Todo mundo pode duvidar de você. Menos você.
Era o meu penúltimo dia de férias. Minhas filhas estavam no quarto ao lado e combinamos de acordar mais tarde. O despertador tocou. Com os olhos entreabertos, vi pela frestinha da cortina de linho que o dia prometia. Depois de quase uma semana de chuva, o sol estava pronto para brilhar. Já o meu corpo preguiçoso levou meu dedo indicador direto ao botão soneca do meu iPhone, quando apareceu uma mensagem de SMS na tela. Achei estranho, pois só recebia SMS da Vivo e do Felipe Zorzi. Não reconheci nenhum dos números e, com descaso, abri a mensagem, que dizia:
“Hi, Luciana. I’m a headhunter and I want to talk to you about a global C-Level position at Apple. Are you available?” – Martha W.
(Olá, Luciana. Sou uma headhunter e gostaria de falar com você sobre uma posição de liderança global na Apple. Você estaria disponível?)
Por uma fração de segundo pensei: é certo que ainda estou sonhando. Quando abrir bem os olhos, a mensagem terá evaporado.
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Eu já ocupava uma posição C-Level há muitos anos, e ainda me sentia desafiada no papel de líder. É uma responsabilidade e uma grande honra cuidar de pessoas. Apesar da forte pressão que uma posição C-Level suporta, como por exemplo o P&L (Lucros e Perdas) de uma empresa, os números nunca me assustaram, porque são exatos e não mentem.
O que me tirava o sono eram as questões relacionadas às pessoas. A Covid e o controverso “novo normal” impactaram muito a saúde mental de todos, mas principalmente a dos jovens. Os desafios trazidos pelo RH, que antes estavam associados a benefícios, cultura, relacionamento com colegas de trabalho ou fofoca, passaram a ser relacionados ao burnout.
Quando finalmente entendi que a mensagem não era “spam” e nem tão pouco um “prank”, relacionei imediatamente aquele momento com a frase do Steve Jobs que, por tantas vezes, recitei:
“Você não pode conectar os pontos olhando para a frente. Você só pode conectá-los olhando para trás. Então você deve confiar que os pontos irão, de alguma maneira, se conectar em seu futuro.”
Era uma vez um convite para participar do processo de recrutamento para uma posição de liderança na maior empresa do mundo, avaliada em US$ 3 trilhões, que liberou uma panapaná de borboletas no meu estômago.
Intuição é quando você não sabe como sabe, mas sabe que sabe. E isso é tudo o que você precisa saber.
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Eu e a Apple
A minha história de amor platônico com a Apple começou no lançamento da campanha “Think Different”, e cada vez que eu assistia a um vídeo do Steve Jobs ou lia que o objetivo dele era construir uma empresa duradoura que priorizasse as pessoas, e que todo o resto – produtos e lucros – embora importante, seria secundário, reforçavam a minha admiração pelo impacto que ele estava fomentando no mundo. A tecnologia era sua ferramenta e a paixão sua matéria prima.
Não existia a menor possibilidade de eu terminar uma apresentação, e-mail, ou mesmo um cartão de aniversário, sem uma de suas notórias frases:
“Stay hungry. Stay foolish”
(Mantenha-se faminto por coisas novas, mantenha-se certo de sua ignorância. Continue ávido por aprender, continue ingênuo e humilde para procurar. Tenha fome de vida, sede de descobrir.)
Essas quatro palavras, e todo significado imbuído nelas, foram o meu combustível para me tornar a profissional que desejava ser, e principalmente para inspirar as pessoas que trabalhavam comigo.
Depois do primeiro vídeo call com a minha recrutadora, entendemos que eu tinha 100% de adequação ao cargo e que começaria o processo de entrevistas.
Foram doze entrevistas, em três línguas diferentes (inglês, espanhol e português), 45 minutos por entrevista, e cinco meses e oito dias de um processo intenso, organizado e humano.
Para cada entrevista, dependendo do perfil do executivo (vendas, marketing, PR, comunicação, tecnologia, jurídico, RH) eu me preparava como se fosse “a entrevista” com Steve Jobs. Afinal de contas, esses líderes da Apple viviam a cultura que eu tanto admirava. Escrevi em letra cursiva mais de noventa folhas de papel sulfite com as minhas conquistas, desafios, e principalmente, o que aprendi com os fracassos. Da forma mais visceral, pude recapitular toda a minha história e legitimar o meu valor como profissional e como mulher.
Mesmo com todo o desassossego que preenchia o meu coração – medo e ansiedade eram predominantes – havia um paradoxo latente de serenidade e segurança, como se estivesse compartilhando com eles o propósito da minha alma, e nada poderia falhar.
A cada nova etapa conquistada, eu ficava mais apaixonada e faminta. Seria devaneio da minha parte visualizar uma chegada triunfal na spaceship? É assim que o headquarters da Apple Park em Cupertino, na Califórnia, é chamado.
Steve Jobs numa de suas entrevistas mencionou que ter sido demitido da Apple foi a melhor coisa que poderia ter acontecido com ele. Isso o libertou para entrar em um dos períodos mais criativos da sua vida.
Na última etapa do processo, quando já estava procurando casa para morar nos EUA e escola para as minhas filhas, recebi um telefone da headhunter dizendo que não sabia como me contar, mas que a posição havia sido cancelada. Não somente a minha, mas todas as posições que tinham sido abertas. Inspirei profundamente. A Apple optou por congelar novas contratações e por não demitir seus colaboradores, como a maioria das empresas de tech estavam fazendo.
Desliguei o telefone. A expiração veio junto com um soluçar. Havia recebido o diagnóstico do meu câncer de mama uma semana antes e ainda estava emocionalmente abalada.
Intuição é quando você não sabe como sabe, mas sabe que sabe. E isso é tudo o que você precisa saber.
A essa altura, você deve estar pensando: que final triste, o conto de fadas virou uma história de fracasso.
No passado, os contos de fadas serviam para passar valores e noções éticas entre membros de uma comunidade. E é assim que eu entendo essa história. Quando você para de querer controlar tudo na sua vida e passa a confiar e entregar para o universo (que eu chamo de Deus) o que é melhor para você, tudo começa a fazer mais sentido.
Steve Jobs estava certo, os pontos sempre se conectam. Eu jamais poderia ter assumido uma posição global C-Level em outro país ao mesmo tempo em que estava planejando uma cirurgia para retirada de um câncer que roubou a minha energia e levou alguns meses para minha recuperação.
“Você precisa confiar em algo — no seu instinto, destino, vida, karma, qualquer coisa. Essa ideia nunca me deixou na mão, e fez toda a diferença na minha vida.”
– Steve Jobs
Na minha também, meu querido Jobs. Sigo agradecendo os desvios por onde a vida tem me levado. Acredite, o que for para ser seu vai dar um jeito de te encontrar.
O acaso não existe. Tudo que acontece tem um propósito.
Luciana Rodrigues é executiva C-level do setor de comunicação, mentora e conselheira.
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