais próxima de sua casa. Consultores de venda também estão disponíveis para tirar dúvidas durante o processo de compra.
Squads direcionados
Segundo Tiago Berno, o e-commerce da Multicoisas foi a oportunidade para testar o novo modelo organizacional que a empresa estava estruturando. Para gerenciar a plataforma, foi aplicado pela primeira vez o modelo de squads multidisciplinares, inédito na empresa. “Pegamos desde pessoas de marketing até profissionais de tecnologia da informação para integrar essa equipe, garantindo uma variedade maior de habilidades”, diz Berno. Em vez de se movimentarem apenas de acordo com os comandos de executivos, essas equipes possuem autonomia, sendo orientadas por objetivos. Nesse caso, se estabelece uma meta de faturamento em 12 meses em que o squad deve alcançar.
A empresa também está investindo mais na capacitação dos seus funcionários. “A gente já tinha uma universidade corporativa, mas ela foi perdendo força com o passar dos anos.” Em 2021, a empresa passou a oferecer materiais educacionais tanto para as áreas operacionais, quanto para as lideranças em parceria com a plataforma de educação corporativa da StartSe. No contexto de uma empresa tradicional, Tiago Berno avalia que medidas do tipo são necessárias para estimular um ambiente de inovação. Ele estima que cerca de 88% dos colaboradores da empresa já tenham passado por esses programas, cujo objetivo é auxiliar no desenvolvimento profissional com reforço de soft skills e habilidades técnicas.
Para 2022, o objetivo é expandir esses programas de mentoria, assim como criar mais squads e impulsionar a transformação digital do negócio. “Notamos evolução na execução de projetos e na velocidade das iniciativas de inovação. Tudo isso reforçou para nós a importância da valorização do capital humano. Quando você aumenta a autonomia dos times, os resultados também crescem”, diz Berno.