Os jovens estão bebendo cada vez mais cedo. Quase 56% dos adolescentes entre 13 e 15 anos já provaram uma bebida, de acordo com a edição mais recente da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), de 2019.
Será que esses jovens foram influenciados por pais que bebiam quando eles eram crianças? É muito difícil afirmar isso, porque, na adolescência, além da influência dos próprios amigos (o ambiente), há também outro fator em jogo: as mídias sociais.
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A motivação para começar a beber é um tema complexo e ainda pouco estudado, ao menos no Brasil. O que se pode afirmar é que a maneira como um jovem bebe, ou seja, a sua relação com o álcool, recebe grande influência do modelo de consumo de álcool dos pais.
Assim, se os pais passam a mensagem de que beber gera uma alegria excessiva, até falsa, que com o álcool a irritação chega mais fácil, que o tom da voz aumenta, que as discussões e brigas físicas são mais fáceis, que se pode “apagar” ou perder a memória, é provável que, mais tarde, essa criança vá ter uma relação nociva com as bebidas alcoólicas.
Mas também é possível que esses comportamentos perniciosos fiquem marcados naquela criança e, mais tarde, ela fuja do álcool.
O que se espera é que os pais possam passar aos filhos que é possível, sim, haver um consumo moderado e ocasional de álcool, bem como, numa conversa franca, ensinar que beber além da conta traz diversos prejuízos para a saúde física e para a vida social e profissional.
O que os pais não devem, nunca, é tentar esconder ou fingir que não bebem. Mais cedo ou mais tarde, os filhos percebem a mentira. Além disso, há coisas que adultos podem fazer e que crianças não podem. Também é preciso considerar que cada cultura tem uma relação diferente com o álcool e não há nada errado nisso.
Eles também não devem fingir que não estão alcoolizados. Há evidências de que em torno dos três anos de idade as crianças já identificam a embriaguez de um adulto.
Elas não conseguem verbalizar que o pai ou a mãe estão embriagados, mas percebem que algo está errado e geralmente se afastam ou se refugiam no quarto.
Crianças que convivem com pais que bebem de forma nociva costumam não querer ir à casa de amigos, porque há uma reciprocidade entre colegas. Quem foi dormir na casa de um depois recebe o amigo para dormir em casa. Essas crianças evitam ir na casa de quem gostam porque, pela lógica da reciprocidade, não querem que um terceiro presencie o que elas testemunham em casa.
Há uma frase que eu gosto de repetir: o exemplo não é a melhor forma de ensinar algo a alguém. É a única forma.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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