O agronegócio brasileiro está descobrindo a bolsa de valores e essa tendência deve acelerar a partir de 2021, à medida que a expectativa de um ciclo de alta das commodities e as vantagens comparativas do país deverão manter forte demanda do mercado por um setor ainda pouco representado na B3.
A surpreendente onda de companhias a caminho da estreia no mercado acionário doméstico, mesmo num ano de recessão provocada pela pandemia da Covid-19, desta vez trouxe consigo pelo menos sete negócios ligados a diferentes segmentos do agronegócio.
A fila inclui o grupo Fartura (de Hortifrut), a empresa de biodiesel Oleoplan, a Boa Safra Sementes, Vittia Fertilizantes e a Jalles Machado, de açúcar e álcool, além do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), que se dedica a melhoramentos genéticos da cana e tem também variedades transgênicas já aprovadas. A produtora de etanol de segunda geração Granbio suspendeu, em novembro, sua oferta por 60 dias, devido às condições adversas do mercado.
Para especialistas que o acompanham, o movimento mostra a percepção das empresas de que há uma lacuna a ser preenchida na bolsa brasileira.
Embora responda por mais de um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) do país, o agronegócio tem uma representação relativamente pequena na B3, com expoentes como Cosan, Biosev, São Martinho, Brasilagro, SLC Agrícola, Terra Santa Agro e Camil. Além, é claro, das gigantes de carnes, como JBS, BRF, Marfrig e Minerva.
“Como há um interesse muito grande por parte dos investidores para este tipo de ativo, as empresas do agronegócio começaram a ser provocadas pelos bancos e algumas delas perceberam essa oportunidade”, disse Pedro Freitas, executivo de banco de investimentos da XP, que está participando em quatro ofertas iniciais de ações (IPO) de empresas do setor.
Segundo ele, a queda do juro básico no país para o piso histórico de 2% ao ano e o crescente interesse de investidores por questões ambientais dentro do conceito ESG também ajudaram a formar um ambiente propício para empresas nacionais que consigam reunir também boa governança, rentabilidade e alguma experiência com o mercado de capitais.
De fato, para várias das que já manifestaram planos ou estão ainda preparando para IPO, a chegada à bolsa deve apenas concluir o trabalho de aproximação com o mercado financeiro, que incluiu apresentações prévias a investidores e emissões de títulos de renda fixa, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
Segundo números da Anbima, as emissões de CRA no Brasil somaram R$ 5,7 bilhões no primeiro semestre, ante R$ 4,9 bilhões na mesma etapa de 2019, versus R$ 2,1 bilhões na primeira metade de 2018. A expectativa de profissionais é de que esse mercado movimente R$ 7 bilhões neste segundo semestre.
Com a maior parte da lição de casa já feita, essas empresas agora têm pela frente um cenário promissor, considerando tanto o desempenho setorial no país – o PIB da agropecuária teve crescimento de 2,4% no ano até setembro, segundo o IBGE, ante queda de 5% da economia do país no período – como as expectativas para os próximos anos em nível global.
Segundo Vinicius Paiva, coordenador de fusões e aquisições na consultoria Céleres, a combinação de juro baixo com câmbio depreciado, que favoreceu as exportações brasileiras, criou condições para empresas do agronegócio crescerem e explorarem suas vantagens comparativas mundiais.
“O agronegócio sempre é o destaque da economia real, e agora os olhos da Faria Lima começam a se voltar para esse setor”, disse Paiva, referindo-se à avenida na capital paulista que em geral é conhecida por abrigar sedes de grandes bancos de investimento.
O especialista cita ainda que o ambiente mais favorável para ofertas de ações também deve ajudar a dar saída para grandes investidores institucionais que entraram no setor nos últimos anos. Ele citou o caso do Patria Investimentos, que comprou empresas na área de insumos agrícolas.
Promissor, mas arriscado
Para especialistas, o crescente interesse do mercado deve multiplicar a variedade de empresas do agronegócio brasileiro em busca de IPO, incluindo proteína animal, biotecnologia, manejo e posse de terras, maquinário, entre outras.
Ao mesmo tempo, o escrutínio crescente de investidores internacionais sobre negócios diretamente ligados ao meio ambiente deve restringir os casos de IPOs de sucesso a empresas preparadas para contar histórias robustas de boas práticas ambientais.
“Nós mesmos já recusamos coordenar ofertas de papéis de algumas empresas do setor porque percebemos que elas ainda não tinham essa capacidade”, disse Freitas. “Isso iria ser ruim para elas e para nós.” (Com Reuters)
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