
Muitos executivos que chegam ao topo das empresas afirmam que não buscaram ativamente a posição — mas esse não é o caso de Douglas Montalvao. Desde o início, ele sabia que queria liderar uma grande companhia e traçou um plano claro para chegar lá. Na Adobe desde 2016, o brasileiro acaba de assumir o cargo de general manager para a América Latina. “Me preparei muito para conquistar essa posição”, diz o executivo, de 45 anos, que agora lidera a operação com foco na expansão do Brasil e de outros mercados estratégicos. “O objetivo é crescer pelo menos três vezes mais rápido que a média global.”
Estatístico formado pela Unicamp, com MBA pela Kellogg School of Management, Montalvao iniciou a carreira em uma área técnica. No entanto, à medida que avançava, percebeu que precisaria desenvolver novas competências para seguir crescendo. “As habilidades que tinham me levado até aquele ponto não seriam as mesmas que me levariam ao próximo nível.”
Com 25 anos de trajetória profissional, o executivo morou em diferentes países, aprendeu novos idiomas e mergulhou em diversas culturas. “Quando decidi dar o primeiro passo para uma carreira internacional, não falava espanhol, nunca tinha viajado para outro país e não tinha experiência para aquela posição”, lembra. Seu caminho começou ainda na faculdade, na empresa de software SAS Institute. Mais tarde, na mesma companhia, atuou na expansão para a América Latina, tornando-se o primeiro funcionário no Chile e responsável por estruturar a operação no país.
Levantar a mão para oportunidades e sair da zona de conforto para continuar se desafiando foram atitudes decisivas para chegar até aqui. “Se você não assume riscos na carreira, o retorno será mínimo.”
A seguir, Douglas Montalvao compartilha como construiu sua trajetória mirando na alta liderança e o que considera fundamental para se destacar como profissional de tecnologia e líder em um cenário de avanços acelerados da inteligência artificial e transformações sem precedentes no setor.
Forbes: Quais serão suas prioridades à frente da Adobe na América Latina?
Douglas Montalvao: As principais prioridades da Adobe hoje são crescer de forma acelerada e consolidar nossa presença na América Latina, que está em franca expansão. Enquanto outras economias estão mais estabilizadas, enxergamos na região uma grande oportunidade de crescimento. A empresa está investindo e nosso objetivo é crescer pelo menos três vezes mais rápido do que a média global, porque acreditamos no potencial desse mercado.
Os consumidores na América Latina, especialmente no Brasil, adotam novas tecnologias rapidamente e têm altas expectativas em relação às marcas. As empresas estão cada vez mais conscientes disso e buscando diferenciação competitiva. Nossa visão na Adobe é clara: personalização em escala. Esse tema é uma das principais prioridades dos C-Levels, pois há uma preocupação crescente com a relevância dos negócios no mercado atual.
Se uma empresa não se mantiver relevante para seus consumidores, corre o risco de se tornar uma commodity. Hoje, preço e produto são comoditizados – a verdadeira diferenciação está na experiência que a marca entrega.
Quais foram os principais desafios e aprendizados no processo que te levou a essa posição?
Um dos maiores desafios é abandonar o perfil mais técnico conforme você avança. Cada passo que dei me mostrou que as habilidades que me trouxeram até aquele ponto não seriam as mesmas que me levariam ao próximo nível. Então, a chave foi me adaptar e me moldar à nova realidade e às novas responsabilidades.
No início, a liderança é mais técnica e operacional, mais focada na execução. Com o tempo, ela se torna uma liderança de visão, estratégia e inspiração — e essas são habilidades completamente diferentes. Crescer junto com a posição que você ocupa não é simples, porque existe o risco de ficar preso no que funcionou até ali. O grande desafio foi não me amarrar a essas crenças e estar sempre disposto a evoluir.
Como começou sua carreira na Adobe?
