Nos primeiros 100 dias da administração de Biden, o novo presidente dos EUA, assim como seus antecessores, está tirando do papel propostas de campanha. Dentre elas, a principal é levar o país para um mundo pós-carbono. Além da “equidade e inclusão econômica”, as mudanças climáticas estão na mira da Casa Branca. A expectativa é que o resto do mundo – como a Índia, a China, e em menor medida, a Rússia e o Brasil – um dia façam o mesmo, tornando o clima sua causa mais popular.
No documentário climático de Al Gore, “Under the Dome”, uma repórter da CCTV revela os problemas respiratórios de sua filha causados pela poluição em Pequim. Vá em frente, viaje para Pequim e olhe o banheiro do hotel. Aposto que há uma máscara contra poeira lá para caso o céu fique cinza com a fuligem das partículas de carvão.
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Para Biden, o cancelamento da construção da nova fase do oleoduto Keystone XL de Alberta para a região centro-oeste e uma proibição temporária de novas perfurações de petróleo e gás em terras federais não interrompeu a mudança climática nos EUA ou em qualquer outro lugar.
A China está produzindo mais usinas a carvão do que nunca.
Em seu novo livro: “O Prólogo: a megatendência de energia alternativa na era da grande competição de energia”, o vice presidente do Atlantic Council, Alexander Mirtchev, define define a energia alternativa como uma megatendência no que se refere à segurança nacional e como alavanca para países. Ele faz isso no contexto da nova rivalidade por poder entre o Ocidente e a China, particularmente.
Richard Evans, ex-CEO da empreiteira de defesa BAE Systems chamou o livro de “um estudo inovador”. Suas mais de 300 páginas são uma grande obra-prima do setor de energia do futuro. Ele avalia a multifacetada política de energia à medida que torna-se mais tecno-econômica, sóciopolítica e ideologicamente orientada. Se você acredita que o planeta está condenado em 12 anos, provavelmente será a favor do cancelamento em Keystone, do fim da perfuração de poços de petróleo e da produção de energia baseada em carvão. Por sua vez, também será favorável aos moinhos de vento, painéis solares e veículos elétricos. Mas se você não está preocupado com o planeta tornar-se inabitável dentro de uma geração, obterá todas essas coisas de qualquer maneira.
O que tudo isso significa?
Isso é o que Mirtchev procura abordar em “O Prólogo” ao apresentar o debate energético, seus vencedores e perdedores. Embora a capacidade da megatendência de desempenhar um papel estratégico no fortalecimento da segurança econômica global permaneça incerta, Mirtchev avalia que as tecnologias de energia alternativa prometem uma série de soluções para livrar o mundo de seus temores das mudanças climáticas.
De uma perspectiva econômica, essas novas tecnologias também podem “ajudar a estabilizar o sistema econômico global, criar e sustentar novas fontes de crescimento e otimizar o seu desenvolvimento”, escreve o autor.
Ao abordar a energia como questão de segurança, o autor afirma que a transição para uma economia pós-carbono pode levar a mais estabilidade econômica, já que haveria um maior nível de certeza quanto à disponibilidade de recursos, “o que é benéfico, já que quanto maior a incerteza, menos racional é o comportamento dos participantes do mercado”. Mirtchev também nos lembra das oscilações violentas dos preços do petróleo, especialmente na ocasião de dramas políticos no Oriente Médio.
Haverá mais empregos? E onde será isso? Essas são perguntas que Mirtchev não procura responder. Por enquanto, muitas dessas cadeias de abastecimento de combustíveis alternativos estão na Ásia, especialmente na China. E é apenas uma questão de tempo até que a Vestas, grande fabricante holandesa de turbinas eólicas, seja maioritariamente abastecida em suprimentos pela China – ou detida por ela.
A segunda maior fábrica de baterias da Tesla fica em Xangai. O quão difícil é imaginar que a empresa irá aproveitar a proximidade com a cadeia de abastecimento de lítio e passar a produzir suas baterias por lá? Até o momento, Musk prometeu não fazer isso, mas ele não vai ficar no comando da companhia para sempre.
