Apesar de trabalhar com números a vida toda, sou formada em psicologia. E na faculdade nós fazíamos experimentos com ratinhos no laboratório, condicionando-os a bater numa barra para receber água. No início, o ratinho não sabe o que fazer. Ele, por acaso, toca no dispositivo e percebe que um pouco de água foi liberado. Ele leva um tempo para entender a lógica deste processo, mas logo pega o jeito e passa a bater furiosamente na barra sem nem tirar a boca da torneirinha, num malabarismo digno de aplausos.
Eu nunca pensei que iria associar uma aula de laboratório de psicologia com o mundo da remuneração, mas tenho percebido esse condicionamento cada vez mais presente na nova geração de profissionais que passa a integrar o mundo corporativo.
Esta associação me veio mais fortemente esta semana, quando estava lendo sobre mais um fenômeno entre os jovens (além da Great Resignation e do Quiet Quitting), que vem sendo chamado de “job hopping”. Estamos vivendo uma fase em que as pessoas não permanecem nem 1 ano na empresa e já saem em busca de mais reconhecimento, maiores salários, atribuições “mais adequadas ao seu potencial” ou mais qualidade de vida. E aí descobrem que um novo emprego continua não saciando sua inquietude.
No meio disso tudo, as áreas de RH se desdobram para criar políticas e programas de reconhecimento acelerado que mantenham as pessoas motivadas! Ainda me soa estranho que alguém com menos de 1 ano de empresa já se sinta desvalorizada por não ter recebido um aumento salarial ou uma promoção, só porque fez bem feito seu trabalho. Mas é este o cenário em que vivemos, onde a recompensa precisa ser instantânea para fazer valer o esforço.
Eu bati na barrinha! Então onde está minha água?!
Este contexto também me lembrou das competições de esporte infantis, quando no final todos os participantes recebem medalhas.
Parabéns! Você participou! Aqui está sua medalha!
Deve ser mesmo difícil para quem cresceu neste modus operandi cair agora no mundo corporativo, em que não há necessariamente uma premiação por realizar adequadamente cada tarefa. Difícil entender que as empresas não geram mais e mais resultado para premiar todo mundo o tempo todo, só porque atividades pelas quais as pessoas recebem salário para desempenhar são realizadas com excelência. Difícil sair do ciclo vicioso do qui pro quo criado desde a infância, em que a evitação da frustração e a busca pelo estado constante de felicidade criou adultos imediatistas e impacientes.
Este estado de insatisfação se intensifica quando as pessoas olham para a grama do vizinho e enxergam um ambiente em que aportes financeiros de investidores acontecem, promoções são concedidas e premiações são pagas mesmo que os resultados não venham e mesmo que os planos não se cumpram. Nesse olhar de espreita por trás da cortina não dá para ver quando os cortes acontecem e as promessas não se concretizam… Só se vê o resultado dos que têm sucesso!
Eu não acredito que planos de remuneração variável e premiações por resultado estejam nesta mesma categoria de “condicionamento” de ratinhos de laboratório. Para mim, estas são mecânicas que ajudam as pessoas a entenderem a relação entre suas entregas e a performance efetiva da empresa. Mas se este resultado não vem e as empresas se sentem obrigadas a pagar para não ferirem as expectativas das pessoas, tudo isto perde a razão de ser. Assim como não faz sentido aplicar reforços positivos e pagar prêmios por cada tarefa bem executada.
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Gera um certo desconforto pensar que o ser humano seria sujeito às mesmas reações e condicionamentos de ratos de laboratório… mas talvez tenhamos que começar a recorrer aos pensadores da psicologia comportamental para resolver o dilema dos viciados em reconhecimento.
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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