Provavelmente, querido leitor, você já leu, escutou ou recebeu um vídeo com uma linda, e por vezes irritante, musiquinha de fundo com essa clássica receita de felicidade, tão ao gosto da filosofia de autoajuda.
Será que ela é realista? Infelizmente, ninguém consegue viver apenas o hoje. Temos uma estrutura cerebral, o córtex pré-frontal, que é especialista em refletir sobre o passado e conjecturar sobre o futuro. Não é possível desligar o nosso córtex e passar a pensar como uma zebra.
Como espécie, só chegamos até o atual estágio de desenvolvimento porque conseguimos refletir sobre nosso passado e corrigir nossas ações para o futuro. Os grandes avanços civilizatórios e tecnológicos da raça humana foram feitos a partir de tentativas e erros, da reflexão sobre o passado e projeção do futuro, ou seja, projetar aquilo que ainda não é real, aquilo que só existe em nossa imaginação.
A ideia de privilegiar o presente pode nos ajudar desde que a coloquemos na perspectiva correta. Focar um pouco mais no presente, evitando sofrer com o passado e sem ter preocupações excessivas com o futuro é um bom conselho.
A fábula “A Cigarra e a Formiga”, costumeiramente atribuída a Esopo, há gerações transmite o valor do trabalho duro da formiga e o castigo da cigarra preguiçosa, que em algumas versões morre de frio por ter passado o verão cantando, sem se preparar adequadamente para o inverno hostil.
Ao focarmos excessivamente no futuro, corremos o risco de não aproveitar o presente, como parece ser o caso das formigas. Mas se formos apenas cigarras podemos, como na fábula, sofrer as consequências no futuro. O equilíbrio deveria ser a solução, mas é difícil alcançar esse ideal.
Existem pessoas que são mais focadas no presente e outras que têm uma tendência a pensar mais no futuro. A criação, a história de vida, o ambiente, o clima – como no caso da fábula–, o momento econômico em que as pessoas foram criadas e vários fatores externos contribuem para formar indivíduos mais orientados ao futuro ou mais focados no presente.
Um pouco mais controversa é a ideia de que a genética também afeta a forma como fazemos nossas escolhas intertemporais.
Eu sempre fui uma pessoa focada no futuro. Nunca tive dificuldade em poupar, sempre fui previdente e bastante cuidadoso com minha saúde. Consegui chegar aos 60 anos com uma boa forma física e com uma reserva financeira que já pode garantir uma aposentadoria tranquila.
Seria, portanto, o momento de abandonar meu lado formiga e deixar aflorar a cigarra interior. Mas aí vem o grande problema: como fazer isso? Como deixar de ser uma pessoa com foco no futuro e entender que agora ele não é tão longo como era no passado? Como domar meu córtex pré-frontal altamente treinado para poupar, fazendo-o entender que esse comportamento já não faz mais sentido?
Se você, caro leitor, é uma pessoa focada no presente, uma cigarra da fábula, talvez ache que seria muito simples para as formigas parar de acumular e se dedicar aos prazeres da vida. Infelizmente, não é assim tão simples.
Durante os vários anos que trabalhei com consultoria financeira, me deparei com pessoas que contavam com rendimentos significativos e tinham enorme dificuldade para poupar. Por mais que fossem alertadas de que não estavam se preparando adequadamente para a aposentadoria, continuavam gastando como se não houvesse amanhã.
No outro extremo, estavam as pessoas que viviam muito aquém das suas possibilidades, se dedicando com afinco para montar um significativo colchão financeiro para seu futuro. Para muitos desses clientes, tentei mostrar que não existia a necessidade de tanta poupança. É tão difícil fazer as formigas gastarem quanto fazer as cigarras pouparem.
Esta coluna é direcionada ao público 50+. Se você foi uma cigarra ao longo da vida, saiba que, mesmo não sendo o ideal, ainda dá para formar um bom pecúlio para sua aposentadoria. A pior postura é achar que agora já é tarde e continuar gastando como se você nunca fosse ficar velho, afinal, a velhice é muito mais visível agora do que quando você tinha 30 anos.
Se você é como eu, uma formiga, entenda que já não é tempo de guardar os melhores vinhos para tomar no futuro. A hora é de valorizar mais o presente.
Como não canso de dizer, só existem dois erros na vida: economizar muito e morrer cedo ou economizar pouco e demorar para morrer. Um bom planejamento financeiro é aquele que minimiza a chance de errar muito para algum dos extremos.
Equilíbrio é a palavra-chave, mas como ele é difícil de ser alcançado, não é mesmo?
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Escreve sobre Finanças 50+ quinzenalmente, às quintas-feiras. Instagram: @jurandirsell. E-mail: [email protected].
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