Tamara Braga cresceu nas comunidades do Rio de Janeiro. Nascida no bairro de Honório Gurgel, enfrentou a perda do pai quando criança e viu a mãe sacrificar, muitas vezes, o dinheiro das refeições para que ela pudesse estudar. Suas vivências a levaram a agir para mudar a realidade dos lugares por onde passou. Aos 28 anos, já desenvolveu soluções como uma linha completa de eletrodomésticos adaptados para pessoas com deficiência. Como nova head de D&I, seu objetivo é identificar as maiores dores de pessoas trans, pessoas com deficiência, mulheres e pessoas negras para adaptar os processos de recrutamento. A missão é garantir que essas pessoas se sintam pertencidas.
Aqui, a trajetória da nova head de diversidade da Gupy.
Forbes: Como as suas vivências influenciaram na sua luta pela diversidade?
Tamara Braga: Nasci em Honório Gurgel e cresci por várias comunidades do Rio. Sou filha de uma mulher branca com um homem preto. Então, desde sempre as causas raciais estiveram em minha vida. Eu sempre participei de ONGs de voluntariado e coisas do tipo. O meu pai faleceu quando eu era muito jovem e minha mãe acabou me criando sozinha. Ela só estudou até a quarta série, então isso fez com que ela não tivesse muita noção em relação ao mundo corporativo e minha família também não tinha ninguém formado. Até eu conseguir me graduar. Por isso, sempre valorizei muito a educação. Então, consegui uma bolsa no Sistema Elite de ensino, que me proporcionou entender níveis sociais, porque eu era a única pessoa bolsista. Isso fez com que eu tivesse cada vez mais vontade de crescer. Dali, passei em um colégio para fazer o curso técnico em química em Nilópolis, entre os primeiros colocados. No laboratório, foi a primeira vez que eu tive um choque de realidade em relação à inclusão, porque eu era uma das únicas mulheres dentro da produção. Passei em engenharia química na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Nessa época, eu e minha mãe tivemos muitas dificuldades financeiras e até perdemos nossa casa. Tudo isso me motivou muito para direcionar cada vez mais a minha carreira e buscar conforto para nós.
F: Qual foi o seu primeiro projeto?
TB: Meu primeiro projeto foi voltado para a diversidade e foi focado em alunos cotistas. Percebemos que esses alunos desistiam do curso antes do normal. E o motivo disso era que eles não podiam se manter dentro da faculdade, então o projeto foi conectar esses alunos com bolsas de estágio nas fábricas que estavam em volta da faculdade. Conseguimos melhorar em 40% a evasão desses alunos.
F: Dentro das empresas que passou, quais outras iniciativas você teve?
TB: No meu primeiro estágio em uma empresa de vedação, desenvolvi um projeto que retornou R$ 200 mil anuais para eles. Ganhamos o certificado de Yellow Belt. Depois, fui para o estágio na Coca-Cola. Foi quando percebi que não precisava ficar presa no laboratório e na área de processos, porque lá tinha engenheiro em todos os lugares, até no RH. Olhando para pessoas da produção, eu entendi o que que eu precisava fazer para desenvolvê-las. Depois disso, consegui um emprego na Embelleze. Ali foi a primeira vez que eu vi que diversidade podia ser feita a partir da liderança. Lá, 90% da produção era composta por mulheres negras. Eu era analista de meio ambiente e qualidade e eu comecei a desenvolver alguns projetos de trazer pessoas diversas para dentro da área. Vim para São Paulo e foi quando eu entrei na Ambev. Tive a oportunidade de desenvolver um projeto de diversidade lá dentro, que retornou em 38% a mais de contratação de pessoas diversas. Eu cuidava desde o banco de currículos até a preparação dos candidatos, fazia também a sensibilização dos gestores. Quando a pessoa era contratada, eu também fazia o engajamento delas. Fui para a Whirpool, que produz produtos Brastemp e Consul, entrei na área de peças e eletrodomésticos.Vi que os produtos não eram adaptados para pessoas com deficiência visual, nem outro tipo de deficiência. Usamos a metodologia ágil para descobrir que a deficiência visual é a maior proporção que temos no Brasil hoje. Desenhei um adesivo tátil para adaptar o touch screen para pessoas que não enxergam e no fim isso envolveu um time de 60 pessoas, desde o marketing de inovação até o pessoal de segurança do trabalho. Até então, o manual dos eletrodomésticos dizia que pessoas com deficiência não poderiam usá-los. Agora eles têm um site totalmente acessível para adquirir esses adesivos e também um manual em áudio. Fizemos uma parceria com uma ONG e entreguei três cozinhas completas e acessíveis.
F: Como você chegou até a Gupy? Quais seus desafios agora?
TB: Com o engajamento, comecei a ficar cada vez mais vista dentro do LinkedIn. E aí pintou a vaga da Gupy e eu fui contratada. O que mais me chamou atenção na Gupy foi a possibilidade de impactar a vida das pessoas. O que eu faço hoje agora vai impactar também todas as empresas com que trabalhamos. Vamos pensar em acessibilidade, em produtos que a gente vê que as consultorias hoje vendem, mas que a gente também pode fornecer diretamente da plataforma. Quero abraçar o máximo possível de coisas que a gente conseguir. Desde o ano passado, temos o Manifesto de Diversidade, em que temos uma meta até julho de 2024 de 50% de mulheres em todos os níveis hierárquicos, sendo que 30% dentro destes 50% têm que ser de outros recortes, como mulheres trans, negras e LGBTQIA+. A ideia é que a gente possa ouvir esses grupos de afinidade e direcionar os planos de ação.
F: O que te dá coragem para mudar o mundo?
TB: O que me motiva, hoje, é mover ponteiros. Eu acredito que não adianta a gente ficar só falando sobre diversidade, se a gente também não adapta todos os nossos processos, se a gente não olha para todos os consumidores que a gente tem. É preciso garantir que pessoas de diferentes recortes e realidades tenham as mesmas jornadas. Adaptar os processos, entender o quanto o crescimento na vida delas aumenta quando estamos realmente engajados e ter um olhar para múltiplas realidades é muito importante. Esse é meu objetivo.
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