Em 2016, a Adobe me convidou para liderar a criação de uma área focada no ecossistema de pré-vendas, pós-vendas e consultoria. A empresa estava chegando à região com sua plataforma Experience Cloud e precisava estruturar um time para ajudar os clientes a implementarem e operarem as tecnologias.
No processo, contratamos muitas pessoas e definimos a cultura da empresa na América Latina, baseada em mentalidade de crescimento, conversas abertas, feedback constante e pensamento estratégico. O sucesso dessa iniciativa levou ao convite para assumir a operação no México, focando nos mercados de língua espanhola.
Ao me mudar com minha família para lá, enfrentei o desafio de reestruturar a operação regional. Trabalhamos na contratação de novos talentos, expansão da base de clientes e apoio na adoção das tecnologias da Adobe. Como resultado, os Spanish Speaking Countries cresceram de forma acelerada e sustentável. Antes da minha chegada, essa região representava apenas 10% do faturamento da Adobe na América Latina; depois, passou a representar entre 55% e 60% do total.
Com esse crescimento, fui convidado para assumir a liderança da área comercial da Adobe para toda a América Latina, posição que ocupei por três anos. Recentemente, há dois meses, fui promovido a general manager da região.
Como equilibrar tradição e disrupção em uma empresa desse porte?
Acho que o maior desafio de empresas tão grandes é não perceberem quando a indústria está mudando e, consequentemente, se tornarem irrelevantes. Muitas vezes, o sucesso e o crescimento geram uma certa arrogância, uma sensação de segurança: “Somos líderes, chegamos até aqui e estamos bem.” Mas, no momento em que a empresa se acomoda, o mercado pode mudar em uma velocidade que ela não consegue acompanhar.
Acredito muito no investimento em pessoas, porque, no final do dia, são elas que fazem a inovação acontecer. Inclusive, temos um benefício que permite a cada funcionário investir até US$ 10 mil em sua própria capacitação e desenvolvimento. Isso reforça a importância de preparar continuamente nossos talentos para lidar com as mudanças do mercado.
Além disso, uma cultura de inovação precisa aceitar o erro. Se um erro persiste, isso se torna displicente, mas errar como parte do processo de inovação é totalmente aceitável. As pessoas devem se sentir confortáveis em tentar algo novo, porque quanto mais você inova, maior a chance de errar — e isso faz parte do caminho para evitar que a empresa se torne obsoleta.
Como é chegar no evento global da Adobe como general manager Latam pela primeira vez?
Já estou na Adobe há nove anos, mas claro que chegar no evento global da empresa representando uma região inteira, tantos países, tantas culturas diferentes pela primeira vez, dá muito orgulho.
Eu me preparei muito para chegar nessa cadeira. Tive a sorte de aos 26 anos mais ou menos já saber o que eu queria e que era nessa posição que eu queria chegar. Fui trabalhando ano a ano naquele objetivo, eu tinha um plano. Sabia de etapas e processos que eu precisaria cumprir e fui cumprindo cada um deles. Mas tenho muito pé no chão. Sou a mesma pessoa, obviamente com mais responsabilidades, que precisa aprender muito ainda como evoluir nessa posição.
Você teve experiências profissionais em diferentes países. Como isso impactou sua visão de negócios e sua abordagem de liderança?
Acho que ter experiências internacionais é fundamental para qualquer líder. Quando você vive em diferentes culturas e convive com diferentes formas de enxergar o mundo, percebe que as pessoas reagem à mesma situação de maneiras distintas. Isso acontece porque cada um interpreta os acontecimentos através da sua própria lente – um “óculos invisível” que foi moldado ao longo dos anos pela sua história, cultura, família, ambiente educacional e experiências de vida.
Reconhecer essas diferenças me fez perceber que uma liderança eficaz precisa se adaptar às individualidades de cada pessoa. Hoje, sou muito mais paciente e empático como líder. Tenho uma visão clara de liderança, valores e crenças sobre o que é essencial para avançarmos, e não abro mão disso. No entanto, aprendi a me adaptar para extrair o melhor de cada pessoa.
