A imensa sala de reunião já estava abarrotada de gente, burburinho e cheiro de café recém-passado. A mesa já não era suficiente e todos iam se ajeitando nas cadeiras laterais. Depois de quatro meses de muito trabalho e dedicação preparando o documento, uma espécie de “Tratado de Versalhes” que seria apresentado à outra equipe, a expectativa era alta e estávamos orgulhosos e otimistas.
Naquele pedaço de papel, construído a muitas mãos, estavam as informações necessárias para que pudéssemos estabelecer um processo baseado em eficiência, criatividade e resultado. A sala, que em muitos momentos era apelidada de “War Room”, naquele dia deveria ser o cenário de uma reunião pacificadora.
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Após as formalidades tradicionais, demos início à reunião. Logo, o “General” assumiu a palavra e, quebrando um acordo firmado pelos exércitos – digo, equipes – meses antes, vociferou com desdém: “Não, não usaremos esse documento.” Mais de 40 pessoas prenderam a respiração e arregalaram os olhos. Eu, como líder, tinha que fazer alguma coisa. Estava naquele momento de mudança de fase no videogame, em que aparece um dragão soltando fogo pelas ventas, e a única arma que tenho é uma caixa de estalinhos.
Num ímpeto, levantei-me e rasguei dramaticamente o papel. Olhei ao meu redor. Sentei- me de volta na cadeira, que agora parecia mais dura, e com um gole de água gelada, empurrei goela abaixo toda minha frustração. Como resultado da minha ação, acrescentei uma dose de adrenalina corporativa ao café de todos, que ficaram perplexos diante daquele enfrentamento. Afinal, o perfil de líder daquele homem, agressivo, desrespeitoso e antiético, já é bem conhecido. Mas a líder mulher, que ousa reagir diante de atitudes abusivas, ainda é motivo de espanto. E, muitas vezes, de admiração.
Apesar da momentânea sensação de êxtase da minha equipe, saímos todos daquela reunião com mais conflitos e diferenças. Nada foi resolvido e nenhum entendimento foi alcançado.
A escritora Amy Gallo, especialista em dinâmicas de trabalho, afirma que as relações profissionais têm impacto direto não só na performance, mas também na vida pessoal.
“Nossa qualidade de vida depende da qualidade dos nossos relacionamentos – e isso
passa, invariavelmente, pelos nossos colegas de trabalho” Gallo.
Amy fez uma palestra espetacular no SXSW sobre “Como lidar com gente difícil no trabalho (Eca!)”. Essa foi uma das mais concorridas do festival, trazendo um tema nada tecnológico, mas tão simples e essencial quanto complexo: como trabalhar ao lado de pessoas com trato tão complicado?
Por mais que o mundo dê cambalhotas e a tecnologia evolua a galope – o que realmente está acontecendo -, tudo converge, invariavelmente, para a qualidade das relações humanas. A pergunta que segue me intrigando é: por que seguimos em passos lentos, no autoconhecimento e compreensão do outro?
Acredito que jamais existiu um único ser humano na história que não tenha enfrentado um conflito de relacionamento e tenha falhado miseravelmente ao tentar solucioná-lo. No ambiente corporativo, o problema se torna ainda mais intrincado pois, na maior parte das situações, não é possível simplesmente ignorar ou se afastar do desgosto. É preciso conviver com ele, produzir e colaborar.
A balela de que, no trabalho, podemos nos dar ao luxo de agir como robôs insensíveis sob a justificativa de que “nada é pessoal”, já não funciona. TUDO é pessoal porque somos todos pessoas reais, não artificiais. Quando nos conectamos de forma saudável, somos mais felizes. E também mais eficientes.
Tive a oportunidade de entrevistar Amy Gallo durante o SXSW. E ela contou me sobre um estudo feito por um grupo de investigadores da Universidade Rutgers, mostrando que pessoas que disseram ter um melhor amigo no trabalho tinham, de fato, taxas de desempenho mais elevadas.
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Outro estudo mostrou que 80% das pessoas lidam com, pelo menos, um colega de trabalho difícil ou muito difícil. E o que acontece no seu corpo quando você precisa fazer uma reunião com esse colega? Qual é a sensação? E se pudesse escolher uma palavra para descrever como se sente? O impacto dessa relação negativa, de trabalhar com pessoas arrogantes, impacientes e sem espírito de equipe tem consequências graves.
Podemos ter as mentes mais inteligentes na sala e a melhor estratégia. Porém, nada disso é determinante para os resultados, pois tudo depende da qualidade das interações.
