“De onde eu estava, a multidão parecia enorme, talvez mil pessoas, a maioria branca, a maioria jovem, mais da metade de mulheres… Nossa mesa estava cheia de grandes baldes cheios de garrafas de destilados e champanhe, pequenas águas Evian, sucos e fileiras de taças e copos. Quase todo mundo segurava uma bebida.”
Esta cena, descrita por Ashley Mears, poderia ser em qualquer lugar desejável: Nova York, Los Angeles, Mônaco, Miami. Mas a localização não importa. Basta adicionar gastos em uma escala que você nunca viu antes e terá todos os requisitos do circuito global de festas dos super-ricos.
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É o simples gasto que chama a atenção de Mears em seu novo livro “Very Important People” (ou “VIP” sigla que significa pessoa muito importante”, ainda sem tradução em português). Por que, ou mesmo como, um milionário gasta mais de US$ 100 mil, muitas vezes US$ 1 milhão, em uma boate em uma única noite?
Não é apenas um comportamento extraordinário, mas ocorre em um mundo de estritas portas fechadas. O circuito global de festas é onde o 0,1% pode se exibir, mas ninguém mais. Seguranças, taxas de entrada e locais exclusivos impedem o mundo de testemunhar este desperdício extremo. Até agora.
A modelo e acadêmica Ashley Mears foi capaz de alavancar a primeira de suas carreiras para alimentar a segunda. De Cannes a Los Angeles, ela festejou como uma “garota”.
Uma “garota”, neste caso, é descrita como “jovem (geralmente de 16 a 25 anos), magra e alta (pelo menos 1,75 m sem salto e mais de 1,80 m com ele). Normalmente, embora não exclusivamente, branca.”
As garotas, a maioria delas modelos ou influenciadoras do Instagram, são recrutadas por promotores, alguns dos quais permitiram que Mears acompanhasse sua pesquisa. Os promotores são pagos pelas boates para trazer as meninas para suas grandes noites de festa, já que elas atraem milionários e bilionários como mariposas para a luz. E então começam os gastos.
As histórias são tão alucinantes que quase abafam a etnografia cuidadosa de Mears. Fazer com que os ricos gastem é algo bastante complexo. Na verdade, diz Mears, a melhor maneira de entender as faturas de um bilionário é compará-lo (geralmente é um homem) a um líder tribal.
“Potlach” foi um termo cunhado pelo antropólogo Franz Boas ao estudar as tribos do século 19 ao longo do noroeste do Pacífico. Potlaches são cerimônias competitivas em que um chefe tribal esbanja “presentes de riquezas consideráveis para seus convidados a fim de aumentar seu título ou posição”. Às vezes, esses rituais envolviam quebrar canoas ou queimar objetos para mostrar o seu valor.
Os ricos não são diferentes, argumenta Mears. Ao gastar em mesas VIP e champanhe, “o anfitrião perde muita riqueza, mas ganha reconhecimento entre seus pares”. Canoas ou champanhe: é a mesma coisa.
Na verdade, existe toda uma indústria criada para capitalizar esse ritual. De promotores a casas de champanhe, as empresas são capazes de explorar essa insegurança em seu próprio benefício. Esse é o pulo do gato.
O negócio secreto por trás das festas bilionárias
Você já se perguntou por que as áreas VIP dos clubes são superiores às outras? (Ou, se ainda não o fez, dê uma olhada na próxima vez que entrar em uma boate.)
Gastar é um esporte com espectadores. A menos que todos possam ver que você gasta quantias estúpidas de dinheiro em uma noite, qual é o ponto? Ou pelo menos essa é a lógica dos ricos.
É a mesma razão pela qual vinícolas produzem garrafas grandes com rótulos que brilham no escuro e são batizados com o nome de figuras como o rei da Babilônia, Nabucodonosor. Eles normalmente chegam às mesas VIP com fogos de artifício e são erguidos por garotas atraentes. Toda a cerimônia é projetada para conceder reconhecimento ao seu comprador. Não se trata tanto de buscar atenção, mas de comprá-la a um preço alto.
E se houver dois grandes gastadores, eles serão colocados em mesas VIP frente a frente na esperança de que seus egos enormes alimentem uma guerra de gastos e uma conta de bar saudável. As garrafas de champanhe se tornam “o idioma da rivalidade”, observa Mears. Em um caso em 2012, garrafas inteiras de champanhe foram jogadas entre Drake e Chris Brown, resultando em vários ferimentos.
Mais importante do que tudo isso, porém, são as garotas. Alguém com uma mesa cheia de garrafas é uma coisa, mas o que realmente faz o destaque em um clube, assim como nas redes sociais, são as mulheres ao seu redor. “Os clientes têm menos probabilidade de gastar se estiverem rodeados de meros civis”, observa Mears, referindo-se ao jargão da noite para pessoas que “não são bonitas nem ricas o suficiente”.
Este é o “capital feminino”, diz Mears. As garotas não são para sexo ou amizade, “com capital feminino, celebridades podem festejar com executivos e jantar com bilionário. Clientes aproveitavam o capital feminino para obter convites para festas que poderiam resultar em enriquecimento financeiro promoções.”
Em outras palavras, as garotas se tornam uma moeda que permite a entrada em boates um assento em jantares ou convites para iates. Em um mundo onde dinheiro não é problema, bilionários negociam com capital feminino. Em uma casa nos Hamptons, Mears encontrou 20 garotas morando no local para que seu anfitrião “tivesse um fluxo constante de convites para as festas mais exclusivas da cena VIP dos Hamptons”.
Elas mesmas não estão impressionadas com os gastos excessivos, diz Mears. Mas então eles têm acesso a um mundo exclusivo sem pagar. “É poder sair com amigos e ter alguém lhe dizendo, ‘Você é linda’, então não precisa pagar por nada”, disse Nora em uma entrevista com Mears.
O atual circuito global de festas
Além de ser, francamente, bizarro e estranhamente atraente, por que tudo isso importa? Quem se importa se os bilionários estão gastando seu dinheiro suado, ou não tão suado, em extravagâncias inúteis? Deixe eles.
E assim devemos. Mas também é importante nos preocuparmos com o fato de que esse gasto está escondido atrás de portas fechadas em boates ou offshore em iates e ilhas. Eles não querem que o mundo saiba sobre seus gastos secretos. “Os homens que entrevistei estavam em conflito com essa extravagância”, disse Mears. Um disse a ela que eles se arrependem depois: “É absurdo… Quer dizer, você sabe quantas pessoas você poderia alimentar ou dar água na África.”
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Eles estão em conflito porque sabem o que esse excesso em um mundo de desigualdades cada vez maiores significa. Em termos sociológicos, esses gastos estão se tornando um tabu. E agora mais do que nunca.
“Very Important People” foi escrito antes da pandemia de coronavírus, mas a Covid-19 o torna ainda mais relevante. O isolamento social ampliou a desigualdade à medida que as famílias mais pobres perderam empregos e enfrentam crises em suas economias. Enquanto isso, os ricos vão ficando mais ricos, com uma demanda reprimida por festas, garotas e glamourizações que diminuíram após o início da pandemia.
Nada poderia estar mais fora do lugar do que um retorno repentino ao circuito global de festas pré-coronavírus. Talvez, durante sua pausa temporária, os ricos possam rever seus estranhos rituais. Afinal, o segredo deles foi revelado.
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