Ernesto Neugebauer, 63 anos, sempre viveu do cacau. Começou aos 17 anos, como classificador das amêndoas na empresa fundada pelo bisavô — a Neugebauer, primeira fábrica de chocolate do Brasil, inaugurada em Porto Alegre em 1891. Na década de 1980, partiu para outro empreendimento: a Harald, que, segundo ele, chegou a fabricar 75 mil toneladas de chocolate por ano em 2014, tornando-se a terceira maior do setor em volume. Mas, no meio do caminho, Ernesto sentiu que o negócio já não tinha o mesmo gosto. E não era nostalgia ou modo de dizer. “Faz 40 anos que estamos comendo chocolate feito de cacau supertorrado”, garante o empresário. Depois de vender a Harald para o grupo Fuji Oil, do Japão, em 2015, ele decidiu partir para um novo projeto: a Danke, lançada em 2020 com a proposta de ser uma marca brasileira com qualidade e escala para competir nas gôndolas com concorrentes da Europa. “Não precisa mais vir de lá com a mala cheia de chocolate.” Uma semente para o novo empreendimento já tinha sido lançada antes, quando, ainda na Harald, ele caçou amêndoas de cacau de alta qualidade na Bahia, comprou direto de produtores que exportavam para a Europa e mandou torrar um lote especial. “Quando comi esse chocolate, até me emocionei, porque ele trouxe a memória de chocolate da minha infância”, diz. “Meu sonho agora é fazer o melhor chocolate do mundo. E não para nicho, um produto democrático. Nessa altura da vida a gente tem que ter uma coisa boa para se divertir.”
Ontem e hoje
Na infância de Ernesto, diversão era acompanhar o pai em visitas a fazendas de cacau na Bahia. Mas esse elo da fábrica com o campo se perdeu — e com ele o controle sobre a qualidade da matéria-prima. Nas fazendas, a situação também mudou. “Antes da vassoura-de-bruxa, em 1989, elas eram mais bem-sucedidas financeiramente, então, faziam fermentação como tinha que ser. Hoje, só 3% do cacau é fermentado no Brasil. E se percebe isso na qualidade do que se come.” Na contramão dessa perda de controle do processo, há o movimento bean-to-bar, de empresas que se propõem a fazer a fabricação de chocolate do início, ou do grão à barra – como atua a Danke.
Uma fábrica na Transamazônica
Para fabricar chocolate como queria, Ernesto montou a própria processadora de cacau, com capacidade para 18 mil toneladas — e possibilidade de dobrá-la. Investiu R$ 60 milhões para instalá-la em Medicilândia (PA), à beira da Transamazônica. “É a única indústria não madeireira na rodovia. Fizemos lá porque não tem como ser sustentável sem estar ao lado do produtor. E ali você tem uma produção melhor do que a da Bahia: é uma planta daquele bioma, então, tem melhor conforto e é menos atacada por doenças.” Segundo o empresário, todo o cacau é negociado direto com os agricultores. Cortar a intermediação é uma forma de permitir o pagamento de um valor extra — em média, paga-se 50% acima do preço de commodity. Há ainda três engenheiros agrônomos que orientam os fornecedores sobre as melhores práticas. A Danke montou uma fazenda de 100 hectares para servir de modelo para os cacauicultores da região.
Cacau do chef Ducasse
Todo o cacau comprado pela Danke é classificado como fino. “É um cacau só de frutos maduros, sem verde nem sobremaduro, livre de qualquer doença, fermentado pelo menos cinco dias e seco ao sol suavemente”, conta Ernesto.
Mas existem cacaus mais finos do que outros. Por exemplo: a Danke paga o dobro do valor da bolsa pelas amêndoas de João Tavares, da fazenda Leolinda, na região de Ilhéus, na Bahia — matéria-prima que já chegou também à chocolateria do chef Alain Ducasse, em Paris. “Nosso chocolate 63% é feito todo só com o cacau dele”, contabiliza Ernesto. “Custa mais, mas você tem que comer de olho fechado. E o mérito é mais do João do que meu: porque não consigo consertar um cacau ruim, consigo não estragar o cacau bom que ele traz para mim.”
A pandemia no meio do caminho
Planejada desde 2017, a Danke nasceu em maio de 2020. Em junho, Ernesto passou 24 dias hospitalizado com Covid-19. Recuperou-se. E viu a pandemia afetar também as metas do negócio. “Atrapalhou bastante”, diz. “Mas nos últimos meses entramos em praticamente todas as grandes redes de supermercado no Brasil. Também estamos exportando cacau para a Argentina e temos solicitação para o mercado europeu e os EUA. É mais fácil de exportar produto de cacau [manteiga, líquor e cacau em pó] que o próprio chocolate.”
Em 2021, a empresa espera faturar em torno de R$ 24 milhões — metade da projeção inicial. A ideia é chegar a R$ 150 milhões entre três e quatro anos.
Reportagem publicada na edição 86, lançada em abril de 2021
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