Em um momento onde não se pode rebolar por aí, resolvi escrever sobre esta uva, que atinge interessantíssimas notas aromáticas, cultivada em um solo pobre, seco e íngreme. Quase que tirar leite de pedra!
Seu local de origem é a fronteira entre Collio na Itália e Brda na Eslovênia, sendo que a Eslovênia detém 70% do cultivo. Uma uva antiga, do século 13, que passou por duas guerras e uma praga, a filoxera, e manteve-se viva graças a sua particularidade de sobreviver em situações extremas. Uma das uvas mais antigas que pode gerar um vinho leve e fresco, pode ser usada em blends para despertar o potencial de outras uvas e pode, também, ser incrível no envelhecimento em barrica e ânfora, maceração e vinho laranja.
O que é o vinho laranja? É o vinho feito com uva branca usando o mesmo processo do vinho tinto. As uvas são utilizadas em sua completa forma, às vezes com cacho e tudo, e feita a maceração – diluir no mosto o líquido que está nas partes sólidas. Essa maneira de produzir o vinho laranja é a mais antiga que existe e vem do Cáucaso. As uvas podem macerar por dias ou meses, dependendo do produtor.
O tanino é extraído da casca e, diferente dos brancos, os vinhos laranjas se beneficiam da presença desse na hora de harmonizar refeições mais ricas como carne vermelha. Um vinho aromático, completamente diferente do que se espera, com nuances de oxidado, um mix de Jerez e conhaque (sem o álcool todo), que vai evoluindo na taça e abrochando diferentes sensações, com álcool moderado e às vezes com uma salinidade, mineralidade e se não for bem feito, amargor. Vinho ousado que pode ser servido com comida marroquina, da Etiópia, coreana, japonesa e aquela da sua imaginação.
Um dos grandes responsáveis por colocar esta categoria de volta no mapa foi Gravner, em Oslavia. Seu site é riquíssimo e ele segue os ciclos da lua e respeita a natureza em todos os seus aspectos. Com ânforas recuperadas na Geórgia, ele foi, como todo jovem, curioso e quis implementar todo tipo de tecnologia. As ânforas enterradas em sua vinícola, chamadas Qvevri, foram as vencedoras do objetivo de vinho que ele estava buscando. Se algum dia surgir uma curiosidade e, um extra orçamento, recomendo experimentar, ao menos uma vez na vida, este vinho laranja que ele produz. Um que tenha pelo menos uns cinco anos de vida, se for 10 melhor.
Os vinhos laranja estão sendo produzidos na Itália, Eslovênia, Brasil, na Califórnia, França, África do Sul, Áustria, Austrália e Long Island e experimentados pelo mundo afora (no site da Madeline Puckette, o “Wine Folly”, ela tem todos os produtores por país). Para os produtores, às vezes fala-se em vinho da liberdade. Sem regras, apelações, tempo de maceração etc., cada um segue seus sentidos.
No Brasil podem ser achados na de la Croix, Vinho Mix, Decanter, na Wine Soul com a Ana de Andrade e, se estiver em falta, ela dá um jeito de achar!
O vinho laranja já foi alvo de muitas polêmicas. “Ahh mas não é laranja, é maceração.” Mas daí confunde, certo? Não é suco de laranja misturado, não vem da laranja, não tem nada a ver com a fruta. É simplesmente uma nomenclatura que foi dada a esta categoria de vinho para poder organizar a cabeça do consumidor. Branco, tinto, rosé, azul, rosa, laranja, o arco-íris todo para colorir nossa vida. E a cor ajuda na hora de separar os conceitos, na prateleira, na pesquisa, na harmonização.
Com o outono cessando as chuvas, esfriando as temperaturas, alaranjando a paisagem, este vinho pode ser uma distração, uma retomada na história, uma viagem mental bebendo em cada taça a força dessa uva que carrega no DNA o Cáucaso, a luta, a escassez, a secura. Essa força se expressa em peso na sua alma, mas emana somente os aromas do processo, os aromas de prazer, de vitória, de propriedade, típico daqueles que não desistem, não importem as circunstâncias.
Tchin tchin!
Carolina Schoof Centola é fundadora da TriWine Investimentos e sommelière formada pela ABS, especializada na região de Champagne. Em Milão, foi a primeira mulher a participar do primeiro grupo de PRs do Armani Privé.
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