A ideia de um dress code profissional, algo que quase toda empresa tem (ou já teve), não é novidade para quem tem mais de 40 anos e fez carreira dentro de escritórios até o início dos anos 2000. Até então, ternos, gravatas e saltos altos eram quase um selo de qualidade para a competência no trabalho. Com o surgimento das startups e uma nova cultura corporativa, isso começou a mudar. Steve Jobs, Mark Zuckerberg e outros empreendedores mostraram que vestir moletom e camiseta não afetava o faturamento. Pelo menos não no Vale do Silício.
Aí veio a pandemia e o home office, que reforçaram que trabalhar vestido mais confortavelmente traz bem-estar e faz funcionários mais felizes, um bandeira da geracão Z, que liga essa liberdade à ideia de inclusão e saúde mental. Em uma pesquisa da marca Lululemon com mais de 20 mil pessoas na Austrália, Canadá, França, Alemanha e Japão, entre outros países, 81% disse que tem melhor desempenho no trabalho quando estão vestidas confortavelmente. E 76% sentiram que roupas casuais criam melhores conexões entre os colegas.
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Entre os millenials, 38% diz que consideraria deixar o emprego se um código de vestimenta rígido fosse aplicado. Nos EUA, metade dos homens dessa geração disse que considerariam procurar outro emprego em vez de voltar a usar roupas formais.
Entre perder bons funcionários e mudar o estilo, as empresas começaram a transição. “A gente privilegia que as pessoas possam expressar sua opinião por meio de comportamentos e também das vestimentas”, diz Fabio Barbagli, vp de RH da Pepsico.
Nos pós-pandemia, a empresa abandonou o dress code e estabeleceu o “Vem como se sente bem”, sem restrições. As exceções são funcionários fabris ou que fazem entregas e vendas e precisam usar uniforme para idenfiticação e segurança. “Hoje, importa mais que as pessoas estejam em seu melhor momento e transmitam sua personalidade por meio da roupa do que usar determinado estilo”, diz Barbagli.
Mês passado, o banco HSBC e mostrou um novo uniforme para seus funcionários, com tênis e macacão. E a Gol anunciou que suas comissárias de bordo trocarão o salto alto pelos tênis. “Os aeroportos estão ficando mais modernos e aumentando de tamanho e o tênis trará mais leveza e comodidade nas caminhadas”, diz Jean Nogueira, chief people officer da Gol.
Assim, estabelecer um dress code cheio de regras – ou que imponha regras específicas para certos grupos -, como mulheres e negros, por exemplo, tendem a não ser muito bem-recebidos, principalmente por gerações mais jovens. “Os códigos de vestir como nós conhecemos lá atrás foram baseados na ideia de um homem branco bem-sucedido”, diz a consultora de imagem Ana Vaz. “Então tendem a ser machistas, racistas, etaristas, principalmente com as mulheres. Uma vez atendi uma empresa que me pediu para dizer às funcionárias para tingir cabelos grisalhos, mas quando me reuni com os sócios, um deles tinha cabelos brancos.”
Se tem dress code, tem história
O manual de imagem divulgado pelo banco Inter entre os funcionários, que viralizou na semana passada, virou meme justamente por ir contra a ideia de inclusão, entre outras questões. “Fico imaginando qual foi o gatilho porque um manual desses existe quando há algum incômodo”, diz Vaz.
“Unhas e sobrancelhas mal-cuidadas” ou “lingerie aparecendo”, que aparentemente têm mais a ver com mulheres – já sobrecarregadas com exigências em torno de sua aparência, ou detalhes que talvez fizessem mais sentido em uma (difícil) conversa individual, como cuidados com mau hálito e chulé, foram criticados rapidamente.
Alguns pontos fazem sentido quando se fala de profissionais que lidam diretamente com o público. Nesse caso, o ideal é ter orientação específica para os chamados profissionais de alta visibilidade, aqueles que representam a companhia diante de consumidores e clientes. “Ainda assim, a empresa precisa ajudar as pessoas a bancarem esses cuidados com aparência que ela está exigindo”, diz a especialista.
Mulheres negras são mais julgadas
Um estudo da CROWN, organização que une mais de 100 empresas e luta contra a discriminação no local de trabalho, com apoio de Dove e LinkedIn, mostrou que o fardo da aparência pode ser um stress para as profissionais – principalmente para as negras. Segundo os dados, 66% das mulheres pretas mudam seu cabelo para a entrevista de emprego. E 41% delas alisam os fios.
Um livro que virou referência para consultores de imagem nos anos 90, “The Woman’s Dress for Success”, de John Molloy, traz a ideia de cabelos grisalhos trazem poder à imagem masculina, mas criam um problema de imagem para as mulheres. “Esse tipo de discurso, que colava no passado, não faz mais nenhum sentido hoje. E fazer um dresscode baseado nele não vai colar também”, diz Vaz.
Felicidade não veste gravata
Em 2018, uma pesquisa do site norte-americano Business of Fashion com a Thrive Global com 2.700 entrevistados mostrou que, entre aqueles que se diziam infelizes com seus empregos, 55% afirmou que a maneira como se vestiam para trabalhar não os representava. Entre os que se dizem positivos com sua carreira, 66% afirmam que podem se vestir de acordo com sua personalidade no trabalho. Dress code ou a ausência dele, portanto, pode ter a ver com performance e um ambiente de trabalho saudável.
Fazer uma transição para um ambiente de trabalho – e um dress code – mais informal porém, exige que as empresas preparem seus funcionários, clientes e fornecedores. “É bom abrir espaço para conversas com as equipes, entender as expectativas e tirar dúvidas”, diz Vaz. Assim, as pessoas entendem com o que estão lidando e se há alguns pontos de atenção. Reuniões com clientes muito formais, por exemplo, podem ser um desses momentos que exijam um código específico. “E bom lembrar que algumas coisas básicas, como as do banco Inter, não precisam vir por escrito”, diz Vaz.
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