
O que você entende por “carreira”? Quando perguntamos sobre os anseios e motivações de um profissional disposto a trocar de emprego e que busca por novas oportunidades de mercado, este tópico figura entre os principais objetivos. As pessoas querem maiores salários, é claro. Mas também querem uma “trilha de carreira”, além da tão desejada (e agora tornando-se escassa) jornada de trabalho flexível.
As pessoas desejam progredir, evoluir. Elas têm ambições pessoais e esperam alcançá-las através do trabalho. Justo. Mas uma progressão automática de níveis não é financeiramente possível para a esmagadora maioria das empresas privadas. Ao que parece, não basta encontrar um trabalho que gere satisfação e conexão com as habilidades e valores pessoais – o sucesso de um profissional é medido pela velocidade de progressão nos cargos.
Para dar conta dessa ambição, empresas foram criando artifícios e caminhos alternativos que viabilizassem de alguma forma o reconhecimento e a evolução dos profissionais para além dos prêmios por performance, criando funções e ajustando suas estruturas para acomodar interesses individuais.
O ponto é que não necessariamente os processos se tornaram mais complexos ou as áreas cresceram em volume de trabalho e em número de pessoas. Essa progressão de carreira também não atende obrigatoriamente a uma necessidade da empresa ou é sustentada pelo crescimento dos resultados financeiros.
Mas, para dar vazão às expectativas de encarreiramento do time, empresas passaram a conceder o título do cargo sem que isso se refletisse concretamente nas reais atribuições do profissional, em seu nível de autonomia ou impacto no negócio. Neste movimento, o cargo passa a existir no papel, mas não na prática, e a remuneração tende a não acompanhar valores típicos de mercado.
Este movimento é informalmente conhecido como “síndrome do cargo fictício”, que pode ocorrer por uma tentativa de reconhecer alguém sem mexer em salário (ou vice-versa); pressão de colaboradores por promoção; falta de uma estrutura de cargos e salários clara; ou por decisões subjetivas, sem critérios técnicos ou estruturais.
Principais características da síndrome do cargo fictício
- 1. Título inflado: O profissional recebe um cargo “maior” do que a função realmente exige;
- 2. Desalinhamento de expectativas: O nome do cargo gera expectativas (dos pares, do próprio colaborador ou do mercado) que não se concretizam;
- 3. Desmotivação ou frustração: A pessoa pode se sentir “enganada” ou desvalorizada quando percebe que o título é apenas simbólico;
- 4. Dificuldade de gestão de carreira: Um profissional que ocupa um cargo fictício pode ter dificuldade para se recolocar no mercado ou internamente, pois não acumulou as experiências esperadas para o cargo que ostenta. Ou então, quando faz jus à posição mas não tem o salário, pode se tornar uma presa fácil para empresas que pagam o valor devido ao referido cargo;
- 5. Impacto na estrutura organizacional: Pode criar distorções salariais, desalinhamento de hierarquias e confusão na cultura da empresa.
Quem nunca se deparou com um “coordenador” que não coordena ninguém? Ou com um “gerente de projetos” que atua apenas como analista, sem responsabilidade real de gestão de escopo, tempo, custo ou equipe. E um “especialista” que não tem domínio técnico superior ao dos analistas plenos ou seniores? Aqui também surgem cargos de liderança genéricos, como os “heads”, que podem ser qualquer coisa entre um líder técnico e uma posição de C-Level. Surgem “líderes” de si mesmos, co-CEOs, e por aí vai.
Como escapar da síndrome do cargo fictício?
Para evitar cair nesta armadilha, é preciso ter critérios objetivos de progressão de carreira e de desenho da estrutura organizacional, ter uma política sólida de cargos e salários, um orçamento de pessoal adequado e compatível com a remuneração, além de processos para desenvolvimento de talentos e formação de sucessores para cargos críticos. Com isso azeitado, as promoções serão reais e os resultados também.
Em um mundo que valoriza cada vez mais os rótulos, precisamos lembrar que cargos não são conquistas em si — são consequência de competências, entregas e contexto organizacional. Criar títulos vazios pode até ser uma resposta imediata à ansiedade por reconhecimento, mas é uma estratégia insustentável, que mina a credibilidade da estrutura, frustra carreiras e desorganiza o negócio.
O verdadeiro progresso acontece quando a evolução profissional está alinhada à necessidade da empresa e sustentada por mérito real. Mais do que dar nomes bonitos aos cargos, o desafio das organizações é dar propósito às funções, clareza às trajetórias e coerência às decisões.
*Fernanda Abilel é professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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