Será que é possível transformar a cultura de uma empresa? Se sim, em que medida? A partir do quê? Dá para controlar o resultado dessa tentativa de mudança? Sejam quais forem as respostas para estas perguntas, o primeiro passo é identificar a cultura que existe, que já está lá – a despeito de intenções e palavras.
Estudando o tema cultura corporativa a princípio de uma perspectiva puramente jornalística, quando era repórter da editoria de carreira em uma revista, me concentrava em relatar os fatos, descrever o ambiente a partir do que via e ouvia das pessoas. Afinal, estava ali para isso – e não para interferir no contexto. Hoje, construindo a cultura da minha empresa e mergulhando na de clientes dos mais diversos setores e portes, percebo que essa abordagem é a que continua fazendo mais sentido para mim. Entender, traduzir e comunicar a cultura pode ser mais eficiente e poderoso do que tentar transformá-la ou adaptá-la a uma intenção do momento.
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Cultura é expressão, é reflexo, é manifestação. São hábitos, rituais, códigos, convenções ditas e não ditas praticadas durante certo tempo por um grupo de pessoas. Ou, nas palavras da especialista no assunto Carolyn Taylor, “Culture is the patterns of behaviour that are encouraged, discouraged or tolerated over time. It is what is created from the messages that are received about how people are expected to behave”. (“Cultura são os padrões de comportamento que são encorajados, desencorajados ou tolerados ao longo do tempo. É o que é criado a partir das mensagens recebidas sobre como as pessoas devem se comportar”, em tradução livre). Carolyn é fundadora da consultoria Walk the talk, autora do livro de mesmo nome (e tive a oportunidade de entrevistá-la).
A cultura não nasce junto com a empresa. Ela se revela à medida que o tempo passa. Não é apenas o que faz e fala o fundador ou a fundadora. Ela é o que as pessoas entendem, praticam, agregam. Ela é fruto do coletivo que, por sua vez, é o resultado nada matemático da combinação de atitudes e crenças de cada indivíduo (e suas complexidades), dia após dia.
Para conhecer a cultura de uma organização é preciso mergulhar nela. Compreender seus “personagens” – o que os move, no que acreditam, como se relacionam. Decifrar o que dizem não só as palavras, mas principalmente as ações e os silêncios. Decodificar os efeitos que causam.
Entendi o quão impactante pode ser encarar o retrato fiel da cultura na qual se está inserido a partir de um comentário de um entrevistado. Eu havia escutado seu depoimento e o de dezenas de outras pessoas para traçar um perfil o mais preciso possível de uma empresa. A reportagem foi capa e os entrevistados leram a própria história. “Parece que você esteve lá”, me disse uma pessoa. “Você capturou a essência das dinâmicas”, disse outra. Mas o divisor de águas foi aquele entrevistado, que me contou, anos depois, ter revisto a própria conduta profissional depois de ler o artigo. Se o efeito de um retrato bem feito poderia ser tão terapêutico quanto o relato daquele homem, eu havia acabado de descobrir um novo valor para o meu trabalho.
Foi assim que decidi fazer estudos de cultura organizacional usando as ferramentas da comunicação – mais precisamente, do jornalismo investigativo e analítico.
Quando o primeiro cliente contratou o serviço, em 2016, mergulhei em livros sobre o tema e métodos consagrados de consultorias especializadas no assunto agora com novos olhos. Queria aprender com quem tinha mais experiência do que eu trabalhando para empresas. Ao notar isso, meu cliente me pediu para parar. “Chamei você justamente para ter um olhar diferente sobre isso”. Aquela fala foi importantíssima para validar o método que começava a ser desenvolvido ali, na prática. Então, segui em frente fazendo o que sabia: perguntando, ouvindo e organizando as respostas.
Anos depois, outra cliente ficou chocada ao saber que nosso método não partia de hipóteses para desvendar a cultura de uma empresa e que incluía aproximadamente 60 entrevistas, a maioria com mais de uma hora de duração. Partimos do escuro e vamos tateando, com abertura ao que se revelar. As respostas são principalmente dissertativas – e não alternativas, o que, sim, dá um trabalho imenso para analisar. É preciso entender para explicar, e não dizer “sim” ou “não” para ideias pré-concebidas.
O que nos guiou na direção do ilimitado foi uma mistura de lógica com intuição – como na maioria das vezes. Partir de hipóteses pode ser mais fácil e simples, mas também é mais restrito. A verdade não cabe em caixinhas etiquetadas com antecedência. É preciso primeiro desbravar para depois nomear. E a quantidade de entrevistas é suficiente quando as últimas começam a repetir muito do que já foi dito, sem revelar novidades e, portanto, não justificando mais a dedicação de tempo.
Quanto mais estudo o tema da cultura e conheço as culturas de diferentes organizações, mais clareza tenho de que não adianta tentar modificá-la de fora para dentro. Assim como não adianta tentar mudar as atitudes de uma pessoa sem entender o que as motivam e o que significam para ela. Comportamentos, narrativas e crenças são expressões – consequências, não causas. Mais eficiente é ter a coragem de colocar a cultura diante do espelho, reconhecer suas belezas e fragilidades. Encontrar na essência os traços que a fazem ser o que é, ir mais fundo do que um julgamento maniqueísta e se apropriar da humanidade que pode levar uma empresa para frente. Comunicá-la de forma clara e intencional para que todos que são parte dela possam reconhecer, alimentar e disseminar o que faz dela única.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
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