Você tem a impressão de que todos os dias pelo menos um contato de uma das suas redes sociais faz uma postagem dizendo que está bebendo vinho, mostrando uma bela taça cheia ou uma garrafa pela metade? Bom, talvez não seja apenas impressão. Lojas virtuais, importadoras e produtores da bebida perceberam aumento na venda para o consumidor final desde que as medidas de distanciamento social começaram a ser implementadas para conter a disseminação de Covid-19 no Brasil.
A Evino, por exemplo, verificou aumento de 19% na quantidade de garrafas vendidas na comparação entre os meses de fevereiro e março do ano passado e de 2020. Segundo o e-commerce, o volume de pedidos cresceu 20%, com um incremento de 30%, entre fevereiro e março deste ano, das solicitações feitas por novos clientes em relação ao total.
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Seria um boom da categoria? Ari Gorenstein, coCEO da Evino, acha que é cedo para dizer. “É prematuro dizer que cresceu o consumo da categoria”, afirma. “Houve uma migração de bares e restaurantes para o lar”, ele diz, citando uma mudança de ocasião de consumo, que agora acontece dentro de casa. “O vinho é uma bebida mais socialmente aceita em um momento de reclusão e confinamento. Cerveja e cachaça podem não ter mesmo grau de aceitação, por exemplo. Isso gera um engajamento maior para a categoria”, opina.
Ao conversar com outros players de diferentes posições, é possível ver muito mais cautela. Na Casa Flora, por exemplo, aumentou a procura no ponto de venda próprio, em São Paulo. A importadora, no entanto, perdeu em vendas para o segmento de alimentação fora do lar, com bares e restaurantes fechados – apesar de ter mantido o volume comercializado em supermercados. “Acho que o vinho é a bebida que mais harmoniza com refeição e, agora que as pessoas estão em casa, acabam abrindo mais garrafas”, fala o diretor da empresa Antônio Pereira Carvalhal Neto. A equação da empresa, que não importa apenas vinhos, ainda fecha, mas Carvalhal Neto acredita que todos os negócios precisarão realinhar as perspectivas.
A nova conjuntura fez a companhia desengavetar planos de criar um e-commerce próprio. “O comércio eletrônico vai sair fortalecido em todas as categorias – o que era perspectiva, hoje é realidade. Quem já tiver um e-commerce avançado vai sair na frente”, avalia. A Casa Flora analisa a possibilidade de abertura de uma loja online, mas depende de estudos para criar mixes de produtos diferentes para o consumidor final e para o segmento B2B. “Movimentar 800 rótulos de vinhos não é tão simples. Queremos prestar bom serviço para o cliente”, diz.
Uma das estratégias da empresa é o foco em redes sociais, com informação de qualidade, cursos remotos e lives com produtores. Mesma ideia da Inovini, que, também sem loja online própria, conta com a venda em supermercados premium e e-commerces de terceiros, como Amazon e Privalia. “Temos investido em mídia social e ajuda aos restaurantes, com delivery dos clientes, e ativando nosso consumidor final (…) Também temos feito lives com produtores que falam português”, diz Rita Ibañez, gerente de marketing da Inovini. Segundo ela, as vendas para o consumidor final de fato cresceram: “São vinhos mais baratos para o dia a dia”.
É uma percepção diferente da vinícola nacional Salton. “Nossas maiores vendas, para casamentos e de vinhos canônicos [para igrejas], caíram. A loja do e-commerce apresentou melhora relativa. As pessoas procuram vinhos mais exclusivos”, afirma a diretora-executiva da marca, Luciana Salton. Segundo ela, o problema é que o canal não fará frente à venda de consumo coletivo em festas. No entanto, a executiva segue otimista para o segundo semestre, com a perspectiva de retomada das atividades. “É muito evidente que temos que nos preocupar com o online. No e-commerce, você precisa fazer muito esforço de margem, pois a primeira referência é o preço. Mas acreditamos no modelo. Vimos na marra que o home office é possível”, ela brinca.
De acordo com Gorenstein, da Evino, as vinícolas nacionais tendem a se beneficiar no médio prazo. “As pessoas podem passar a valorizar mais o vinho nacional, com a questão cambial desempenhando papel nisso. O espumante nacional deve ganhar share”, pontua. “Já a questão sanitária faz as pessoas terem mais cuidado com o que consomem, então, vinhos biológicos e orgânicos podem ganhar mais relevância no curto e médio prazos. Vai ver preciso ver como toda a situação se desenrola, mas com o turismo travado, o vinho pode ter um papel de substituir imersões físicas, já que propicia experiências dentro da garrafa.”
Para ele, o mercado de vinho é resiliente em crises e tende a não sofrer retração em volume, apesar das transformações de perfis e ocasiões de consumo. Na visão de Gorenstein, o que acontece atualmente pode ser visto como grande oportunidade para a empresa que está completando sete anos e tem como ponto forte sua grande seleção de vinhos com bom custo-benefício. “Há essa massa de consumidores que estão descobrindo o vinho e clientes que não compravam online e estão começando a se habituar”, conta. Os desafios vão ser a adaptação a uma nova realidade, com tendências diferentes. “O consumidor vai ser mais exigente na jornada digital”, acredita, dizendo que a empresa está atualmente focada em impressionar o cliente.
Saúde
Então, sim, com mais vendas aqui ou ali, o vinho está mesmo nas casas de todos. E, do ponto de vista da psicanálise, isso é bastante compreensível. “A situação de isolamento social exige renúncia ao prazer – do convívio social, do trabalho etc. Mas o ser humano não renuncia, ele compensa”, explica Daniel Kupermann, psicanalista e professor do instituto de psicologia da USP (Universidade de São Paulo). “Compensamos criando outros prazeres: comendo mais fast food, bebendo mais vinho.” Além disso, segundo ele, o álcool pode promover um relaxamento e age como uma válvula de escape.
É claro que é necessário ficar atento às quantidades. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda não mais do que 240 ml de vinho para homens e 120 ml para mulheres diariamente. “Conhecemos alguns benefícios do vinho tinto, com polifenóis que ajudam em doenças cardiovasculares. O consumo, porém, precisa ser adequado”, diz Maria Fernanda Vischi D’Ottavio, nutricionista do HCor, em São Paulo. Segundo ela, o álcool é vilão na questão obesidade (que tem se mostrado fator de risco para Covid-19), por ser considerado caloria vazia. “E o vinho é sempre acompanhado de queijo ou de um snack mais pesado”, completa.
Ou seja, comedimento é a palavra-chave. “A bebida moderada nesse momento é compreensível, mas cada um deve respeitar suas restrições. Se ela não compromete saúde da pessoa e da sua capacidade social e de trabalho, não há, a princípio, problema.”
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