Não existem pessoas “não qualificadas”; talvez elas apenas estejam na função errada. Compreender o perfil de cada pessoa, respeitar sua individualidade e direcioná-la para a posição onde possa contribuir da melhor forma para o negócio é algo que aprendi morando em diferentes países e vivenciando outras culturas.
Voltando para o início da sua trajetória, por que escolheu estudar Estatística na universidade?
Em 1999, essa ainda não era uma profissão amplamente conhecida, mas eu sempre fui muito bom em matemática e disciplinas exatas. Uma professora do cursinho me recomendou a área e, após pesquisar mais sobre o assunto, decidi seguir esse caminho. Não existia a explosão de Data Science e Inteligência Artificial que vemos hoje, mas a Estatística já era a base dessas disciplinas. Optei por essa área porque queria algo diferente e não tinha interesse em Engenharia. No início, o trabalho era muito técnico, e as aplicações não eram tão evidentes. As oportunidades eram escassas, pois a profissão ainda estava se desenvolvendo. Curiosamente, hoje Estatística é uma das áreas mais concorridas, com notas de corte altíssimas, especialmente na USP.
Durante a faculdade, tive a sorte de começar a trabalhar em uma empresa de tecnologia que já lidava com temas de Data Science, mesmo há quase 25 anos. Meu primeiro contato com o mercado foi no SAS Institute, uma empresa muito focada em dados, algoritmos e tecnologia. Logo percebi que era essa a indústria na qual eu queria me desenvolver.
Quais habilidades técnicas e socioemocionais você considera essenciais para chegar ao topo?
Na minha história, sempre busquei sair da minha zona de conforto. Quando dei o primeiro passo para iniciar uma carreira internacional, eu não falava espanhol, nunca tinha viajado para outro país e não tinha experiência para aquela posição. Mas levantei a mão e fui atrás. O mesmo aconteceu quando fui para a Adobe, quando me mudei para o México e quando decidi fazer um MBA.
Em todas essas situações, fiz algo para o qual não me sentia 100% preparado, e cada uma delas me proporcionou um grande salto de amadurecimento. Por isso, acredito que quem quer avançar para uma posição de presidência precisa estar constantemente buscando esses desafios, acelerando o crescimento e amadurecimento profissional.
Em vários momentos da minha carreira, tomei decisões que foram vistas como arrojadas, corajosas e até arriscadas. Mas eu acredito que, se você não assume riscos, o retorno será sempre mínimo, dentro da normalidade. Para dar passos maiores, principalmente no início da carreira, é essencial assumir riscos.
Como equilibrar a ideia de sair da zona de conforto e saber priorizar aquilo que faz sentido para a sua trajetória?
É claro que, no começo, você diz mais “sim” e assume mais desafios. Com o tempo e o amadurecimento, aprende a direcionar seu foco e a dizer “não” para aquilo que não é estratégico. Uma das habilidades fundamentais de um líder é justamente essa: saber onde investir sua energia e recursos, e entender quais batalhas valem a pena. Em um cenário onde se está gerenciando múltiplas frentes, é essencial saber quais “pratos” podem cair sem comprometer a estrutura do negócio e quais são inegociáveis.
Além disso, um líder precisa ter visão estratégica para tomar decisões mesmo sem ter todas as informações disponíveis. No MBA, aprendi uma frase que reforça isso: “Common sense is not that common.” O bom senso é essencial para um CEO ou um líder sênior, mas, na prática, ele não é tão comum assim. A capacidade de conectar múltiplos pontos, enxergar padrões e tomar decisões assertivas mesmo com informações incompletas é uma habilidade indispensável.
A IA generativa está transformando o mercado rapidamente. Em que estágio a Adobe está nessa incorporação e quais são as próximas apostas?
