Uma vez mais ocupo este espaço para falar sobre a reforma tributária, tema de crescente relevância. De empresários a trabalhadores, de juristas ao terceiro setor, do Planalto ao Congresso, todos sabem da urgência de uma mudança que implique quebra de paradigmas.
A Câmara está debruçada sobre a PEC 45. É o Projeto de Emenda à Constituição do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), com base em estudo do economista Bernardo Appy. O ponto principal é a unificação de cinco tributos – IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins – em apenas um, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que teria uma única alíquota de 25%.
A PEC 45, se aprovada, conseguiria a façanha de deteriorar ainda mais o pior sistema tributário do mundo. O clima de certa celebração por causa da proposta é comparável ao cemitério da fictícia cidade de Sucupira, da novela O Bem-Amado. O verborrágico prefeito Odorico Paraguaçu queria a todo custo inaugurar seu cemitério. Mas ninguém morria na cidade. Para dar cabo à empreitada, lançou mão de manobras como “importar” doentes e contratar Zeca Diabo, um matador de aluguel.
A proposta de Appy é, analogamente, um cemitério sem mortos – não faz sentido. Pior, tem três zumbis à espreita: a flat tax, o pagamento no destino e o IBS ou IVA (Imposto sobre o Valor Agregado). A flat tax tem o conceito de isonomia de alíquotas para todos. É um dogma de Appy. Trata-se de um erro brutal, pois alguns setores suportam desaforos tributários – indústria automobilística, telecomunicações, petróleo, cigarros e bebidas. Outros, como restaurantes, cabeleireiros e serviços em geral, em que os empreendedores ensaiam a formalização, logo correriam de volta para a informalidade. Ninguém aguenta multiplicar por dez o ICMS de prestador de serviço.
O segundo zumbi dessa necrópole tributária é o conceito de pagar no destino. Um grave risco, pois trata-se do elo mais vulnerável e com o maior risco de informalidade. Os pequenos varejistas não têm condições de suportar mais peso na cobrança de impostos. Por fim, o maior de todos os micos, o IVA. O problema central é que a base do tributo está esfarelando. Não é mais matéria. Assim, torna-se praticamente impossível ao governo rastrear o deslocamento de mercadoria, cada vez mais pulverizado. Hoje temos enxames de malotes de pequenas caixinhas na chamada economia “uberizada” do Mercado Livre e do Alibaba. Os dois gigantes do comércio eletrônico são imunes ao IVA: milhões de camelôs digitais numa ponta e outros milhões de clientes na outra, com bilhões de conexões sobre as quais governo nenhum tem o menor controle.
Antes, a mercadoria era visível e o pagamento, invisível. Pagava-se uma carroça de milho com três moedas de ouro. Era mais fácil rastrear o cereal do que seu pagamento. Isso se inverteu. Em algumas cadeias, a mercadoria se desmaterializou, está na nuvem. O bit é o real vestígio de um livro no Kindle, por exemplo.
A tributação física está com os dias contados – o débito e o crédito são cada vez mais eletrônicos. Nada nos garante que daqui a dez anos, prazo do período de transição, os segmentos ultratributados continuarão existindo na forma como os conhecemos hoje.
“Ao ignorar quem produz e gera empregos, continuamos herméticos em propostas de gabinete. O peso seguirá nas costas de quem produz e quem consome.”Ao ignorar quem produz e gera empregos, continuamos herméticos em propostas de gabinete. O peso seguirá nas costas de quem produz e quem consome. É a turma que pensa só “pratrasmente”, como bradava Odorico. Se quisermos pensar “prafrentemente”, devemos tributar o fluxo de valores. Tributos digitais colocarão nosso país na vanguarda. O cidadão vai ganhar, o Estado vai ganhar. Tudo será formalizado se todos pagarem menos. Basta pensarmos o presente com o olhar no futuro.
Flávio Rocha
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