Viver a mesma rotina de segunda a sexta-feira enquanto vê a vida passar pela janela do escritório – ou do sofá de casa – já não está nos planos de muitos trabalhadores. O nomadismo digital, como é chamada a tendência de se trabalhar, literalmente, de qualquer lugar ganhou força com a pandemia e já soma mais de 35 milhões de adeptos pelo mundo. Mas a mudança pode exigir algum preparo, já que os vistos especiais para quem tem emprego no país de origem, mas quer morar em outro lugar podem chegar a US$ 178 mil (R$ 912 mil).
Segundo o Relatório Global de Tendências Migratórias divulgado pela Fragomen, empresa global especializada em migração, é estimado que até 2035 existam cerca de 1 bilhão de nômades digitais no mundo.
Essa tendência, alimentada pela pandemia, já é realidade com legislação específica em mais de 25 países e territórios que têm vistos para nômades digitais, segundo um recente relatório do Instituto de Políticas Migratórias, sediado nos Estados Unidos.
O ponto de partida é que o candidato tenha um passaporte e comprovante dos ganhos estáveis via trabalho remoto. Dependendo do país, pode ser exigido o pagamento de uma taxa. Entre os 25 territórios, Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Bermudas, Ilhas Cayman, Costa Rica, Curação e Islândia, as taxas vão até US$ 2 mil (R$ 10,2 mil).
Mas se você quer trabalhar olhando para o mar azul de Bali, na Indonésia, a conta sobe um pouco. No país asiático, apesar da legislação atrair nômades digitais, conseguir o visto para até cinco anos exige um depósito de US$ 142,3 mil (R$ 729 mil) por pessoa – ou US$ 178 mil (R$ 912 mil) por família.
A lógica é proteger os trabalhadores locais. Na Indonésia, os nômades digitais possuem isenção de impostos, desde que seus ganhos venham de fora do país e não entrem no mercado de trabalho local. A ideia é que isso atraia pessoas para o turismo local.
Mas nem todos os vistos têm questões tão peculiares. Na Espanha e em Portugal, destinos cobiçados pelos brasileiros, o processo é mais ameno. Brasileiros podem solicitar um Visto de trabalho por conta própria na Espanha, e tentar uma autorização especial que permite viver e trabalhar no país por até um ano.
Já em Portugal, o país desenvolveu um visto de residente temporário que pode ser solicitado no Centro de Solicitação de Visto, que tem a vantagem de usar o visto de trabalho remoto para viabilizar a residência permanente.
Nômades digitais no Brasil e na América Latina
O Brasil também aderiu à regulamentação específica no começo de 2022 para atrair trabalhadores digitais. Há estados que possuem iniciativas para atrair os nômades digitais. A prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, em parceria com a Riotur, oferece um programa de incentivos para hotéis e hostels com tarifas especiais para o cliente que aderir a pacotes de longa permanência.
De acordo com o Global Hiring Report, relatório semestral da empresa de pagamentos Deel, que analisa o mercado de trabalho ao redor do mundo, a América Latina é destaque em volume de contratações de nômades digitais.
Cristiano Soares, country manager da Deel no Brasil, diz que as contratações internacionais cresceram 161% no último semestre e continuam aumentando, sendo a região com o maior número de empresas contratando no exterior, seguida pela Ásia-Pacífico.
Segundo o levantamento, que analisa dados com base em mais de 100 mil contratos realizados em mais de 150 países por meio da plataforma da Deel, os países com o maior número de empresas contratantes de talentos na região são México, Chile e Argentina, respectivamente.
Além disso, de todos os países da América Latina, Argentina, Brasil e México têm, respectivamente, o maior número de trabalhadores remotos contratados por organizações globais.
“A flexibilidade e a autonomia para trabalhar de onde quiser e da forma que achar melhor é o que vem encantando cada vez mais pessoas. Antes da pandemia, o trabalho remoto era apresentado como um diferencial competitivo para atração de talentos, agora está se tornando o tal do novo normal”, diz Cristiano.
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O lado glamuroso do nomadismo digital
O executivo afirma que uma das maiores vantagens da vida de nômade digital é o poder de escolha, a autonomia. “É o profissional quem decide o que fazer, como fazer e de qual lugar quer fazer. Os resultados que entrega são mais importantes do que o lugar em que se trabalha”, diz.
