“Eu tenho medo de que as pessoas vão perder seus empregos”, declarou Isadora, 12 anos.
As nossas manhãs, a caminho da escola, são sempre preenchidas com poucas palavras e muita música. Para que qualquer assunto tenha a chance de florescer, precisa ser de muita significância. De outra forma, são eles que assumem o controle e o “mood” do carro: Jorge Ben Jor, Arctic Monkeys, Amy Winehouse, Frank Ocean, Kanye West, The Beatles e Daniel Caesar. Nem mesmo uma respiração fora do tom é ouvida naquele espaço.
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Acontece que, na semana passada, fui convidada para ser uma das palestrantes no Web Summit Lisboa, um dos maiores e mais importantes eventos de tecnologia, empreendedorismo e inovação do mundo. Mais de 71 mil participantes de 153 países. Presença dos CEOs e presidentes de empresas como Microsoft, Visa, Alibaba, IBM, autoridades, acadêmicos, e claro, futuristas como a brasileira Monica Magalhães. A nossa cidade estava dominada pelo assunto, e aproveitei o “hype” para puxar conversa com as minhas filhas adolescentes.
“Meninas, estou um pouco nervosa. No meu primeiro painel, falarei com dois experts sobre Inteligência Artificial Generativa. Qual é a opinião de vocês sobre esse tema?”
A opinião da Isadora, minha canceriana empática e sentimental, ora, vocês já sabem. E, apesar de ela afirmar que valoriza, gosta e usa o ChatGPT, o Midjourney e outras ferramentas, fez questão de botar luz no fato de que ilustradores estão sendo desvalorizados e perdendo seus empregos, pois o Midjourney entrega, em 2 minutos, o trabalho que eles levariam 1 semana para produzir (honestamente, não chequei a veracidade da informação, mas a verdade é que eu estava mais interessada na percepção delas sobre a questão).
A Manu que, nos últimos meses, descobriu e apaixonou-se por geopolítica e economia, posicionou-se com confiança:
“Não tem volta, Isa. Estamos vivendo a Quarta Revolução Industrial. As pessoas precisam se acostumar com isso. Devemos estudar e estarmos preparados. A tecnologia está aqui para nos ajudar”.
Não vou mentir, pensei seriamente em levar a Manu para o palco comigo, seria bem disruptivo, não fosse a prova de matemática que ela teria na segunda aula.
E olha, a Manu tem toda razão. Não adianta resistir. O medo congela. É preciso habilidade criativa e dedicação para liberar o verdadeiro potencial da IA Generativa. Não é uma questão de humanos contra máquinas, nem de simplesmente apertar um botão.
Conhecimento é poder.
“Ferramentas de IA não eliminam empregos criativos, mas mudam os fluxos de trabalho, permitindo foco em tarefas mais inovadoras.” – Anastasis Germanidis, cofundador do Runway
Particularmente, achei simples e inteligente a analogia que o David Jones, fundador e CEO do The BrandTech Group, meu parceiro de palco, fez ao comparar a IA Generativa com a aviação.
“As primeiras tentativas de voo humano foram bem ruins. Demorou para a aviação decolar. Olhando para isso, teria sido impossível entender que, hoje, 4.5 bilhões de passageiros voariam todos os anos, que surgiriam novos empregos, de piloto àquelas pessoas simpáticas nos aeroportos, que nos fazem tirar os líquidos das malas. A indústria da aviação emprega 11.3 milhões de pessoas no mundo. Quem diria que a aviação não roubaria os empregos dos motoristas de ônibus, caminhões, e muito menos dos maquinistas de trem. Que os aeroportos se tornariam grandes centros de varejo repletos de marcas de luxo. E que a aviação mudaria o mundo.”
Uma das mais importantes mensagens do Web Summit foi de que a Era da Inteligência Artificial dá origem a um novo modelo de negócios: Inteligência como Serviço.
Escutei atentamente sobre a evolução no mercado financeiro. Como os neobanks (bancos que operam no meio digital), estão ensinando os bancos tradicionais a colocarem seus clientes em primeiro lugar, finalmente. Achei excepcional como o novo e poderoso agente de IA chamado HALI da empresa BUTTONS, redefine a conexão entre tecnologia avançada de IA e a interação humana. Num futuro próximo, você poderá ter uma Pepper Potts só sua (Iron Man, Marvel Studios).
Aplaudido por milhares de pessoas, o presidente da Alibaba, Kuo Zhang, lançou a nova plataforma Accio, que tem um mecanismo de busca com Inteligência Artificial, que ajuda pequenos e médios comerciantes a localizar e se conectar com fornecedores globais, permitindo buscas em linguagem local e multimodais.
Foram muitas as discussões sobre “open source” (software disponibilizado gratuitamente para qualquer pessoa acessar, modificar e redistribuir) e o impacto disso na evolução dos robôs. Mas, como ficam as questões legais e de ética? São muitas novas regras e leis que precisam ser discutidas, criadas e aprovadas. E, nesse caso, precisaremos da ajuda do cérebro, e muito senso de ética humano.
Invista 15 minutos do seu tempo nessa busca: “Como a Inteligência Artificial (IA) tem impactado positivamente a humanidade?”
A resposta é longa e detalhada por áreas: Medicina, Educação, Agricultura, Segurança, Acessibilidade, Mobilidade, Entretenimento, Sustentabilidade e por aí vai.
Não tenho a menor intenção de convencer ninguém (caso ainda não esteja convencido) do impacto da IA na sua vida, hoje e nos próximos anos. Apenas quero compartilhar o que foi viver, por quatro dias, com os maiores vetores da tecnologia, e que só me fizeram dar mais valor para a forma como a minha filha Manu, de apenas 15 anos, vê o mundo.
Eduque os seus olhos para que eles possam enxergar aquilo que realmente importa.
A Inteligência Artificial jamais poderá criar aquilo que está enraizado na experiência emocional e intencional que define o que é ser humano. O sentido de propósito, as conexões e a busca por significado na vida são qualidades humanas, alimentadas pelos nossos desejos, sonhos, uma compreensão do tempo e da mortalidade.
Como não acredito em coincidências, tive o privilégio de presenciar a vitória da Intuitivo no Web Summit Pitch Competition. Uma startup de Educação criada pelo João Guimarães, um jovem empreendedor, nascido numa família de numerosos professores. Ele descobriu que existem 85 milhões de professores no mundo que dedicam 46% de seu tempo ao ensino, mas passam 1,5 mês por ano criando e corrigindo avaliações. A Intuitivo economiza 40% do tempo gasto na correção. É a Inteligência Artificial ajudando as pessoas a terem mais tempo para se dedicarem a sua família e a sua vida pessoal. Bingo!
A propósito, o próprio Bill Gates, fundador da Microsoft, se diz entusiasmado com o potencial da Inteligência Artificial, mas ciente de seus riscos, e, portanto, defende uma abordagem equilibrada entre essa fascinante ferramenta de tecnologia e o que nos diferencia como criaturas: a capacidade de imaginar.
E é exatamente esse o ponto crítico. Ao delegarmos para um computador a geração de novas ideias, corremos o risco de uma atrofia coletiva? Estamos, nós, desencorajando as novas e futuras gerações a imaginarem?
Temos muito mais perguntas do que respostas. Mas não consigo imaginar uma época mais interessante para se viver do que esta.
“Vocês que têm um coração podem sempre se guiar por ele e nunca fazerem mal aos outros” – Homem de Lata (“O Mágico de Oz” – MGM, 1939)
Luciana Rodrigues é conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.