Na Adobe, acreditamos que a barreira entre criatividade, marketing e inteligência artificial não existe mais. Esses três elementos estão completamente integrados. No entanto, uma das poucas coisas que as máquinas não substituirão é a capacidade humana de criar. As máquinas são ótimas para automatizar tarefas repetitivas, mas o processo criativo é algo essencialmente humano.
Um ponto fundamental é garantir que a IA seja utilizada com ética e transparência. A empresa se preocupa em evitar retrocessos sociais e em assegurar que todas as criações feitas por suas tecnologias não infrinjam direitos autorais. A grande aposta da Adobe é integrar esses três mundos e disponibilizar tudo isso para as pessoas de negócios, para que elas possam entender melhor seus consumidores, criar conteúdo personalizado, direcionar campanhas adequadas, ativar em canais diferentes e medir o desempenho em tempo real, ajustando estratégias conforme necessário.
Estamos lançando os “AI Agents”, que permitem à plataforma tomar decisões autônomas com base nas regras de negócio e diretrizes da marca estabelecidas pelos usuários. Isso garante que todas as ações realizadas estejam alinhadas com a governança da marca, os critérios de negócios e os objetivos que a empresa busca alcançar. Essa é a forma que a gente vê a fusão entre o ser humano e a máquina dentro desse contexto de criatividade e marketing.
Com a explosão da demanda por profissionais de dados, como você vê o papel desses especialistas na inovação e no crescimento das empresas?
Os dados deixaram de ser um conceito de uma área específica e passaram a ser um componente essencial dentro das empresas. Tudo que a gente faz hoje gera dados. Cada vez que a gente entra numa rede social, ou tira uma foto com o nosso celular, isso são dados. O conceito mudou de ter áreas de dados dentro das empresas para transformar as empresas em companhias de dados.
Esses profissionais se tornaram cada vez mais essenciais, porque alguém tem que ter essa capacidade de juntar todos esses dados e dar sentido para eles. E não basta só você juntar essa informação sem que esses dados estejam sendo utilizados para tomar decisões de negócio.
Quando isso não acontece, a gente fala que os clientes criaram um cemitério de dados. Por isso agora estamos pensando na ativação dos dados. Os melhores profissionais de mercado são os que buscam utilizar essas informações para o negócio.
Que conselho daria para profissionais que querem construir uma carreira sólida no setor de tecnologia?
A tecnologia está avançando em uma velocidade nunca vista antes, porque as barreiras e limitações estão caindo cada vez mais rápido. Muitas das ideias que queremos implementar hoje já existiam há 15 ou 20 anos. Por exemplo, quando falamos de personalization one-on-one, da necessidade de negócios focados em experiências personalizadas, esse conceito não é novo. O que mudou foi a infraestrutura tecnológica, que evoluiu a ponto de quebrar diversas barreiras. Hoje, tudo isso é possível.
Meu conselho é: as pessoas precisam ser curiosas. Elas não podem ficar presas às suas ideias, acreditando que aquela é a única verdade, porque amanhã tudo pode ser diferente. A capacidade de aprendizado rápido se tornou essencial. É preciso entender os conceitos, enxergar para onde o mundo está caminhando e se adaptar constantemente.
Pessoas rígidas, que aprenderam a fazer algo de um jeito e acreditam que essa será sua forma de trabalho para o resto da vida, não têm espaço na indústria de tecnologia. E, se ainda houver setores onde alguém pode trabalhar da mesma maneira por cinco, dez ou vinte anos, é provável que essa indústria ou empresa esteja fadada a desaparecer em breve.
Além disso, as empresas de tecnologia são cada vez mais globais. Mesmo companhias brasileiras estão expandindo rapidamente, o que torna essencial aprender idiomas. Inglês é o mínimo. Espanhol também é extremamente importante.
Formação
Estatística na Unicamp
Primeiro emprego
SAS
Tempo de carreira
25 anos