“A gente busca muitas vezes na vida um perfeccionismo, um idealismo, que nos trava muito de ter relações autênticas, espontâneas. Eu acho que o grande legado da vida é as pessoas poderem interagir com pessoas autênticas”, afirma Pedro Sirotsky Melzer, cofundador e managing partner da Igah Ventures.
Ele é o convidado do oitavo episódio do Forbes GX Series, uma série de entrevistas comandadas por Flavia Camanho Camparini, especialista em governança familiar e estratégia de desenvolvimento humano, fundadora do Flux Institute e professora convidada dos programas do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), FBN (Family Business Network) e FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina). A série tem apoio da PwC.
Confira a entrevista:
Flavia Camanho: Pedro, quem é você e o que você faz no mundo?
Pedro Sirotsky Melzer: Flavia, superprazer participar deste bate-papo com você. Eu tenho 45 anos, sou gaúcho de Porto Alegre, casado com a Fernanda há 17 anos e tenho três filhos – a Isabela, de 13, a Eduarda, de 11, e o Francisco de 6. Faço venture capital desde 2010, depois de ter trabalhado na Apple nos Estados Unidos, morado na Califórnia, morado em Palo Alto, trabalhado em Cupertino. Quando eu quis vir para o Brasil para aproveitar essa grande oportunidade que o Brasil oferece e trazer inovação para o Brasil, investindo em empresas de tecnologia, que pudessem entregar maiores ganhos de eficiência para diferentes setores da economia do Brasil.
FC: Quando caiu a ficha deque você era membro de uma família empresária?
PSM: Sou da terceira geração da família Sirotsky, do grupo RBS, do Rio Grande do Sul. O grupo RBS, como você sabe, é um grupo de comunicação, um grupo jornalístico, que tem um papel superimportante na comunidade do Rio Grande do Sul. Isso, desde muito cedo, tendo tido a oportunidade de conviver com meu avô Maurício, fundador da empresa, com seu irmão, Jayme, também fundador do grupo, com os meus tios, com o meu pai, com a minha família como um todo, sempre tive muito presente nesse ambiente de empresa familiar, nesse ambiente onde, nas oportunidades de almoço e de jantar, a família misturava assuntos amenos, assuntos de família, assuntos divertidos, mas sempre tinha uma pitada de business, sempre tinha uma pitada dos desafios da empresa, das oportunidades, dos impactos que nós estávamos gerando, dos acontecimentos, dos profissionais que nós estávamos contratando, do crescimento da empresa, dos desafios da empresa.
Então desde muito cedo eu vivi esse ambiente de uma empresa familiar e desde muito cedo eu entendi a responsabilidade de uma empresa familiar para que as gerações seguintes possam dar continuidade, independente de trabalhar ou não no grupo.
FC: Como você encontrou o seu lugar no mundo?
PSM: Superinteressante essa pergunta, porque é normal muitas vezes um membro de uma família, em função da tradição da família, em função da tradição do grupo empresarial, não encontrar o seu lugar no mundo. Eu tive o grande privilégio de o meu pai, que está superbem ainda, ter sido muito enfático em estimular os filhos [para] que buscassem o seu espaço, que buscassem as suas aptidões.
Isso foi muito importante para mim, porque não houve de forma alguma uma pressão para que nós nos preparássemos para a empresa familiar. O que houve, sim, foi um grande incentivo que nós prestássemos atenção naquilo que nos trouxesse mais felicidade, que tivesse coerência com as nossas aptidões, com o nosso estilo, com a nossa forma de agir, e que a gente tivesse a intenção e gastasse o tempo se preparando para a vida. Obviamente havendo uma convergência de interesses da empresa familiar com os nossos interesses individuais seria ótimo que um membro da família pudesse participar da empresa familiar, participar do grupo, dar continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido pelos demais membros da família, mas o grande empurrão que eu recebi na minha vida foi de descobrir o que eu queria fazer da minha vida.
Isso foi muito interessante, porque eu, muito cedo, ainda na faculdade, quis empreender. Tive algumas experiências no varejo do Rio Grande do Sul. Isso me mostrou uma série de habilidades que eu tinha, de atrair gente, de tirar um negócio do chão, de contratar gente, de treinar gente, de saber enfrentar as dificuldades do negócio no varejo, que é muito difícil, que é muito complexo. Ter que gerenciar o tempo da escola com isso, mas foi muito importante para eu começar a descobrir quem era o Pedro e qual o meu lugar nesse mundo, naquilo que, de fato, poderia me permitir construir coisas, e não simplesmente seguir coisas.
