A notícia de que um adulto pode ter cometido violência recorrente contra uma criança de quatro anos de idade e que essa violência pode ter causado a morte dele levou milhares de pessoas à comoção. Como psiquiatra, não posso sequer arriscar um diagnóstico sem conhecer e conversar com aquele indivíduo. O que eu posso é chamar você, leitor, a uma reflexão.
O que leva um adulto a agredir uma criança ou um idoso, justamente as faixas de população que merecem atenção especial porque são mais frágeis e têm praticamente nenhuma capacidade de defesa? No caso de crianças e de idosos, geralmente quem comete essa violência é um conhecido, alguém em quem esses grupos de pessoas confiam: os próprios pais ou padrastos/madrastas, filhos ou cuidadores (no caso de idosos). A violência não é exclusivamente física. Ela pode ser verbal, moral e psicológica. Machuca e tem o potencial de causar tanto trauma quanto a agressão física.
O que passa na cabeça desses agressores? Para a psiquiatria, esse é considerado um dos grandes desafios. No campo da saúde mental, não existe mais a ideia de que ou há ou não há uma doença mental. Hoje, se fala num enorme guarda-chuva que abarca todos os casos. Numa ponta, temos quem, de fato, tem um transtorno mental gravíssimo, no qual se inclui ouvir vozes, ter alucinações ou mesmo o desejo de se matar.
Na outra ponta, temos quem tem uma boa saúde mental, que tem qualidade de vida e não sofre com insônia, nem ansiedade, por exemplo. No meio, temos praticamente todos nós que convivemos com os nossos problemas para dormir, as nossas angústias, os nossos medos, as nossas dificuldades, os nossos problemas no trabalho ou nos nossos relacionamentos e que, vez ou outra, ficamos ansiosos. Apesar disso, aprendemos a conviver com essas nossas questões – alguns melhor, outros pior, evidentemente.
Entre esse grupo, que é composto pela maioria de nós, e o grupo dos que convivem com um transtorno mental mais grave, temos uma outra faixa de pessoas que tem o que chamamos de transtornos de personalidade. O transtorno de personalidade também é chamado de borderline, ou limítrofe, em português, porque está entre o grupo dos que funcionam bem em sociedade, quer dizer, dos que trabalham, estudam, muitas vezes se casam – praticamente todos nós – e quem é efetivamente doente. São pessoas que aparentam saúde mental, mas têm um componente psicopata, doentio.
São pessoas que muitas vezes não têm empatia nem remorso depois de cometer um ato de violência, dão pequeno valor à vida e à moral. Deixemos claro: esse não é necessariamente o caso do adulto a quem a polícia investiga pela morte da criança e ao qual é preciso investigar. É, entretanto, uma das formas como a psiquiatria muitas vezes explica casos de violência contra pessoas mais vulneráveis sem que, aparentemente, o agressor tenha se incomodado com isso ou tenha expressado qualquer arrependimento.
Há tratamento que possa fazer com que essas pessoas sejam mais empáticas, menos sádicas? Nem sempre. A verdade é que os especialistas ainda estudam o que faz alguém ser “bom” e não “mau” ou “cruel”. Há muitas teorias diferentes, nenhuma delas é consenso ainda. Creio que, como cidadãos, precisamos estar atentos a esse tipo de comportamento e denunciar qualquer tipo de violência cometida contra terceiros.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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