Políticas domésticas corretas podem mudar este cenário, argumenta Mirtchev. “O desenvolvimento das energias renováveis, em conjunto com oportunidades de mercado e avanços empresariais, também pode estimular a criação de novas indústrias direta ou indiretamente envolvidas na cadeia de valor das energias renováveis, o que pode levar a novos paradigmas de crescimento econômico”, escreve ele. “O modo como esse processo catalisador vai ocorrer determinará os meios pelos quais a economia global se adaptará às mudanças resultantes.”
Fontes alternativas de energia têm sido discutidas há pelo menos duas décadas. Lembre-se de quando a British Petroleum informou que a sigla BP passou a significar Beyond Petroleum. A Royal Dutch Shell, a equivalente britânica da multinacional, está investindo em plantas eólicas ao longo da costa após sair da energia solar.
Apenas cinco anos atrás, seria difícil encontrar um Tesla fora da Califórnia, Nova York ou Boston. Agora, eles estão em pequenas cidades em todo os Estados Unidos. Dentro de 15 anos, os carros movidos a gasolina serão algo que só será visto em feiras de carros clássicos nos EUA.
Os Estados Unidos, a Europa e, cada vez mais, a China surgem como os maiores negócios e mercados de investimento para a transformação energética. Os mercados de capitais se formaram em torno das energias renováveis com uma série de índices de ações que acompanham o desempenho do setor, como o S&P Global Clean Energy Index ou o Nasdaq Clean Edge Green Energy Index. Bancos de investimento de Londres, como Schroders, e o BNP Paribas, com sede em Paris, proclamam seu status verde constantemente.
Os novos investimentos em energia renovável cresceram cinco vezes desde 2004. Uma mudança perceptível nos fluxos de capital para o desenvolvimento de energia alternativa “terá amplas implicações no futuro”, diz Mirtchev.
Muito desse impulso para mapear e reconstruir o mercado global de energia virá do governo, como está acontecendo na China. “O novo grande jogo de energia terá uma influência maior nos assuntos globais no século XXI do que ‘Star Wars’ teve no século XX”, escreveu Lord Peter Truscott, ex-secretário de Energia do Reino Unido, em sua crítica ao “ O Prólogo”, referindo-se ao termo “Star Wars” como a política da era Reagan de desenvolvimento de defesas por satélite contra a União Soviética.
De acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável, a participação do investimento público direto variou entre 12% e 16% do total aportado no setor entre 2013 e 2015 (em média US$ 40 bilhões), antes de cair para 8% em 2016 (US$ 21 bilhões). No entanto, a parcela real do financiamento público alocada para promover as energias renováveis é muito maior.
Quando várias frentes de despesas do governo são levadas em consideração, incluindo instrumentos regulatórios e incentivos fiscais, a parcela do financiamento público na Europa Ocidental em 2015, por exemplo, cresceu 55% do investimento total em energia renovável.
A Alemanha já terceirizou suas fontes tradicionais de energia, como o carvão, para a Polônia, e nuclear, para a França, desligando usinas nucleares e conectando-se a plantas eólicas e solares. Cerca de 50% da eletricidade total produzida a partir de essas fontes de combustível não fóssil em 2015 receberam alguma forma de subsídio. Os EUA são os próximos na fila, e certamente vão seguir os passos da Europa, dadas as preocupações do governo Biden com as mudanças climáticas.
O atual status de desenvolvimento da energia renovável é comparável ao do Projeto Apollo, segundo Mirtchev. A vontade política e a pressão da sociedade civil impulsionam essa megatendêcia, com as considerações econômicas e de segurança, frequentemente, ocupando o segundo plano em relação às preocupações políticas e necessidades práticas.
Para limitar o aumento da temperatura média a 2°C, a participação das energias renováveis na oferta energética primária precisa crescer cerca de 65% até 2050. Para que isso aconteça, estima-se um investimento total de US$ 25 trilhões em renováveis nos próximos 30 anos. Isso significa que os investimentos anuais ainda precisam triplicar de valor, mas a megatendência está ativa e nada ou ninguém à vista parece ser capaz de pará-la.
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