Ao longo dos últimos anos, RHs e lideranças passaram a falar com muito mais intensidade sobre EVP (Employee Value Proposition), sobre propósito, engajamento e cultura. Aparentemente a nova geração que estava chegando no mercado de trabalho daria muito mais valor a estes elementos do que ao vil metal. Mas será…?
Um estudo sobre startups na América Latina, publicado recentemente pela McKinsey, traz insights importantes sobre o ambiente de transformações que estas empresas viveram, remetendo à lógica de gestão da remuneração nestes períodos:
- Os anos de 2010 a 2017 foram propensos para os tomadores de risco, com salários e benefícios mais baixos e chances de alcançar um bom upside com Stock Options.
- Entre 2018 e 2021 assistimos a explosão do equity com a aceleração das unicórnios, somada a uma escalada da remuneração fixa e variável pela escassez de profissionais e pelo grande volume de recursos disponíveis para investimento.
- Desde 2022 até agora vivemos o choque de realidade, com a desaceleração no crescimento do equity, layoffs e profissionais se adaptando a mudanças no modelo de trabalho que costumava ser mais flexível.
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Neste momento, assistimos ao dilema das startups que tentam balancear crescimento e rentabilidade. E não raro, nem a liderança e nem as equipes estão preparadas para este tipo de desafio, dado que passaram os últimos anos focados unicamente em crescimento, sem restrições financeiras para investimentos, contratações e crescimento salarial, mesmo sem rentabilidade.
O que querem os profissionais neste novo momento do mercado?
Mesmo com este período mais atribulado, mais de 80% dos graduados em tecnologia, engenharia e matemática querem trabalhar para startups ou abrir uma. Mas aí o estudo nos traz uma estatística apontando que mesmo estas empresas enfrentam dilemas na gestão e retenção da nova geração de profissionais.
Segundo os dados da McKinsey, 1/4 dos funcionários de startups querem trocar de emprego entre 3 e 6 meses. Mas como assim?! Não eram estas as empresas desejadas pelos jovens profissionais? Esta constatação vem para reforçar uma das minhas frases de ouro: “as pessoas desejam o que não têm”… e quanto têm, já querem outra coisa. O ser humano é mesmo eternamente inquieto e insatisfeito.
E agora vamos finalmente chegar ao ponto da desilusão sobre a qual falamos na chamada deste artigo. Enquanto os fundadores acreditam que a cultura e o propósito são as principais razões pelas quais as pessoas procuram trabalhar em suas empresas, os funcionários e estudantes pesquisados querem mesmo é salário, benefícios e modelo de trabalho flexível. E dentre as razões para estarem buscando novos empregos, temos: maior salário (56%), mais benefícios (40%), mais oportunidades de carreira (37%), mais flexibilidade na rotina de trabalho remoto (26%) e menos horas de trabalho (25%). Nada de “conexão ao propósito”…
Não é de hoje que nossos textos trazem o desafio de conciliar as ambições de crescimento dos jovens com as limitações orçamentárias das empresas. E no caso de startups (neste novo contexto que demanda mais consciência nas ações de carreira e remuneração), há ainda o desafio adicional das estruturas serem mais enxutas quando comparadas a outras empresas maiores e mais estruturadas, onde os profissionais podem vislumbrar mais perspectivas de aceleração do crescimento.
Infelizmente não vamos fechar esse texto com as balas de prata para solucionar este dilema. Mas precisamos lembrar alguns pontos importantes que podem ajudar os líderes no dia a dia:
- Mesmo que não seja o suficiente para engajar e reter o time, clima organizacional e uma cultura saudável são condições básicas para que as pessoas possam performar mais e melhor enquanto estiverem trabalhando na empresa. E que os líderes possam tirar o máximo de proveito do que elas têm para contribuir nesse período!
- Criar uma estrutura de cargos com níveis de complexidade claros e sistemas de avaliação de desempenho que sustentem a gestão do orçamento salarial é essencial para que as pessoas apercebam coerência nas decisões de meritocracia e de gestão de carreira na empresa. Mesmo que a velocidade desejada pelos jovens seja muito maior do que a capacidade de execução da organização.
- Nem só em aumento salarial e promoção se baseiam as ações de reconhecimento! É possível implementar programas pontuais de premiação (monetários ou não) para times e/ou pessoas de destaque. Benefícios também são um forte aliado para atender às expectativas e desejos do time.
O que fica como mensagem final é que as pessoas ainda são prioritariamente movidas por dinheiro (normal… sempre foi assim). Mas agora é importante dar condições para que elas façam entregas mais rápidas, porque o ciclo de vida do empregado na empresa está mais curto.
Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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