Quando um ou uma cliente deixa de ter tempo para atender a mim ou meu time, não necessariamente encaro isso como um mau sinal. Às vezes é verdade. O projeto deixou de ser prioridade ou a pessoa não está satisfeita com a entrega. Mas, muitas vezes, não é. Para saber, procuro sempre fazer uma leitura de cenário deixando a emoção na gaveta.
Para isso, repito sempre algumas perguntas:
- Em que estágio está o contrato? Início, meio, fim?
- Há quanto tempo não falamos sobre o andamento do trabalho? Quando ouvimos o último feedback desvinculado da rotina?
- Como foram as entregas recentes? O cliente gostou? Não gostou? Pediu muitos ajustes? Sumiu?
Importante dizer que meu negócio é prestação de serviço. Mais precisamente, construção de narrativa, apoio à comunicação, criação de conteúdo. São atividades que se aprendem, produtos que amadurecem e, portanto, problemas que se resolvem. E dão espaço para o surgimento de novos problemas – mais complexos, mais profundos.
Se o contrato está no início, talvez seja uma questão de ajustar a abordagem, encontrar a maneira certa de entrar na rotina de maneira suave, pegar o ritmo. Todo projeto novo passa por essa fase de adaptação até ganhar a consistência que vem com a disciplina, o hábito e a proximidade. Se o projeto está no meio, pode ser o momento de dar uma chacoalhada. Talvez tenha caído na inércia, se tornado chato para o cliente e precise de uma pausa estratégica para repensar a dinâmica. Se está no final, como chegou até ali? Tranquilo, sólido, evoluindo? Ou silencioso, no automático, sem tanta clareza dos objetivos e métricas? Todas essas informações contam sobre o contexto e sinalizam se há ou não motivo para preocupações.
Na dúvida, uma boa e velha conversa de feedback é sempre bem-vinda. Papo reto. “Está tudo bem? Você anda sem tempo para nossas reuniões e queria entender se tem algo a ver conosco, com nosso trabalho ou não?”. Ir direto ao ponto com sinceridade convida o interlocutor a fazer o mesmo. E, por mais que doa ouvir sobre os próprios pontos fracos, há sempre o que aprender. Ou, no mínimo, esclarecer. Não raro um mal-estar se deve a um ruído na comunicação. Ao não dito que virou minhoca na cabeça de alguém. Nunca me arrependi de propor uma comunicação profissional, clara e assertiva.
Deixar a emoção para outra hora é uma dica que me sinto com autoridade para dar. Porque se tem algo que sou é emotiva. Tive que aprender a não levar os sentimentos para o lado pessoal para ter uma visão mais lúcida do contexto e para agir com mais maturidade e profissionalismo. Nesse sentido, o jornalismo me deu uma ótima ferramenta: observar os fatos.
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Quando começo a ficar confusa entre expectativas, chateações, suposições e outras variações emocionais, falo para mim mesma: espera aí. Quais os fatos? De onde saímos e onde estamos agora? Leitura do cenário.
O cliente acabou de renovar o contrato? Demonstrou que está satisfeito com as entregas? Os feedbacks estão em dia, e a relação fluindo normalmente? A resposta positiva a apenas uma das alternativas anteriores já pode indicar que é preciso muita calma nessa hora. Sem conclusões precipitadas.
Com base na experiência de seis anos empreendendo o Atelier de Conteúdo, diria que há 90% de chance de que esteja tudo bem. O sumiço do cliente não deve ter nada a ver com você. Talvez – e essa é a melhor notícia – seja até um indicador positivo.
Pense comigo: com quem você mais se dá o direito de agir sem cerimônias? Geralmente, ficamos mais à vontade com quem temos mais liberdade e uma relação de confiança já estabelecida. Se tudo vai bem com o projeto, mas o cliente não tem nos dado a atenção do início, talvez seja porque passamos da fase de aproximação, de marcar presença, de checar cada entrega em tempo real no detalhe e até de dissolver os primeiros nós para conseguir focar em novos problemas.
Clientes aprendem conosco, e considero isso ótimo. Quando alguém não precisa mais da nossa ajuda porque agora consegue fazer o trabalho internamente, maravilha. Não desejo que ninguém dependa da nossa execução, mas que contem conosco quando surgir outro desafio de conteúdo e comunicação. Que nos indiquem para colegas, parceiros, conhecidos. Que nos vejam como parceiros estratégicos e conectados – e não como fornecedores que demandam seu tempo e atenção mesmo que não tenham nada a solicitar no momento.
Clientes sem tempo para seus prestadores de serviço podem ser, na verdade, parceiros maduros e um sinal de que estamos no caminho certo. Comunicação sem crises é boa comunicação. Poder priorizar a própria operação é sinal de que a pessoa ou a empresa está bem apoiada pelas parcerias que escolheu. Do nosso lado, nos desafiamos a ser flexíveis e encontrar maneiras menos invasivas de fazer nossas entregas com a qualidade de sempre, sem nos tornar mais uma demanda a ser cumprida pelos clientes em seus dias já tão corridos.
O que eu mais quero é que quem contrata nosso trabalho tenha a tranquilidade de tocar sua vida sem se preocupar em fazer sala, fiscalizar ou cumprir protocolos desnecessários. Sabe aquelas amizades que permitem horas de convivência em silêncio, mas com muito valor agregado e, quando é para falar, o assunto flui que é uma beleza? É uma boa comparação.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
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