Temos acompanhado o surgimento e crescimento acelerado de inúmeras startups nos últimos anos. Rodadas de investimento e abertura de capital viabilizaram o uso de estratégias de remuneração agressivas, capazes de atrair as melhores mentes para a construção dos negócios.
Nesse processo, houve a criação de um grande volume de novas vagas sem que houvesse mão de obra especializada suficiente para suprir a demanda do mercado em franco crescimento. Assistimos a uma escalada nos patamares salariais em níveis que extrapolaram qualquer padrão anterior, especialmente (mas não só) para times de tecnologia.
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Empregadores passaram então a conceder aumentos salariais com maior frequência para tentar evitar a perda de profissionais para o mercado, mesmo que não houvesse necessariamente uma contrapartida no crescimento dos resultados. Precisaram também investir na “compra” de profissionais com sobrepreço para tornarem suas propostas atrativas o suficiente. Mas nem sempre se consegue ajustar a remuneração do time interno nos mesmos patamares de quem entra alavancado, o que volta a gerar turnover por descontentamento, em um ciclo sem fim.
A referência padrão de mercado passou a não ser suficientemente atrativa para os talentos, então várias empresas resolveram se posicionar entre as 25% melhores pagadoras. Em pouco tempo essa estratégia também perdeu a eficácia e o novo normal passou a ser a busca por um posicionamento entre os 10% maiores pagadores. E assim entramos em um looping que traz rapidamente para a mediana os patamares salariais que até então eram super agressivos.
Aqui tem também o efeito de todos líderes e profissionais de RH estarem recrutando profissionais das mesmas empresas! Quem carimba esses logotipos desejados no LinkedIn ganha o passe de ouro. E assim, mesmo essas grandes marcas empregadoras não estão conseguindo reter e alcançar o tão sonhado engajamento do time.
Estamos no olho desse furacão quando o custo de oportunidade dos investidores muda e pega as empresas com drive de aceleração (e de rentabilização no longo prazo) de calças curtas. As projeções de resultados futuros são fortemente impactadas pela alta dos juros, e muito do que se planejou em termos de aporte de capital não se concretiza. E vale lembrar que alguns desses profissionais (especialmente nos níveis de liderança) foram atraídos por planos de equity que estão hoje muito aquém das projeções iniciais.
É neste momento que passamos a acompanhar as notícias de demissão em massa. Agora estamos com vários dos profissionais, que antes eram disputados a tapa, disponíveis no mercado.
É possível ter acesso à lista de profissionais desligados por cada empresa, com seus respectivos cargos, em sites especializados como o layoffsbrasil.com.
Muitas dessas pessoas tinham sido atraídas não só pelos altos salários, mas também pela promessa de aceleração no plano de equity (que está sob judice) e por uma cultura colaborativa, transparente e flexível (agora muito questionada).
Será que neste momento a solidez de empresas já estabelecidas e geradoras de resultados vai voltar a ser atrativa? Ou o sonho de participar do crescimento acelerado de um negócio ainda em construção vai continuar sendo a aposta?
Seja como for, temos uma chance de revisitar nosso modus operandi a partir de agora.
Você pode estar pensando que, apesar da onda de demissões em massa, ainda estamos disputando talentos com empresas de fora do país, o que é uma verdade. Mas deixo aqui um alerta: além de os efeitos econômicos não serem só uma realidade nossa, já ouvi de alguns clientes internacionais que o Brasil vem perdendo atratividade como fornecedor de profissionais.
Apesar de bons tecnicamente, muitos brasileiros não têm fluência suficiente no inglês para fazerem fluir as interações com times globais, fazendo com que elas se tornem mais morosas e menos produtivas. Fora que está se tornando muito mais caro contratar aqui do que nos demais países da América Latina, onde se encontra o mesmo nível de preparo técnico com maior fluidez em outros idiomas e menor custo.
Será que a bolha estourou…?
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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