Dar uma olhada nas redes sociais no meio do expediente — o que rapidamente subtrai minutos cruciais para as suas tarefas no trabalho. Ler uma informação online que arrasta você para uma sequência de itens irrelevantes e que rouba momentos preciosos com seus filhos no parquinho. E quando você finalmente coloca o celular de lado, nem lembra qual foi o gatilho que levou a esse consumo desenfreado de conteúdo online em primeiro lugar. Isso parece familiar?
Os exemplos acima ilustram o conceito de hackeamento da atenção, um dos objetos de estudo de Genesson Honorato, psicólogo e especialista em futuro do trabalho. Segundo ele, as tecnologias que permitem que possamos imaginar e nos expressar – a escrita, o rádio, a TV e mais recentemente, as diversas possibilidades oferecidas pela internet – têm fragmentado e desafiado a forma como nos conectamos e coexistimos em sociedade.
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Ao estudar áreas como programação neurolinguística e beber de clássicos como “O mal-estar na cultura”, ensaio célebre de Sigmund Freud, e literaturas mais atuais como “Teoria Social: um guia para entender a sociedade contemporânea”, de Willian Outhwaite, Honorato tem em seu radar diversas ideias e conceitos multidisciplinares que oferecem pistas sobre o hackeamento da atenção.
“Acredito que analisar este tema é olhar para a história que nos trouxe até aqui e, por isso, teorias humanas como a antropologia, sociologia, filosofia, psicologia são muito importantes. Tento sair da bolha da novidade desenfreada e olhar para outros campos de estudo”, pontua.
Falando em bolha, o especialista considera que é importante que discussões relacionadas ao seu tema de estudo cheguem em uma audiência mais ampla. Segundo Honorato, discutir ao que damos atenção de forma mais ampla é tão urgente quanto falar da tríade ESG (meio ambiente, social e governança).
“Quem toma decisões está tendo a consciência sequestrada em nome da indústria da atenção, uma manipulação que já vai além da publicidade e passa por um viés de construção social. É uma personalização que está fragmentando o olhar para o todo, e o diálogo entre as multiplicidades de pensamento e de vida”, ressalta o psicólogo.
Esta coluna conversou com Honorato sobre como o hackeamento da atenção tem impactado nossas relações, o que é possível fazer sobre isso, e quais desdobramentos podem estar no horizonte. Veja, a seguir, alguns dos melhores momentos da conversa.
Rumo Futuro: Como a economia da atenção está afetando as relações familiares e amizades na sociedade atual?
Genesson Honorato: A família é uma das células primárias da construção de sociedade, digamos que seja a nossa segunda bolha, já que a primeira foi o útero materno. Essa ‘célula’ tem sofrido com a fragmentação da atenção na medida em que as novas gerações, e até as gerações anteriores, estão olhando para tela em detrimento de se olharem, inclusive na mesa de jantar. A família como conselheira primária dá lugar ao vídeo da internet que diz como se deve fazer as coisas e isso tem um efeito amedrontador.
A construção de pensamento passa a estar na nuvem, em algum lugar que não sabemos onde. A manipulação do que vestir, comer, fazer e ser, acaba por tirar, ou no mínimo reduzir, a bolha familiar a um bando de gente chata que diz o que não se deve fazer gerando uma fricção nas relações familiares. Não é novidade ver familiares “cancelando” uns aos outros por conta de um post na internet, por conta de uma opinião, ou algo nesse sentido. Isso vale também para as amizades: o que passa a definir amizade não é mais apenas a escola, o time de futebol ou a(o) artista que mais gosta. Agora, os algoritmos também exercem esse “poder” sobre as pessoas. Tendo dito isso, a pergunta que podemos fazer aqui é: em qual bolha estamos e o que ela tem feito com a gente? Será que sabemos a resposta?
RF: Quais são as estratégias práticas que as pessoas podem empregar para proteger sua atenção e tempo do hackeamento diário?
GH: A primeira estratégia é a autoconsciência. Entender que sim, há uma manipulação da atenção em curso e que precisamos dar atenção a ela ao invés de apenas nos deixar levar. Entender que o celular é uma arma de desatenção em massa e mudar a maneira de se relacionar com ele pode ser o primeiro passo.
A boa notícia é que do ponto de vista prático, isso pode acontecer de formas simples. Desativar as notificações, não permitir o acendimento automático da tela. Uma coisa que faz diferença é olhar qual o tempo de uso da tela — hoje em dia a maioria dos sistemas operacionais oferecem essa informação, inclusive sobre qual app você mais utiliza. A partir disso, é sobre fazer um esforço para reduzir esse tempo. Delimitar os locais onde você não estará com o celular pode ajudar. Então, nada de celular no quarto ou no banheiro, isso já pode ajudar.
RF: Você acredita que a educação e conscientização sobre a economia da atenção podem ajudar a mitigar seus efeitos nocivos? De quem seria este papel?
GH: Vamos precisar de políticas públicas para isso, não apenas educacionais, mas de saúde pública também. Por exemplo, o que está acontecendo com nosso cérebro com o uso excessivo de telas? Estamos aprendendo como antes ou estamos nos tornando rasos? Quantas pessoas morrem ou se machucam no trânsito devido a atenção ao celular enquanto dirigem?
Este é um papel de todos nós, família, escola etc. Mas, obviamente, precisamos de leis atualizadas e, portanto, da atenção do Estado para esse enfrentamento, inclusive regulamentando as big techs e exigindo, por exemplo, o fim do scroll infinito e a mudança de cor das notificações. Já é comprovado que a notificação na cor vermelha ativa a dopamina no cérebro, sendo essa a substância do prazer. E prazer é o que o cérebro mais gosta, daí vem o vício. Em conclusão, notificações são o novo cigarro.
RF: Quais são as possíveis soluções que você visualiza para o futuro, onde a atenção humana pode ser protegida e preservada?
GH: A primeira solução vai ser o despertar para o valor da nossa atenção — estamos dando de graça o que vale dinheiro. Por exemplo, para além da ideia do celular ter uma câmera de ‘tantos megapixels’, de fazer vídeo em alta resolução, etc. Vejo esse aparelho sendo distribuído gratuitamente no futuro. Parece louco pensar nisso, mas sendo essa a principal ferramenta de captura da atenção, por que pagar por ela? Vejo essa como a próxima estratégia – até porque a máxima de “se o serviço é de graça, o produto é você” deve continuar.
Por outro lado, devem surgir também mais aparelhos que fazem o básico, como receber chamada e mandar mensagem, e que podem até fotografar e filmar, porém mais para registro do que para compartilhamento imediato. Aproveitando a analogia com o cigarro, que aos poucos foi sendo proibido em diversos lugares públicos, acredito que pode acontecer o mesmo com o celular. Restaurantes onde o celular é proibido, ou lugares diversos “mobile-free” são coisas que não acho tão difíceis de imaginar.