Mais do que fama, os quatro anos no ar como jurado do “Masterchef” deram a Henrique Fogaça a chance de transformar em uma potência o restaurante que foi seu primeiro grande sucesso na gastronomia, o Sal. Saltou de um punhado de funcionários para os atuais 280 empregados que dão conta de unidades inauguradas no Shopping Cidade Jardim, também em São Paulo, e no carioca Village Mall. É sócio também do gastropub Cão Véio e do restaurante Jamile.
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A expansão de seus domínios tem como mais recente aposta o Sal Buffet, em parceria com o empresário Fabio Coelho, da Casa Bossa. E, em fevereiro, o Sal Grosso, casa de carnes no Rio de Janeiro.
Fogaça conta a seguir um pouco sobre o novo restaurante, e divide os ingredientes da receita que usou ao largar a vida de bancário, vender hambúrguer na rua e virar um dos chefs mais bem-sucedidos do país.
FORBES: É possível listar a receita de sucesso de Henrique Fogaça?
Henrique Fogaça: Diria que 80% determinação, foco e comprometimento. E 20% aprendizado.
F: Uma queixa bem recorrente entre quem se dedica a várias atividades profissionais é o pouco tempo que se tem para o tanto de afazeres. Como você se organiza para dar conta de tudo?
HF: Sozinho eu não daria conta de tudo, porque são muitas atividades. Além da cozinha, tenho banda de rock, ligação com luta, moto e o tempo que faço questão de dedicar aos meus filhos. Conto com vários braços direitos: assessora pessoal, marketing, produção, eventos, imagem…
F: Um dia típico de trabalho seu tem quantas horas?
HF: Começo às 7h e vou parar mais ou menos 1h da manhã.
F: Quando está de folga, gosta de fazer o quê?
HF: De estar com a família. Andar de skate ou bicicleta com meus filhos ou ver um filme com eles.
F: Que passos você segue quando vai abrir um novo restaurante?
HF: Faço uma pesquisa de mercado, mapeamento do tipo de público que busco, então parto para montar a equipe. Sempre em sintonia com os sócios. No caso do Sal Grosso, que está sendo montado agora, estamos vendo o número de pessoas que cabem, o tamanho que a cozinha precisa ter e a capacidade do estoque.
F: O que pode nos contar sobre o Sal Grosso?
HF: Vamos abrir em fevereiro, no Rio de Janeiro. Será uma steak house, então teremos foco na excelência da carne. Nossa parrilla, mais especificamente. A ideia é que seja comida para compartilhar com duas, três, até seis pessoas. Quero algo bem brasileiro, com uma série de farofas.
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F: Alguns chefs são bons para criar e não tanto para administrar. Você sempre foi bom em ambos ou precisou enfrentar algum revés até tudo entrar nos eixos?
HF: Comecei pequenininho, vendendo hambúrguer na rua, então sempre me envolvi em tudo. Algo que levei quando abri o Sal. Cuidava das compras, das contas, criava o cardápio e cozinhava. Quem pensa em empreender nessa área precisa, sim, ter um mínimo conhecimento de administração.
F: Até que ponto a notoriedade de fazer televisão impulsiona seu negócio?
HF: Fez muita diferença. Antes o Sal já vinha bem, mas desde que fui para o “Masterchef” passei a receber gente do Brasil todo.
F: Se tornar mais conhecido mudou o que na sua vida?
HF: Acho gratificante me pararem na rua para dizer que gostam do meu trabalho, que se inspiraram na minha história. Mas, exceto pela notoriedade, na minha forma de ser não mudou nada. Sou muito pé no chão.
F: Fazer um restaurante dar certo é uma tarefa árdua. Tanto que muitos fecham as portas em até dois anos após a inauguração. Por que isso acontece?
HF: A popularidade da gastronomia – que vem já de alguns anos e aumentou com o sucesso dos programas dedicados ao assunto – traz muita gente que tem dinheiro para empreender, mas que não entende nada do negócio. Acha que é só colocar ali R$ 1 milhão e esperar o retorno. Só que o dia a dia de um restaurante é duro, é bruto. Tem que trabalhar na ponta do lápis, com equipe, desperdício, hora extra. Ali conta o CMV (custo de mercadoria vendida), fichas técnicas e a capacidade de oferecer o melhor preço sem perder a qualidade. Claro, é essencial servir comida boa, ter um ambiente bacana e excelência no atendimento. Mas, de todos os fatores, o principal é ter alma. Considero que o estabelecimento se consolida apenas quando passa dos dez anos de funcionamento.
F: Que conselho o Fogaça de hoje daria ao Fogaça iniciante da gastronomia de 16 anos atrás?
HF: Vai pra cima! Não desiste. Acredita, corre atrás, afia a faca, se corta. Corre atrás. Do it yourself!
F: Qual é a coisa mais difícil de liderar uma equipe?
HF: Ser um bom líder requer conhecer tudo sobre o restaurante, saber cobrar sem ofender, exigir um padrão de qualidade. É um trabalho diário.
F: Você se considera uma pessoa movida a desafio?
HF: 100%. Não fico acomodado, e começo a ter faniquito se paro por muito tempo.
F: As pessoas só enxergam seu sucesso, mas nem sempre sabem que você batalhou muito até chegar aqui. Que momento da sua vida profissional foi o mais duro?
HF: As pessoas me veem na televisão e pensam que comecei agora. Atravessei um caminho árduo. Fiz arquitetura e comércio exterior, trabalhava em um banco. Com 27 anos, larguei um emprego que pagava minhas contas, mas não me fazia feliz. O maior desafio foi ter começado o restaurante. E, agora, ter montado essas unidades maiores, transformando o que era um empreendimento menor em uma potência com muitas pessoas empregadas.
F: O que aprendeu com a fase em que vendia hambúrguer em lojas de conveniência?
HF: A ouvir “não” sem desistir. Hoje em dia as pessoas não sabem lidar com isso, é muito mimimi. Foi bom também para ver meu potencial e que tinha luz no fim do túnel para minha vocação de cozinhar.
F: Deve ser comum perguntarem a você o que é preciso para se tornar cozinheiro profissional.
HF: Bem comum. Respondo que é preciso ter muita vontade e saber engolir sapo. Que leva tempo para as coisas acontecerem, você vai cortar os dedos, se queimar e levar bronca do chef.
F: Se algum dos seus filhos quiser ser chef, você vai apoiar?
HF: Adoraria! O João está com 10 anos, às vezes me ajuda na cozinha, mas parece que não tem muito prazer nisso. Quem sabe mais para a frente. A Maria Letícia, que é a mais novinha, eu sinto que curte mais. Vou tentar conduzir para isso mais tarde.
F: A gente ouve falar de máquinas cada vez mais inteligentes, capazes de substituir humanos nas mais variadas atividades. Pode acontecer na gastronomia?
HF: Talvez para algumas tarefas, como ralar 80 quilos de queijo. A cozinha precisa ter a mão de obra humana, senão perderia a essência de afeto, de amor.
F: O que acha quando alguém pede carne bem passada ou para mudar algo nos pratos?
HF: No caso da carne, proponho experimentar um ponto antes, para ele ver que fica mais saborosa. Se pedem alterações, oriento quando acho que é mudança muito sem noção. Mas sou maleável para pequenas mudanças.