
Alcançar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal pode parecer um desafio distante para muitos brasileiros. O país ocupa a 25ª posição entre os 38 países analisados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em relação ao tema, enquanto a Dinamarca está entre os líderes do ranking, atrás apenas da Itália.
Os dinamarqueses parecem ter encontrado uma fórmula perfeita: trabalham menos horas que a média global, socializam mais e mantêm um dos mais altos índices de produtividade do mundo. O país ocupa a terceira posição no ranking dos 10 países mais produtivos do planeta, medido pelo PIB por hora trabalhada, segundo dados da World Population Review.
Na Dinamarca, apenas 1,1% dos profissionais cumprem jornadas de 50 horas ou mais por semana, bem abaixo da média global (10,2%) e da brasileira (6%). Por lá, existe vida além do trabalho: os dinamarqueses dedicam quase 16 horas diárias a cuidados pessoais (como alimentação e sono) e lazer — acima da média da OCDE, de 15 horas, e do Brasil, de 14,6 horas.
Qual o segredo dos dinamarqueses?
Trabalho não é tudo
Na cultura dinamarquesa, a identidade profissional não define as pessoas. “Aqui, ninguém te pergunta o que você faz da vida em uma conversa”, conta Pedro Cardoso, brasileiro de 27 anos que chegou há dois anos no país para trabalhar em uma multinacional do setor financeiro. “Vim de uma cultura extremamente workaholic, mas quando cheguei, me disseram: ‘Calma, não precisa de todo esse fogo’.”
Uma visão parecida é compartilhada por Lise-Lotte Wolthers, de 39 anos, filha de dinamarqueses que cresceu no Brasil, mas vive há 18 anos no país. “Adoro minha carreira, mas ela não define quem eu sou. Também sou mãe, irmã, esposa, gosto de praticar esportes e ter uma vida social ativa”, diz a executiva de marketing.
O foco em bem-estar, hobbies e tempo com a família reflete diretamente na cultura de trabalho. “Se você passa muitas horas no escritório, as pessoas vão te perguntar: ‘Você não tem vida?’”, diz Wolthers. Escritórios vazios após as 17h são comuns, e short fridays tornaram-se praticamente regra. “Não é normal ver alguém no escritório depois das 15h de sexta-feira”, destaca Cardoso.
Levar trabalho para casa também não é bem visto na Dinamarca. “Se uma pessoa já foi embora, ninguém entra em contato com ela até o dia seguinte. E-mails podem esperar. Raramente algo é tão urgente a ponto de exigir horas extras”, explica Wolthers.
Produtividade baseada em eficiência
O segredo para trabalhar menos e manter altos níveis de produtividade está na eficiência e na cultura de responsabilidade. “Aqui, o que importa são os resultados”, diz Cardoso. “Se seu chefe percebe que você está trabalhando mais do que o horário, ele pode questionar sua competência em administrar o tempo.”
Segundo Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, a produtividade também está diretamente ligada ao alto nível de escolaridade da população. Cerca de 82% dos dinamarqueses entre 25 e 64 anos concluíram o ensino médio, um índice superior à média da OCDE (79%) e significativamente acima do Brasil (57%). “Profissionais mais qualificados desejam adquirir mais cultura em atividades fora do ambiente de trabalho e são mais abertos a compartilhar as responsabilidades dentro da família.”
“Com muita produtividade, é mais provável e viável reduzir as jornadas de trabalho.”
Hélio Zylberstajn, professor de economia da Faculdade de Economia e Administração da USP
Qualidade de vida em primeiro lugar
Para conciliar o trabalho com uma rotina recheada, os dinamarqueses contam com uma carta na manga. O país é um dos mais planos da Europa, o que também fez com que sua capital, Copenhague, fosse reconhecida como uma das cidades mais famosas pelo uso de bicicletas. “Tem mais via de bike do que de carro nas cidades. Dá para fazer tudo em 15 minutos, mesmo se você não estiver no centro”, afirma Cardoso, que vai e volta do trabalho de bicicleta. “Essas pequenas coisas ajudam muito na qualidade de vida e no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.”
@ped.cardoso Depois de um bom temo sumido, cá estou! Muito projetos acontecendo que me ocuparam pra gravar oa vídeos. O que vocês querem saber da vida no exterior, carreira, Business Intelligence… Deixa ai nos comentários! #rotina #worklifebalance #businessintelligence #carreira #dailyvlog #expatriado ♬ Tadow (ACÚSTICO) – Nahz
Com menos tempo no escritório, os dinamarqueses aproveitam melhor a vida. “No verão, todos vão para os canais ou praticam esportes”, diz o brasileiro. “Muita gente usa o tempo livre para lazer ou hobbies, além de passar mais tempo com a família.”
O foco na vida pessoal se reflete também no papel dos pais. “Aqui, tanto homens quanto mulheres priorizam o tempo com os filhos”, afirma Wolthers. “Sair mais cedo do trabalho para buscar as crianças, cozinhar e cuidar da casa é algo comum. Até porque, contratar alguém para essas funções é caro.”
Altos salários e impostos
Na Dinamarca, os salários são elevados. “O mínimo por hora costuma girar em torno de 150 coroas dinamarquesas. Em uma jornada cheia, isso equivale a mais de R$ 20 mil por mês”, explica Cardoso.
Isso faz com que diversas profissões ofereçam uma boa qualidade de vida. “Você não precisa ser médico para viver bem”, diz Wolthers. “Conheci um jovem que estava se formando como açougueiro. Aqui, isso é uma carreira valorizada e bem remunerada.”
Por outro lado, os custos para viver no país acompanham. O custo de vida na Dinamarca é, em média, 150,4% maior do que no Brasil, enquanto o aluguel custa 246,6% mais. Além disso, os impostos giram em torno de 40%. “As pessoas que ganham mais, acabam pagando mais impostos”, explica Wolthers. “Para viver nesse ‘conto de fadas’, é preciso contribuir. Mas, no fim, vale a pena”, conclui Cardoso.