Qual o risco de investir em ações? Esta é uma pergunta que eu sempre respondi, no mínimo, umas cinco vezes por dia. Agora, com todas as incertezas trazidas pelos conflitos entre Rússia e Ucrânia, essa dúvida se tornou ainda mais frequente.
É uma preocupação legítima, afinal, a renda variável é onde se encontram as melhores oportunidades de crescimento patrimonial, mas é também onde estão os maiores riscos ao patrimônio do investidor.
Para investir em ações, há algumas premissas que devem ser levadas em consideração o tempo todo, independente dos acontecimentos. Afinal, em um mundo onde todas as economias estão interconectadas, sempre estará acontecendo algo com potencial de interferir nos resultados de empresas.
Leia mais: Como começar a investir em ações?
Entre as empresas de capital aberto, existem setores mais resilientes e outros mais instáveis. Portanto, entender a dinâmica do mercado é importante para gerenciar suas escolhas e calcular os riscos que está disposto a correr ao investir.
Alguns riscos são inerentes a determinados segmentos, mas existem aqueles comuns a todos, pois impactam a economia de forma mais ampla, como por exemplo, a atual situação do Leste Europeu.
Não pretendo abordar conceitos clássicos de riscos sistêmicos e não sistêmicos e nem aprofundar conceitos sobre ciclos econômicos. O tema é bem rico e com ampla literatura desde Keynes. Sendo assim, se você tiver oportunidade de pesquisar, irá perceber o quanto o entendimento da teoria pode ajudar a ver o sistema financeiro e a lógica dos mercados de forma bem mais clara.
Como você sabe, minha missão é eliminar o “economês” e aqui pretendo pontuar os principais riscos que podem influenciar no valor das ações das empresas.
Continue a leitura e veja que, diferentemente do que a maioria pensa, os fatores que influenciam a renda variável não são mistérios restritos a quem está no dia a dia do mercado financeiro. Ao contrário disso, são acontecimentos do cotidiano de todos nós e que estão presentes nos noticiários o tempo todo.
Inflação e taxa de juros
As empresas necessitam de capital para investir no negócio e crescer, portanto, quanto maiores as taxas de juros do financiamento de capital, maior o custo de operação.
Via de regra, essa despesa com taxas de juros tende a ser repassada ao custo dos produtos e serviços. No entanto, em um cenário de inflação, em que o consumo já está retraído, temos a pior combinação possível: preços pressionados para cima pela elevação dos custos, vendas pressionadas para baixo pela perda do poder de compra dos consumidores.
O resultado disso pode ser um cenário de enfraquecimento da economia e de recessão e, a reboque, de queda dos preços das ações de muitas empresas.
Crise de reputação
Problemas de gestão envolvendo a conduta dos gestores, manipulação de resultados, fraudes, corrupção ou quaisquer outras questões de compliance podem derrubar a credibilidade de uma empresa e, por consequência, seu valor de mercado.
O custo de recuperação de imagem pode ser muito elevado e, em muitos casos, a recuperação pode simplesmente não ser possível.
Mídia negativa
De certa forma, tem a ver com o que citei acima, quanto à crise de reputação, mas não exclusivamente.
Em tempos de redes sociais e de notícias correndo o mundo em questão de segundos, um simples boato sobre quaisquer assuntos pode ser devastador para a imagem de uma empresa.
Notícias de assédio moral a funcionários, uso de mão de obra escrava, processos produtivos envolvendo matérias-primas potencialmente danosas à vida ou qualquer outro assunto que ganhe repercussão podem derrubar os resultados financeiros de uma empresa e, consequentemente, o preço de suas ações de forma momentânea ou prolongada, conforme o caso.
Alta ou queda dos preços de commodities
A variação dos preços de commodities tem um grande poder sobre os mercados globais.
Empresas que dependem de commodities como matéria-prima em seus processos industriais sofrem impacto negativo direto nos momentos de alta. Ao contrário delas, as companhias que comercializam commodities se beneficiam dos períodos de alta.
Contudo, o equilíbrio dessas forças é sempre muito tênue. Uma alta de preços de commodities além do provisionado pelas empresas pode causar retração em praticamente todos os setores da economia e não apenas no segmento diretamente afetado.
Aspectos fiscais, tributários e regulatórios
Quaisquer mudanças implementadas pelo governo podem beneficiar ou prejudicar fortemente uma empresa ou um setor da economia. É o que muitos economistas chamam de risco governamental.
Alterações relevantes na legislação, modificando as regras do jogo dentro de determinada cadeia de valor, podem mudar totalmente as características de um segmento. Além disso, a instabilidade causada por esse tipo de ingerência governamental pode afastar investidores.
Em situações assim, empresas menos resilientes e com menor capacidade de geração de resultados podem não ter tempo hábil (e caixa suficiente) para absorver os impactos e se recuperar.
Perda de competitividade
Em um mundo cada vez mais tecnológico, produtos e serviços tendem a ficar obsoletos com relativa velocidade.
Empresas não instrumentalizadas para acompanhar os avanços dentro de seu setor atualmente correm riscos muito maiores de desaparecer do que corriam há quinze ou vinte anos atrás.
Os mercados estão cada vez mais exigentes e ágeis, portanto, empresas com baixa capacidade de investimento em modernização e inovação estão mais vulneráveis ao risco de perda de mercado e, por conseguinte, de seu valor.
Conhecimento é poder
Eu sempre repito essa frase para os meus alunos. Ao dizê-la, normalmente, não estou me referindo exclusivamente ao conhecimento técnico e complexo sobre economia e mercado financeiro. Falo de todo tipo de conhecimento.
O simples hábito de ler o noticiário econômico por 20 minutos todas as manhãs já coloca você em vantagem em relação à maioria dos investidores iniciantes.
As informações estão todas disponíveis a um clique de distância. Se você tiver a disciplina de se manter bem-informado, reduz muito o risco de comprar um tremendo “mico de mercado” só porque alguém disse que é bom. O conhecimento adquirido ao se informar irá blindá-lo de seguir com a manada.
Os fatores econômicos que eu apontei neste artigo são apenas alguns entre uma infinidade de variáveis que têm o poder de determinar o tamanho do risco de investir em determinada empresa ou segmento.
Existe margem de segurança?
A verdade é que não há como investir em renda variável e não correr riscos. No entanto, é perfeitamente possível gerenciar esse risco. Há inúmeras ferramentas que podem te ajudar a mitigar perdas: análise gráfica, análise fundamentalista, proteção da carteira com derivativos, entre outras.
Entretanto, a primeira coisa a entender é que crescimento patrimonial é meta de longo prazo e, portanto, um horizonte temporal amplo coloca você em vantagem em relação a boa parte dos riscos que citei.
“No longo prazo, o maior risco é não correr risco”
Eu ouvi essa frase há pouco tempo, dita pelo Álvaro Dias, da SP CAP Investimentos, em uma entrevista, e eu concordo com ele. Garanto a você que, de posse de um bom planejamento para longo prazo, atenção permanente aos acontecimentos da economia e acompanhamento de análises feitas por fontes confiáveis, aos poucos você irá ganhar segurança para definir os percentuais de sua carteira que quer expor a cada tipo de risco e, dessa forma, extrair o melhor de cada cenário.
Eduardo Mira é formado em telecomunicações, com pós-graduação em pedagogia empresarial e MBA em gestão de investimento. É analista CNPI, certificado CPA10 e CPA20, ex-gerente do Banco do Brasil e da corretora Modal.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.