Fui uma das vozes que se insurgiram na sociedade contra a decisão do Supremo Tribunal Federal de submeter a venda de uma estatal à aprovação do Legislativo. É justo, portanto, que eu venha de novo a público para saudar o fato de a Corte ter se corrigido, recolocando a questão em sua devida perspectiva.
A relevância da decisão extrapola o negócio em si. Embora a venda da TAG (Transportadora Associada de Gás), em abril do ano passado, tenha sido vultosa, da ordem de US$ 8,6 bilhões, o aspecto financeiro não chega a ser o mais importante.
A ameaça maior era a insegurança jurídica causada por duas liminares de ministros do STF, que monocraticamente alteravam a Lei das Estatais, já aprovada pelo Congresso. É mais do que natural que, sem ter certeza de que negócios dessa natureza seriam aprovados pelos parlamentares, eventuais interessados desistissem de investir em estatais, comprometendo a saúde financeira dessas empresas.
A argumentação a favor da suspensão da venda, de acordo com os termos das liminares, era bastante frágil. Baseava-se no fato de que a TAG, mesmo sem ser controlada pelo Tesouro Nacional, era uma empresa estatal e, por esse motivo, sua venda deveria se dar por meio de processo licitatório e só após autorização do Legislativo.
A liminar – que havia suspendido a venda da malha de gasodutos da Petrobras nas regiões Nordeste e Norte, além de parte do Sudeste – tinha sido concedida pelo ministro Edson Fachin. No ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski havia publicado outra liminar com teor semelhante.
Atendendo a reivindicações de sindicatos de trabalhadores, essas liminares eram uma ameaça à modernidade da economia brasileira. Sem ter a certeza de que poderiam continuar fazendo desinvestimentos, as estatais tenderiam a manter o gigantismo que gera a ineficiência que a sociedade quer combater.
Esses recursos judiciais – provisórios, como é próprio das liminares – estavam condenados pela história, por não levarem em conta que a legislação brasileira há mais de duas décadas já havia pacificado o entendimento da questão. Aprovado no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Programa Nacional de Desestatização autoriza desde 1997 o governo a vender empresas sob seu controle direto ou indireto.
O que estava em jogo não era apenas um possível revés para o governo. O governo perderia, claro, na medida em que o prolongamento de uma indefinição se projetaria sobre os rumos de uma importante subsidiária da estatal. Mas a perda maior, sem dúvida, seria da sociedade.
Felizmente, prevaleceu o bom senso no Supremo. O entendimento que emergiu do plenário é o de que a Constituição determina apenas a necessidade de uma autorização genérica que permita às estatais criarem e administrarem subsidiárias. Fica dispensado, portanto, o aval legislativo para a venda.
A decisão é correta. Não podemos esquecer que a própria Constituição assegura a iniciativa privada como princípio fundamental do estado democrático de direito.
A sociedade precisa continuar atenta aos debates no Supremo. Juízes não julgam no vácuo político. Como todos nós, eles também estão inseridos em um contexto social que não podem ignorar. Pressões são legítimas num ambiente de plena democracia, como o que vivemos, e o STF não deve pairar acima das aspirações da população.
Faço tal consideração porque, em que pese a decisão da maioria do plenário, há na corte manifestações que tendem a politizar questões de ordem econômica. Como disse um ministro, o STF travou um debate político travestido de discussão jurídica sobre qual deve ser o papel do Estado no Brasil de hoje.
Ora, o Supremo não é o local ideal para esse tipo de debate, exatamente porque seus membros tenderiam a judicializar o assunto em pauta. O papel do Estado é tema para ser tratado pelo Executivo e pelo Legislativo, que têm mandato a eles concedido pela sociedade. Nas urnas, o eleitor optou por um projeto de país moderno.
Por ocasião das liminares, finalizei um artigo advertindo que o Brasil não poderia se dar ao luxo de minar ainda mais a competitividade de suas empresas. Dizia também: “Os juízes do STF precisam ouvir a sociedade e estar sintonizados com a voz das ruas a favor das reformas liberais. Um retrocesso, a esta altura, seria inaceitável”.
É com satisfação, portanto, que assisto ao triunfo da sensatez sobre o obscurantismo. Permaneçamos de olhos abertos para que essa vitória seja mantida.
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