Por que agimos como robôs de inteligência artificial
Quando nos deparamos com uma pessoa com a qual temos dificuldade de lidar, reagimos imediatamente, buscando proteção e retorno ao estado de conforto. Não somos robôs, mas fomos programados pela natureza a buscar segurança em nome da sobrevivência. O que não conhecemos é um perigo em potencial. Precisamos entender e classificar o outro, com urgência, para avaliar a possível ameaça e reagir de
acordo.
Diante da ameaça detectada pelo cérebro, tecemos uma teia de histórias enviesadas e ficamos presos nela. Agimos como uma Inteligência Artificial, buscando, mecanicamente, elementos e referências que façam algum sentido para construir uma narrativa, que responda ao nosso anseio. E então, ficamos presos, de forma que parece impossível resolver o conflito, ou buscar entendimento com aquela pessoa.
No meu caso, já estava com problemas de relacionamento com aquele colega há meses e aquele foi o estopim. Na minha cabeça, rasgar aquele documento seria um ato de libertação. Não foi o que aconteceu. O som daquele papel sendo rasgado ecoa na minha cabeça até hoje.
Pedi ao ChatGPT que me contasse uma situação de conflito no trabalho, e ele me respondeu assim: “Desculpe, mas como uma inteligência artificial, eu não tenho experiências pessoais, já que eu não sou uma pessoa física e não tenho uma vida pessoal. Eu sou um programa de computador criado para ajudar a responder perguntas e fornecer informações.”
É importante observar o que sentimos e fazemos quando lidamos com uma pessoa difícil, que não se comporta da forma que consideramos adequada ou que nos leva a um beco que parece sem saída. Lidamos com isso de maneira clara e consciente ou somos tomados por julgamentos repletos de viés e preconceito?
Quando nos sentimos pressionados nessas situações, nos tornamos reativos, perdendo o controle de nossa capacidade de responder ou avaliar a situação objetivamente.
Chefes inseguros e atormentadores. Você deve conhecer um
No livro “Getting Along”, Amy oferece uma nova maneira de avaliar os relacionamentos, expressando a maioria deles como oito arquétipos, entre eles, o chefe inseguro e o atormentador.
Embora possamos ter uma visão de fora de cada um desses arquétipos, a verdade é que cada um de nós tem e manifesta esses tipos em sua convivência, tanto no trabalho quanto nos relacionamentos que mantém fora, no dia a dia.
“Se você leva a sério a resolução de conflitos com um colega de trabalho, é essencial que reconheça sua própria parte na dinâmica. As ferramentas que ele oferece para lidar com um pessimista, um colega tendencioso ou um chefe inseguro não funcionarão, a menos que você reconheça que, embora cada batalha com uma pessoa difícil seja diferente, há um elemento consistente entre eles: VOCÊ.”
Ela segue: “Quanto mais claro você puder ser sobre seu papel na confusão (mesmo que seja menor), mais clara será a resolução.” A divisão entre vida profissional e pessoal está cada vez mais tênue. Somos pessoas se relacionando e buscando pertencimento e felicidade, seja no trabalho, “na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapê”; (Kid Abelha).
Quando olhamos para o outro para tentar compreendê-lo, olhamos para nós mesmos, entendemos melhor quem somos, e colocamos em xeque nossas certezas. Algumas pessoas realmente tiram o pior de nós. Mas hoje, pensando no conflito de tantos anos atrás, percebo que rasguei também o papel conciliador que eu poderia ter exercido.
Assumir nossa parte consciente e transformadora em qualquer contexto é evitar papéis rasgados por rompantes dramáticos, que vão reforçar as diferenças e aumentar a ruptura, comprometendo o entendimento e a harmonia.
Como a IA, aprendemos a agir automaticamente, coletando referências de comportamento e emoções. O algoritmo vai reproduzir conteúdo semelhante ao que ele reconhece como padrão. Assim, também, uma criança vai se comportar de acordo com o que ela conhece e nós, adultos, que nos consideramos senhores de nossas ações, na verdade podemos nos comportar de maneira robótica, apenas absorvendo e reagindo sem acessar nossa razão ou compreender e controlar nossas emoções.
À medida em que vamos aprendendo a acessar os nossos sentimentos, iniciamos uma jornada (sem volta) de como mudar os hábitos de uma vida. A sua mente é o lugar onde você vai passar mais tempo. Seja generoso ao cuidar dela.
Luciana Rodrigues é CEO da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.
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