A busca por cosméticos sustentáveis, veganos e cruelty-free configura-se, cada vez mais, como uma das grandes tendências para o mercado de beleza. Isso é reflexo não apenas do comportamento do consumidor, que mudou muito nos últimos anos (segundo pesquisas, dois terços da população está disposta a pagar mais por produtos e marcas sustentáveis, sendo a geração Z uma das mais atentas a isso), mas também da pandemia do coronavírus, que acendeu os holofotes para as questões do autocuidado atrelado ao cuidado ambiental e à consciência limpa. Como resultado, temos um consumidor atento, das prateleiras dos mercados aos salões de beleza e, até mesmo, nos consultórios de dermatologia, à composição e à origem dos produtos que consome, fazendo questão de se informar se eles são feitos com ética e sustentabilidade, sem testes em animais e com reduzidas emissões de carbono.
Os números não me deixam mentir: de acordo com o relatório da Grand View Research, o mercado global de cosméticos veganos cresce numa faixa de até 25% ao ano, em média 10% a mais do que o mercado de cosméticos comuns, e deverá atingir US$ 25,11 bilhões até 2025. Na Inglaterra, segundo a consultoria Reds, houve um aumento de 50% na procura por cosméticos veganos. No Brasil, a pesquisa Ibope de 2018 revelou que 55% dos brasileiros dariam preferência a produtos veganos se houvesse indicações nas embalagens ou se custassem o mesmo valor dos produtos convencionais. Além disso, segundo a pesquisa da Nielsen Brasil (outubro de 2020), o consumo sustentável é tido como prioridade para 32% dos brasileiros, e o segmento “verde” concentra 18,2% do faturamento total do mercado de higiene e beleza.
No que diz respeito à dermatologia, sabemos que estudos sobre o impacto do veganismo na sociedade são cada vez mais comuns, e claro que isso causa impactos na medicina. A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) ressalta que é importante conhecer o que os mercados farmacêuticos e cosméticos dispõem para que exista um alinhamento do tratamento prescrito à expectativa do paciente. Isso não significa que os médicos tenham que abrir mão de seus diagnósticos e recomendações, mas que possam se adequar a essa demanda ao sugerir um cosmético, por exemplo, que não seja testado em animais. É importante ressaltar que não existem evidências científicas de que o uso desses cosméticos traz maiores benefícios nos cuidados com a pele ou cabelos. No nosso centro de terapia capilar, já realizamos um protocolo para cuidar da saúde dos fios e do couro cabeludo totalmente personalizado, usando produtos naturais e veganos. Porém, é importante deixar claro que, em situações de gravidade, o médico deve pontuar a importância do tratamento indicado.
Outro fator que deve ser levado em conta é que, apesar de ser uma defensora da beleza sustentável, os cosméticos veganos não têm uma atuação melhor que os demais. Existe um marketing que fortalece a ideia de que os produtos veganos não causam irritações ou alergias na pele, mas isso não se aplica na prática, uma vez que existe a indicação correta para cada tipo de pele e de paciente. Ainda segundo a SBD, atualmente, vários dermocosméticos não são testados em animais, porque seus ativos já foram testados no passado e se mostraram seguros e eficientes. No entanto, é pouco provável que surjam novos ativos eficazes sem testes de segurança, pois os riscos de eles provocarem graves efeitos colaterais são altos. Ainda não é possível prever o futuro. As evidências, contudo, mostram que o estilo de vida vegetariano/vegano veio para ficar. E a comunidade médica tem procurado se adequar a essa nova realidade com responsabilidade.
Dra. Letícia Nanci é médica do Hospital Sírio-Libanês, médica responsável pela Clínica Dermatológica Letícia Nanci; membro efetivo da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD); da American Academy of Dermatology (AAD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD)
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