Nove horas da manhã. Assim, com uma pontualidade quase religiosa, chegava à empresa onde trabalhava, naquele que parecia ser mais um dia comum. Mas aquela não era uma manhã como outra qualquer. Há menos de 24 horas eu tinha enfrentado um dos momentos mais devastadores que uma mulher que sonha em ser mãe pode passar. Eu havia sofrido um aborto espontâneo. O primeiro de dois, pelos quais passei antes de engravidar da minha primeira filha, Manuela.
Naquele momento da vida, imaginava que uma profissional comprometida e apaixonada como eu, não poderia deixar um episódio – qualquer que fosse ele – atrapalhar sua dedicação à carreira. Sempre acreditei que trabalhar muito, e agradecer por aquilo, era o mínimo esperado. Uma atitude que fazia muito sentido, não só dentro da minha família, mas em toda uma geração, que cresceu sob uma cultura de subserviência ao trabalho.
Por tudo isso, ao chegar na empresa, naquele dia, estava firme em meu propósito de não compartilhar o ocorrido com nenhum colega, gestor, nem mesmo com o RH. Não me sentia segura. Especialmente, não queria parecer frágil. Quando olho para trás, acho triste pensar que, há apenas 14 anos, o mundo corporativo não abria espaço para falar sobre as dificuldades que a vida nos apresenta. O mais triste é saber que, em muitos lugares, a realidade ainda continua a mesma.
Embora estivesse determinada a aparentar estar bem mais forte do que realmente estava, não pude conter as lágrimas, quando o Felipe e Isadora (meu amado time) chegaram ao escritório. Tomei a decisão de contar para eles o que havia acontecido. E, mesmo com a pouca experiência de seus vinte e poucos anos, me escutaram com atenção, sobre a dor insuportável que estava sentindo, e me acolheram da forma mais generosa que se possa imaginar. Era um dia de luto.
Em maio de 2009, a tão desejada e esperada maternidade aconteceu. Com ela, o renascimento, e a sensação de me sentir absolutamente empoderada, de uma forma tão intensa que voltei ao trabalho com o desejo de conquistar o mundo. Essencial enaltecer aqui meu marido, Marcão, que colocou em prática o conceito “share the load”, e dividiu comigo as responsabilidades que, sim, deveriam ser compartilhadas entre mães e pais. Uma delas, inclusive, virou umas das minhas lembranças dessa época que mais me emocionam. Durante o primeiro ano de vida da Manu, ele foi o responsável por todos os seus banhos. Hoje, a relação entre pai e filha é de muita cumplicidade. Sorte? Acredito que não.
Passados 3 anos, estava na minha segunda licença-maternidade, dessa vez da Isadora. Recebi, então, a ligação do presidente da empresa em que trabalhava. Ao contrário do que pode ocorrer, quando mulheres saem de licença-maternidade e ouvem: “sinto muito, não temos mais a sua posição disponível”, ele ligou para me promover ao cargo mais alto que poderia ocupar na minha área. Lembra que falei sobre conquistar o mundo? Foi esse sentimento que vivenciei em plena licença-maternidade.
Acho importante pontuar que, se não tivesse me preparado, com muito estudo, disciplina, determinação e resiliência, esse momento mágico jamais teria acontecido. Nesse caso, a ordem dos fatores, sim, alterou o resultado.
Entre a experiência traumática da perda e o nascimento das minhas duas filhas, uma coisa estava clara na minha cabeça: eu queria seguir impactando, positivamente, as pessoas – dentro e fora da corporação – e trabalharia para que isso acontecesse, todos os dias da minha vida. Analisando agora, com o distanciamento devido, entendo que os danos são vitais para o nosso crescimento pessoal e profissional. É necessário coragem, e uma rede de apoio, para encarar os percalços no caminho. Nesse ponto, compartilho a opinião da psicoterapeuta Virginia Satir quando diz “A vida não é o que se supõe que deveria ser. É o que é. A maneira de lidar com ela é o que faz a diferença”.
Permita que os acontecimentos te transformem.
“Ser forte não significa exercitar os músculos. Significa encontrar seu próprio brilho sem fugir, vivendo ativamente com a natureza selvagem de uma maneira própria. Significa ser capaz de aprender, ser capaz de defender o que sabemos. Significa se manter e viver”. Este é um dos meus trechos favoritos do best-seller “Mulheres que correm com os lobos” escrito na década de 90 pela Psicanalista Jungiana Clarissa Linkola Estés, que nos convida a olhar para dentro, fazer perguntas a si mesma e desatar nós.
Assim como a maioria das brasileiras, tive 4 meses de licença maternidade e vivi a angústia de ter que voltar a trabalhar tão cedo. Vale lembrar que muitas mulheres não conseguem, nem ao menos, concluir sua licença maternidade por medo de perder seu emprego. E isso sem dúvida é uma violência. Prometi que usaria minha influência e privilégio para gerar mudanças na vida de outras mães e famílias. Por onde passei, implementei, por 2 vezes, a licença maternidade estendida de 180 dias. Uma ação benevolente ou pura empatia ? Não, apenas um ato de responsabilidade e obrigação.
Outra conquista, como líder, foi promover, nos Estados Unidos, uma colaboradora grávida de 5 meses, seguida de uma licença maternidade-remunerada. Vale lembrar que os EUA são um dos países mais atrasados em relação aos direitos de licença-maternidade. São apenas 12 semanas não-remuneradas e apenas 60% das mulheres que estão no mercado de trabalho são aptas a receber esse “benefício”.
Entre danos e conquistas que a vida me trouxe, aprendi o quão importante é agradecer a cada pessoa que me impactou positivamente. Algo que deveria ser um ritual obrigatório no mundo corporativo. E, quando você chegar numa posição de liderança, retribua. Contrate, promova e valorize mulheres grávidas e com filhos pequenos.
Para finalizar, um conselho para líderes que querem reter talentos e crescer seu business: use seu coração. Mulheres que se sentem valorizadas são mais produtivas e não medem esforços para entregar suas metas. Eu fui uma delas.
Em tempo: O Felipe Zorzi é pai de dois meninos, empreendedor, e dedica a maior parte do seu tempo em ajudar empresas por meio de marketing digital e ciências comportamentais aplicadas. A Isadora Coelho (sim, o nome da minha filha foi por causa dela) virou borboleta. Agora, vive na Inglaterra, e se dedica ao marketing de impacto social, além de ser roteirista e storyteller. Sou muito grata por tudo o que ambos me ensinaram. E continuam ensinando.
Luciana Rodrigues é CEO e presidente da Grey Brasil, conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho MMA Brasil e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento. Ganhadora do prêmio Prêmio Contribuição Profissional 2021 na categoria Liderança.
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