Eu acho que a beleza de participar de um grupo familiar, de pertencer a um grupo familiar, é essa combinação, onde você tem referências espetaculares, você tem um exemplo, você tem um grupo que tem uma importante relevância no Brasil como um todo, (que) construiu um grupo de mais de 60 anos, que gerou empregos, que divertiu as pessoas, que informou, que entregou o jornalismo com excelência, que contratou gente brilhante, que construiu um patrimônio, que virou referência em muitas das coisas que fez. Isso é maravilhoso, mas isso é apenas um componente do menu da vida, que cada membro familiar tem que ir buscar.
Eu acho que tive esse incentivo desde muito cedo, de olhar para esse grande menu da vida e entender que esse componente familiar é parte do menu, mas não é o menu da minha vida. Então naturalmente eu fui galgando, construindo as coisas, determinando os meus planos, quis estudar nos Estados Unidos, fazer um MBA nos Estados Unidos, quis trabalhar nos Estados Unidos.
Ter tido a oportunidade de trabalhar na Apple foi muito importante para mim, não somente porque é uma empresa espetacular. É uma empresa inovadora, uma empresa referência, uma empresa moderna, uma empresa com diversidade, com todos os tipos de profissionais e de seres humanos. [Foi uma oportunidade] de me testar também, de saber qual era a minha real qualidade como profissional, a minha real capacidade de me relacionar, tendo uma cultura brasileira em um ambiente americano com pessoas do mundo todo.
Isso foi muito importante para eu ganhar essa independência como ser humano, como eu falei, para construir o meu pacote, para construir o meu estilo, carregando as coisas legais da família, mas não me limitando às questões da família.
FC: Qual conselho você daria para membros de família empresária encontrarem o seu lugar?
PSM: É justamente prestar a atenção em não se limitar às questões da família. Acho que a família é uma grande fonte de inspiração. Ela entrega para os membros da família muita coisa legal, valores, tradições, memórias espetaculares, que nos ajudam a construir a nossa personalidade. Isso é fantástico, mas [é preciso] saber usar isso para construir a nossa história e prestar atenção naquelas nossas crenças, que, muitas vezes, a gente carrega a vida inteira e que são apenas crenças, não necessariamente realidade.
Se nós tivermos a coragem, a oportunidade, tivermos a sabedoria de procurar entender qual é a nossa realidade, nós vamos lutar pelos nossos sonhos. O que eu vejo muitas vezes é uma luta constante, uma luta intensa, uma luta cansativa, com sonhos que não são os nossos. Demorar para ficar velho, demorar para chegar e no final da vida e se dar conta que a gente passou tanto tempo buscando coisas que não são as nossas verdades, que não são os nossos sonhos, que não são coisas coerentes com aquilo que bate o nosso coração, é uma pena. Vá buscar a sua identidade, vá buscar a sua verdade, vá buscar o que lhe pulsa o coração, o que lhe traz paixão, porque vai ser muito mais fácil viver assim.
FC: Como você está construindo o seu legado?
PSM: A gente busca muitas vezes na vida um perfeccionismo, um idealismo, que nos trava muito de ter relações autênticas, espontâneas. Eu acho que o grande legado da vida é as pessoas poderem interagir com pessoas autênticas, com as qualidades, com as suas virtudes, com os seus defeitos, com as suas limitações, e essa é a beleza da vida.
Quando você pensa em legado, não é o patrimônio financeiro que estou construindo para os meus filhos. Não é necessariamente o êxito da Igah Ventures, que é a nossa plataforma de venture capital. Não são esses elementos que eu considero que é o legado que eu estou deixando para a minha família, que estou deixando para os meus filhos, e sim a forma como estou vivendo, a minha capacidade de evoluir. É eu olhar um problema sério e encontrar uma alegria, encontrar uma oportunidade de transformação, é acolher o sofrimento, acolher o medo, acolher o desafio, mas olhar de uma maneira um pouco mais serena e encontrar uma oportunidade ali.
Com essa autenticidade mostrar para os meus filhos que eles também tenham a coragem e a vontade de pegar as coisas legais que eu entreguei para eles e descobrir outras coisas legais que vão fazer deles pessoas felizes. Isso, para mim, é o principal legado. É esse jeito de olhar a vida, esse jeito de agir, esse jeito de buscar sempre uma evolução para que a gente seja seres humanos melhores.