“Desse jeito você vai longe”. Com essas palavras – e um sorriso sarcástico de canto de boca, um diretor de negócios ironizou minha resposta sobre o horário de saída da equipe que eu liderava.
Do meu ponto de vista, estando as demandas em dia, não havia problema algum que fossem para casa no horário normal de expediente. Para aquele diretor, isso era o fim do mundo.
O ano era 2010. Na mente de muitos líderes – ou melhor, chefes – funcionário eficiente era aquele que saía depois que as luzes do escritório começavam a se apagar. Basicamente, um “work smarter, not harder” às avessas. Nada mais retrógrado.
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Naquele momento da minha carreira, eu não tinha as ferramentas e a articulação necessárias para responder de um jeito contundente. Mais importante que isso, havia poucas lideranças femininas em que pudesse me espelhar. Em uma época em que empoderamento feminino (além de assédio moral) era pouco falado, me sentia apenas grata e privilegiada por ocupar uma posição de diretoria em uma agência de publicidade multinacional.
O fato de aquele executivo de negócios ocupar exatamente o mesmo cargo que eu parecia pouco relevante. Afinal, o gênero de uma pessoa, por si só, era capaz de tornar alguém mais competente aos olhos do mundo. Não me calei, mas apenas consegui sussurrar um “vou mesmo”.
Anos se passaram para eu entender que aquele ataque – na frente de todo o escritório – estava mais relacionado à uma necessidade não atendida dele do que comigo. Talvez estivesse sobrecarregado de trabalho, com algum problema familiar ou, quem sabe, também quisesse sair mais cedo – mas tinha medo de ser julgado.
Embora eu não tivesse absolutamente nenhuma relação com alguma dessas hipóteses, o que posso afirmar é que, em vez de pedir ajuda (fosse em uma reunião com seu gestor ou em uma sessão de terapia), ele resolveu destilar sua amargura em mim. Não tenho dúvidas, principalmente se você for mulher, de que você sabe do que eu estou falando.
Aquele profissional, tão fissurado por entregar resultado a qualquer custo, se esqueceu do principal foco de um líder para uma operação rentável e sustentável: pessoas. Se você não cuida das pessoas que trabalham com você, e não para você, elas nunca serão capazes de atingir as metas esperadas. Simples assim.
Um tema tão importante, e necessário, que levo como um dos meus mantras pessoais: cuidar de pessoas. Uma fortaleza que reconheço e cultivo ao longo de toda minha carreira. Isso não significa, é claro, que não vou errar ou que pessoas não sairão frustradas ou decepcionadas com relação a mim. No final do dia, liderar é sobre o coletivo e, muitas vezes, o melhor para o time pode não ser o melhor para o indivíduo.
Um dos meus documentários favoritos “Jiro Dreams of Sushi” (O Sushi dos Sonhos de Jiro – 2011) aborda o cuidar de pessoas de uma maneira singela e verdadeira. O filme conta a história de Jiro Ono, considerado por muitos o melhor sushi chef do mundo, dono do primeiro restaurante dessa especialidade a ganhar três estrelas Michelin. Apesar da fama e sofisticação dos seus pratos, o Sukiyabashi Jiro está localizado dentro de uma estação de metrô e tem limitadíssimos 10 lugares.
Ao contrário do que o nome do documentário possa indicar, o segredo para o restaurante ser um dos mais concorridos do Japão não está somente nas mãos habilidosas do seu fundador. Apenas com sua paixão e devoção pelo sushi, Jiro não conseguiria sozinho atingir o grau de excelência que busca, e pelo qual é reconhecido mundialmente.
Da seleção dos melhores atuns no mercado, passando pela escolha do arroz, à melhor disposição dos clientes nos poucos lugares, vemos o desenrolar de uma relação de confiança, respeito e admiração entre Jiro e seus liderados. Para os que têm a oportunidade de dividir a cozinha com o chef, é um privilégio e honra tê-lo como líder e mentor.
Com os diferentes fornecedores do Sukiyabashi Jiro, a relação lembra uma parceria, em que se valoriza o conhecimento e especialidade de cada vendedor, um contraste ao habitual vínculo transacional cliente/fornecedor. Nesse contexto, Jiro atua como o maestro de uma grande orquestra, extraindo virtuosidade de cada um dos que trabalham com ele.
Você pode estar pensando “e como se apaixonar pelo que se faz, quando você se sente um resolvedor de problemas?”. Em muitas profissões, parece quase impossível encontrar esse nível de comprometimento e paixão que sentimos ao ver Jiro exercendo seu trabalho. Por isso, entender o seu porquê, ou seja, “por que você faz o que faz?” pode te ajudar na busca por esse propósito.
No meu caso, sempre foi sobre impactar positivamente a sociedade por meio de ideias culturalmente relevantes. Um norte que aponta para onde quero chegar e um lembrete para os tortuosos momentos que, inevitavelmente, vão ocorrer nessa longa jornada.
A essa receita, adiciono mais um ingrediente: confie no seu instinto. Por mais que muitas vezes tenha vivido a síndrome de impostora, eu sempre senti que estava no caminho certo.
E se hoje em dia encontrasse novamente com aquele colega, não daria nenhuma lição de moral que ficou entalada na garganta. Aproveitaria para vender meu peixe: cuidar de pessoas. Para não restar dúvidas, deixaria uma frase de Ben Horowitz, autor, investidor e empreendedor do Vale do Silício:
“Cuide das pessoas, dos produtos e dos lucros. Nessa ordem.”
Luciana Rodrigues é CEO da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e do comitê estratégico de presidentes da Amcham.