Sei que neste artigo vamos tangenciar um tema delicado. Na construção da carreira de um acionista que tem como objetivo se tornar um executivo na empresa familiar, trabalhar fora dos negócios de sua família é: mandatório, desejável ou pouco relevante?
Quando conduzo reuniões de Comitês de Interface Família-Negócio, ocasiões em que a família define as regras para as próximas gerações, sempre trago reflexões importantes a respeito dessa pergunta.
Iniciar uma carreira em um ambiente em que o peso do sobrenome não traz nenhum efeito colateral é bastante benéfico.
Saber e sentir que suas decisões profissionais serão os principais direcionadores da construção da sua carreira traz uma leveza e uma liberdade que só têm ganhos.
Receber feedbacks de líderes, pares e subordinados sem ter que se preocupar com as motivações dessas relações traz muito valor à construção de uma autoridade profissional. O feedback é um dos grandes recursos de desenvolvimento humano. Entender como suas atitudes e seus posicionamentos impactam o ambiente e as pessoas será sempre um norteador de aprimoramento.
E existe um ponto muito relevante nessa experiência externa aos negócios que é aprender como se portar, desenvolver uma etiqueta empresarial.
Aqui pode parecer um tema bastante irrelevante, mas posso dizer que é um ponto que, trabalhando diretamente com famílias empresárias por tantos anos, vejo como um dos maiores diferenciais dessa experiência.
Quando você só trabalhou em um ambiente familiar, em que os códigos da sua família são os que direcionam os negócios, por vezes envolvido diretamente nas decisões ou tendo uma fonte de informação constante, você pode desenvolver comportamentos enrijecidos e disfuncionais, assumindo que aquele modelo aprendido é o único válido.
Entender que as empresas têm seus ritos, seu ritmo, sua estrutura de decisão e que existem códigos que devem ser respeitados, é um fato que trará muito efetividade ao seu papel. Vejo que esse aprendizado será muito mais efetivo quando desenvolvido na interface com outras culturas e, principalmente, em ambientes em que sua condição profissional parte do mesmo ponto dos pares.
No entanto, não estou dizendo que construir uma carreira nos negócios da família não irá torná-lo um grande executivo.
Teria uma lista de nomes e exemplos dos grandes executivos que tive a honra de conhecer e admirar, que trabalharam unicamente em negócios de suas famílias, mas tenho total clareza de que tal construção exigiu dessas pessoas alguns passos bastante diferenciados: uma busca ativa de ferramentas de desenvolvimento profissional; uma visão muito consciente de sua condição de acionista; um investimento em autoconhecimento; e uma constante e sistemática busca de feedbacks efetivos.
Então, a experiência fora dos negócios da família é mandatória?
Não diria que é mandatória: assumiria que é fortemente recomendada.
Flávia Camanho é conselheira, mentora e coach. Especialista em desenvolvimento humano e governança familiar. Fundadora da Flux Institute. Professora convidada do IBGC para programas de governança e Next G.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.
Coluna publicada na edição 93 da revista Forbes, de dezembro de 2021