Eu quero contar uma história que passei a viver. Antes do período de isolamento, quando eu praticava esportes de manhã bem cedo (para alguns, de madrugada), eu costumava dormir por volta da meia-noite e acordava em torno das 4h30, quando ia para os treinos às 5h e pouco. Eu acordava muito bem, mesmo com poucas horas de sono.
Com tudo fechado e a necessidade de nos isolarmos, a minha rotina esportiva mudou e o meu padrão de sono também. As quatro/cinco horas de descanso começaram a crescer para seis, sete e até oito horas por noite.
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Acontece que cerca de um ano e meio atrás, eu passei a me levantar em torno das 4h da manhã para ler os meus jornais favoritos. Uma hora depois, voltava para a cama e dormia gostoso até umas 7h/7h30.
Esse padrão em que se “divide” o descanso na cama em duas etapas é chamado de sono segmentado. Era como quase todas as pessoas repousavam antes da Revolução Industrial, período da história que trouxe a disseminação da luz artificial nas cidades, o que atrasou a hora de ir para cama, e viu surgir o horário de trabalho, obrigando as pessoas a acordarem cada vez mais cedo.
Com isso, passou-se a dormir de uma tacada só a noite toda. Esse é um comportamento recente, se comparado a como se descansava antes dos idos de 1700, quando boa parte das pessoas ia para a cama quando o sol se punha, acordava em torno da meia-noite para comer, conversar, fazer sexo, e retornava para a cama até o sol raiar.
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Sono segmentado (ou polifásico, como também é chamado) não tem nada a ver com sono fragmentado, que é o tipo de repouso entrecortado. Dorme-se, acorda, luta-se para fechar os olhos de novo e até consegue-se, para voltar a despertar logo depois e acordar exausto. A fragmentação do sono está associada à péssima saúde emocional, física e mental, com risco maior de desenvolver ansiedade e depressão.
Dividir o sono em duas etapas funciona para todo mundo? Não. Passou a funcionar muito bem para mim e talvez funcione para quem tem dificuldade para dormir a noite toda e fica ansioso porque acorda de madrugada, mas não é possível universalizar a minha experiência nem a dessas pessoas.
O que dá para dizer é que o sono é adaptável. Adotando algumas rotinas diárias, é possível preparar o seu corpo para dormir. E a qualidade do sono vai se tornando cada vez melhor. É o que se denominou de higiene do sono. Para alguns insones leves, criar uma rotina que os permita dividir o sono que já era difícil em dois, eliminando a ansiedade de acordar no meio da noite da equação, pode ser uma boa alternativa. O importante, quando se fala de sono, é a consistência.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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