Em uma conversa durante um evento de trabalho, um headhunter de uma das maiores consultorias do mundo contou que havia dispensado uma candidata qualificada porque viu um Band-Aid saindo pela lateral do seu sapato. A ele, pareceu desleixo aquela ponta de curativo aparecendo. A história ilustra como atuam nossos preconceitos e vieses na hora de uma entrevista de emprego, o que pode levar um recrutador a dispensar um bom candidato. E é nessa hora que entra o trabalho de Cammila Yochabell, CEO da startup Jobecam.
A companhia nasceu em 2016 com foco em seleção de talentos e, em 2018, lançou uma plataforma para intermediar entrevistas de emprego às cegas e tentar reduzir os vieses em processos seletivos. “Focamos também no aspecto educacional, porque o recrutador passa a refletir se teria avançado com aquela pessoa se conhecesse sua aparência desde o começo”, diz Yochabell.
Como funciona a entrevista anônima
Ao se cadastrar para o processo seletivo, o candidato preenche o currículo e as informações no site, mas tudo isso não aparece para o recrutador. As empresas têm acesso somente às habilidades do profissional em um primeiro momento, sem saber gênero, cor ou origem, por exemplo. A primeira entrevista é feita com um avatar e um nome fictício, gerado automaticamente. E o candidato não tem a opção de fazer o próprio avatar. “Tendemos a escolher características que nos representem, deixando o avatar parecido, por isso não há opções”.
A voz fica distorcida a ponto de não ser possível reconhecer nem mesmo o gênero do candidato e há opções de diversos filtros de distorção para o entrevistador. Nas etapas seguintes, a empresa pode escolher que o entrevistado seja revelado. Caso a organização opte por conhecê-lo, o profissional grava um vídeo de apresentação. Há também a possibilidade de seguir com o processo seletivo até o fim de forma anônima.
Uma pesquisa realizada pelo Linkedin em 2021 com 2 mil profissionais brasileiras entre 25 e 55 anos revelou que 82% das entrevistadas sentiam ter menos direitos que os homens no ambiente de trabalho em decorrência do viés inconsciente. Outro estudo, feito pela Universidade de Yale, mostrou que homens e mulheres cientistas, ainda que treinados para evitar os próprios juízos de valor, contratavam mais homens e os remuneravam com cerca de US$ 4 mil a mais por ano do que mulheres.
Diversidade aumentou com uso da ferramenta
Desde a criação da ferramenta, em 2018, a Jobecam reuniu dados que sugerem que a diversidade aumentou nas empresas com a utilização da plataforma. Em cinco empresas avaliadas, cada uma somou 82% mais contratações de mulheres, 58% mais pessoas negras e 49% mais pessoas LGBTQIA+. De acordo com a Jobecam, de modo geral, os usuários aumentaram em 68% a diversidade nas contratações.
Geralmente, o procedimento é utilizado para cargos de entrada ou plenos. A BRQ, empresa de tecnologia e serviços digitais end-to-end aderiu à entrevista anônima para esses cargos em janeiro de 2019 e já obteve resultados quanto à maior contratação de mulheres. “Até esse momento, nossos processos seletivos eram totalmente presenciais, nunca tínhamos experimentado algo como a plataforma”, diz Carolina Piombo, CPO da BRQ. A experiência resultou em 10% mais mulheres contratadas desde que começaram a usar a plataforma.
A farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, maior produtora de insulina do mundo, tem a ambição de usar a entrevista anônima em todos os processos seletivos no futuro. De acordo com sua head de aquisição de talentos, Alejandra Rois, a companhia está estudando de que forma adaptar a ferramenta às diferentes culturas nos países em que atuam. “Estamos desafiando uns aos outros a quebrar nossos paradigmas: não estamos apenas mudando algo em outra pessoa, mas em nós mesmos”.