Gosto de dizer que não existem verdades absolutas em remuneração. Temos acompanhado mudanças aceleradas não só na forma como lidamos com a gestão de pessoas, mas também na forma como definimos a lógica de pagamento e premiação dos profissionais. E por mais que tenhamos preferência por um ou outro formato, é preciso estar aberto ao novo.
Eu nunca fui particularmente partidária da transparência salarial. Nunca achei que alguém se sentiria mais feliz ou estimulado por saber o salário do chefe ou do colega de trabalho. Além disso, empresas com mais tempo de estrada carregam uma história que acaba levando a uma maior dispersão salarial entre os profissionais e que pode ser muito difícil de equalizar, considerando acúmulos de dissídio para quem tem mais tempo de casa, aumentos concedidos para cobrir ofertas de mercado e reter alguém critico, além do reconhecimento concedido a pessoas de destaque, que tenham trajetórias menos lineares e que acabem em algum momento atuando com outros pares que não acumularam essa mesma experiência.
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É também importante considerar que os modelos de avaliação de desempenho (utilizados para balizar grande parte dos aumentos salariais) podem ser muito subjetivos, fazendo com que possíveis diferenças nas “réguas” de avaliação entre os gestores impactem na priorização dos aumentos salariais, ou fazendo com que todos sejam considerados “excelentes” quando na verdade as pessoas performam diferentemente.
Considerando tudo isso que existe no mundo real da gestão empresarial, parece fazer sentido que empresas mais jovens carreguem menos “passivos” e consigam mais facilmente aplicar a transparência que vem sendo tão demandada.
De qualquer forma, a remuneração só é segredo no RH, porque todo mundo já falava sobre isso no cafezinho, e hoje em dia está tudo escancarado na internet, onde qualquer pessoa pode informar seus ganhos e ficar sabendo quanto se paga para cargos similares. É um fato que estamos vivendo na era da informação e que realmente pode estar chegando o fim desta famosa caixa de pandora.
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Não podemos ignorar que haveria, sim, vantagens na divulgação das faixas salariais por nível de cargo. Podemos listar algumas:
- Equidade salarial entre novos admitidos e profissionais mais antigos
- Reforço da equidade salarial entre gênero
- Mais coerência na aplicação de aumentos salariais (evitando o tal leilão em caso de propostas recebidas de outras empresas, além do viés pessoal dos gestores)
- Maior previsibilidade na projeção salarial ao longo da carreira
- Menor ansiedade e sensação de desconfiança quanto à coerência do valor recebido frente a práticas de mercado
Na contramão dessas vantagens, pessoas passariam a ter uma expectativa de progressão salarial e crescimento na carreira que dificilmente seria atendida por longos períodos. Basta considerar que, para empresas em fase de maturidade, o crescimento nos resultados pode não justificar grandes movimentos de carreira todos os anos.
Há também estudos que indicam a tendência de redução da média salarial quando esses valores passam a ser divulgados. Isso porque pode ser inviável equalizar as práticas no nível superior da faixa salarial quando se precisa gerir todo mundo com a mesma remuneração. E aí, quem se destaca paga o preço.
Ah, mas tem empresas aumentando salários duas vezes ao ano ou até mais! Tem empresas “comprando” profissionais juniores de mercado a peso de seniores e ainda garantindo aumentos salariais anuais para grande parte do time!
Verdade. E essa política pode fazer muito sentido para aqueles perfis organizacionais em que a tese de investimento concentra recursos em pessoas ao invés de Capex (Capital Expenditure, que pode ser definido como despesas de capital) – essa parece ser uma troca justa e coerente –, ou também quando se está em fase de crescimento acelerado ou de expansão das operações. O que não é a realidade de toda empresa.
Mas a conta chega uma hora ou outra… em algum momento o acionista vai começar a cobrar a rentabilidade que até então não fazia parte das discussões ou vai querer redirecionar este investimento para outras verbas. E aí pode ser a hora de ter políticas mais perenes.
Vamos sim nos abrir à possibilidade da transparência salarial, mas antes é preciso dar um passo atrás e tentar garantir a coerência nos critérios de aplicação das políticas, a fim de tentar estancar os elementos que levem ao desequilíbrio de pesos e medidas para todos os stakeholders envolvidos nessa equação.
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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