Quando eu estava trabalhando neste artigo, ouvi o testemunho da Dra. Christine Blasey Ford sobre suas alegações de agressão sexual sofrida nas mãos de Brett Kavanaugh – que, na época, concorria a uma posição na Suprema Corte dos Estados Unidos. Foi um depoimento comovente, mesmo à distância, que deixou muita clara a realidade a qual as mulheres pertencem. A vítima solicitou investigações em larga escala e foi recebida com relutante apoio. Fora da audiência, as autoridades trabalharam duro para suprimir o testemunho e desacreditar a fonte com antecedência.
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Eu diria que tudo isso é impressionante, mas não é. Além dos holofotes públicos, é comum o modo como as alegações de assédio sexual são tratadas institucionalmente nos Estados Unidos: rejeitadas, negadas ou protegidas, priorizam as carreiras e a vida dos homens enquanto tratam as mulheres como descartáveis e periféricas. E essa atitude que estamos vendo no Partido Republicano norte-americano é a que o #MeToo vem combatendo há um ano. Então, eu me pergunto, alguma coisa está realmente mudando?
A HR Acuity, uma empresa de tecnologia especializada nas relações com funcionários, me procurou com alguns números que podem esclarecer o problema. A companhia realizou uma pesquisa com empresas que representam cerca de 4,4 milhões de funcionários de empresas que fazem parte das listas Fortune 100, 500 e 1000 para ter uma noção do que está sendo feito – e se está funcionando. E o cenário é uma grande mistura de situações.
Primeiro, o quadro geral: de acordo com a HR Acuity, o #MeToo teve uma clara influência no número de reclamações de assédio – 54% das empresas afirmaram que esse tipo de queixa aumentou, e esse número chega a 84% nas companhias com mais de 20 mil funcionários, o que indica que o aumento da visibilidade da questão está incentivando as mulheres a se manifestarem. Infelizmente, não há dados sobre quantos abusos não foram denunciados. Mas, no geral, esse é um passo positivo: as mulheres estão buscando justiça. Dito isto, resta saber se a justiça está sendo feita.
Mas essa é uma resposta muito mais complicada.
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Os dados indicam que os programas de treinamento foram iniciados ou aprimorados em uma maioria significativa – quase 70%, das empresas. Mas mais de 30% delas ainda não fizeram mudanças. Isso é ainda mais agravado pela eficiência limitada desses programas e pela facilidade com que podem ser contornados ou evitados completamente. Os relatórios também indicam que o número de empresas que exigem investigações obrigatórias em resposta às queixas quase dobrou – de 23% em 2016 para 41% em 2018 -, ainda menos da metade, embora outros 10% das organizações tenho dito que “planejam” iniciar tais práticas dentro de um ano. Isso significa que, atualmente, uma maioria sólida de empresas não faz questão de dar uma resposta às denúncias, permitindo que elas continuem sendo varridas para debaixo do tapete.
Essa é, provavelmente, a parte que mais me incomoda: que, no futuro, a maioria dos planos das empresas pareça girar em torno de treinamento, em vez do estabelecimento de um procedimento concreto e de uma conduta sensível de ação, com 64% delas planejando medir o sucesso por quantos incidentes são relatados ao longo do tempo, em vez de como os que são relatados de forma eficaz são tratados. Esta é uma métrica contraproducente, já que os incidentes podem não ser e não serão relatados por todos os tipos de razões, o que é bem pior do que a falta de resposta significativa.
E, com base nesses dados, parece claro que as alegações serão atendidas principalmente com “faça o acusado passar por mais treinamento e esperar que o problema desapareça”. Apenas 18% dos entrevistados afirmaram que o feedback dos funcionários envolvidos no processo seria considerado na avaliação de programas de resposta a assédio sexual. E isso é muito frustrante.
Isso significa que estamos vivendo o mesmo tipo de miopia que determina o sucesso ou o fracasso com base em quão visível e difícil um problema está se tornando, e não em uma cultura significativa ou na mudança de regime dentro de uma empresa em relação a assédio sexual, intimidação ou abuso. Quase um ano depois de Weinstein e, no geral, as respostas parecem ser tão vagas quanto antes, sem políticas, conclusões e medidas claras de sucesso.
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Investigações obrigatórias continuam a ser uma prática minoritária e, embora pareça estar prestes a mudar, o fato de que a métrica de sucesso será se as alegações sobem ou descem acaba causando um mal entendido fundamental da dinâmica de poder envolvida. Só o treinamento, sem outras medidas, não poderá mudar essa cultura, e as mulheres precisam sentir – em primeiro lugar – que suas queixas não desaparecerão simplesmente, mas serão levadas a sério e tratadas como relevantes. Sem um compromisso com essa realidade, “recusar as alegações” pode significar pouco além de “#MeToo está perdendo força cultural, e as mulheres estão recuando”, o que resultará na liderança dando palmadinhas nas costas e voltando para a maneira como as coisas sempre foram.
Não podemos deixar isso acontecer. Mas como vamos garantir que esse movimento cause uma mudança real para as mulheres em seus locais de trabalho? Uma política eficiente deve definir claramente os procedimentos que, no mínimo, devem garantir o seguinte: 1. Assegurar que as medidas sejam definidas e implementadas para incentivar as denúncias, incluindo salvaguardas contra retaliações para aqueles que se apresentarem; 2. Investigar prontamente e exaustivamente as reclamações, utilizando, de preferência, um terceiro elemento neutro fora da empresa; 3. Tomar as medidas adequadas durante e após a investigação; 4. Avaliar rotineiramente quão eficazes as respostas às alegações são.
A mudança geralmente começa dos menores níveis, mas os que estão no topo têm o poder, a capacidade e a responsabilidade de usar esse movimento como uma oportunidade para lidar fundamentalmente com o ambiente tóxico do trabalho. E se o #MeToo quiser significar algo no futuro, ele precisa de expressão concreta na forma de uma cultura em que as mulheres se sintam confiantes, chegando mesmo a se manifestar.