Um dos exemplos é Isabella Paiva, 27 anos, program manager na empresa Ironhack e nômade digital. “A principal vantagem é a possibilidade de estar em contato frequente com a natureza, sem ter que esperar as férias chegarem. Acredito que a flexibilidade geográfica seja, definitivamente, um dos principais benefícios que caracterizam este formato de trabalho”, diz.
Isabella passou seus últimos meses trabalhando com migração para tecnologia através do bootcamp de UX/UI em diversos países da Europa. “Tive muitos ganhos culturais e, claro, a experiência de construir um networking diverso com pessoas que, em outras situações, talvez não tivesse a chance de encontrar”, afirma a jovem que passou um período trabalhando de uma fazenda no interior da Bélgica.
Os principais desafios para o nômade digital
Para os empregadores, a flexibilidade acaba sendo uma das melhores maneiras de atrair e reter os melhores talentos, mas a tecnologia e as competências de liderança desempenham um papel fundamental para ajudá-los a gerenciar equipes remotas ao redor do mundo.
“Existe uma crença muito forte de que o trabalho remoto é uma alternativa mais simples que o trabalho presencial, o que, obviamente, não procede. Repete-se, erroneamente, a ideia de que basta um notebook, um lugar para sentar-se e pronto. No entanto, o dia a dia do nômade digital é muito mais complexo do que isso”, diz Cristiano, da Deel.
É importante ressaltar que alguns profissionais encontram barreiras como o fuso horário. Ao trabalhar para empresas em outros países, é provável que o time não esteja conectado ao mesmo tempo. Por isso, muitas empresas têm adaptado sua carga horária, exigindo que o colaborador fique conectado com a equipe apenas algumas horas por dia.
A hora da documentação para ser um nômade digital
As documentações também são outra parte importante da lista de desafios. Apesar das legislações específicas, os nômades digitais podem enfrentar dificuldades com processos longos para trabalhar para empresas estrangeiras.
Isso acontece porque cada país tem uma legislação trabalhista diferente. Com isso, muitos funcionários acabam perdendo tempo com burocracias, tanto para trabalhar legalmente como para receber seus salários, já que a movimentação financeira entre diferentes países também não é tão simples.
Em suma, a maioria dos países exige apenas comprovação de renda, certificado que prove vínculo com empresa internacional, registro de antecedentes criminais e seguro saúde. O processo costuma começar com o envio do pedido e da documentação necessária para o visto e o aceite da solicitação pode depender do país de destino. A Espanha, por exemplo, comunica o resultado da solicitação em cerca de três meses.
Isabella compartilha a experiência e diz que o grau de dificuldade depende do país escolhido e tempo de permanência. Ela aconselha que para viagens mais rápidas, vale a pena explorar locais que não exigem visto para turismo, como o Espaço Schengen – que permite a entrada de brasileiros em 26 países da Europa, sem custo ou necessidade de aprovação prévia – ou Canadá, que oferece a opção de autorização de viagem para visitas até seis meses.
Muito facilitado pela semelhança da língua, Portugal e Espanha são as principais portas de entrada para brasileiros na Europa. A Alemanha também tem um papel de destaque e é conhecida por importar profissionais especializados em programação e cibersegurança.
“As variáveis sociais e econômicas – como guerras, inflação e bolha imobiliária – alteram estas condições de forma super dinâmica, então é importante ficar de olho nas notícias e pesquisar bem o mercado antes de escolher o próximo destino”, afirma Isabella.
Em busca dos melhores talentos
Para Cristiano, a questão do nomadismo digital deve ser encarada como uma realidade para as empresas que desejam acessar os melhores talentos, especialmente nas áreas que envolvem tecnologia. “As fronteiras devem ser quebradas. Ou seja, se as empresas querem que seus negócios tenham sucesso devem pensar em atrair talentos globalmente”, diz.
Essa é justamente a aposta da empresa especializada em pagamentos. Afinal, o crescimento da empresa está baseado no fim das fronteiras, uma vez que a Deel ajuda a contratar funcionários de diferentes países que sejam compatíveis com as empresas, com ou sem qualquer infraestrutura de contratação global própria ou subsidiárias.
“Para os profissionais independentes, os benefícios são inúmeros, mas entre os principais, estão o gerenciamento de contratos, folgas, despesas, benefícios, além de receber o pagamento na moeda escolhida, incluindo criptomoedas. É uma tendência sem volta”, diz.
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