Desde a última sexta-feira (25) não se fala em outra coisa que não seja a segunda parte da reforma tributária que a equipe econômica do governo apresentou à Câmara dos Deputados.
A proposta, que inclui pessoas físicas e jurídicas, altera a tributação das empresas, aumenta o limite de isenção do imposto de renda e cria um tributo sobre dividendos – foi esse o ponto que mais incomodou os investidores em geral. A tributação atinge não apenas quem investe em empresas de capital aberto por meio de corretoras e bancos de investimento, mas também os donos de empresas que são remunerados por meio da distribuição dos lucros.
Outro fato que preocupou o mercado é o fim dos incentivos aos juros sobre capital próprio (JCP), o que no final das contas será uma forma de aumentar a carga tributária das empresas.
A reforma foi apresentada em 3 grandes blocos, sendo pessoa física, pessoa jurídica e investimentos.
Embora a tributação dos dividendos tenha chamado muita atenção, há outras medidas igualmente importantes no projeto de lei e que merecem análise.
Pessoa física:
No escopo do projeto apresentado está o aumento da faixa de isenção do imposto de renda sobre os salários e a redução da alíquota das demais faixas salariais.
A medida tem sido considerada populista por alguns, pois o governo busca mostrar que existe um esforço em tornar o sistema de tributação mais justo ao penalizar menos as camadas com menor poder econômico. Entretanto, existe uma outra parte da proposta que pode prejudicar as pessoas físicas. Nas regras atuais, as declarações de imposto de renda podem ser feitas em modelo simples ou completo, mas, pela nova proposta, quem ganha mais de 40 mil por ano será obrigado a fazer no modelo completo e usar de todos os descontos possíveis. O contribuinte que não tiver gastos dedutíveis, como saúde e educação, será punido com maior tributação. Ou seja, quem ganha acima de 40 mil por ano perde a opção de utilizar o desconto padrão de 20% na base de cálculo do imposto que o modelo simplificado de declaração possibilita.
Pessoa jurídica:
Outra mudança significativa é o fim da isenção de tributação dos dividendos dos empresários. Já é bastante desafiador ser empreendedor no Brasil, onde a carga tributária é gigantesca, e agora a proposta é de que ela seja ainda maior para os empresários.
A grande vantagem para as empresas é a redução do IR de 25% para 20%, mas o fim do desconto promovido pelos juros sobre capital próprio traz aumento de carga tributária, fazendo com que essa redução de 5 pontos percentuais no IR não seja uma compensação tão significativa, ainda mais feita de forma parcelada em 2 anos, como propõe o governo.
Investimentos:
Quanto aos investimentos, o objetivo é reduzir as alíquotas e deixar as rendas fixa e variável com alíquota única de 15% para o imposto de renda. No atual modelo de tributação, a taxa que incide sobre a renda variável vai de 15% a 20%, de acordo com a classe de ativos. Na renda fixa, a tabela varia entre 15% e 22,5% conforme o prazo que o dinheiro fica investido.
Mas para suportar todas as reduções, os dividendos pagos por empresas e fundos imobiliários serão tributados – hoje, esses rendimentos são isentos. O projeto de lei prevê a tributação das ações em 20% e dos fundos imobiliários, em 15%. Esse é o ponto que tem revoltado mais os investidores e que deve encontrar forte resistência no Congresso.
Se a reforma for aprovada, a tributação irá atingir também uma outra classe de investimento não muito conhecida do público: os fundos exclusivos. Esse é um tipo de instrumento usado por pessoas muito ricas e influentes para gerir seu patrimônio e que agora perderá a isenção, passando a ser tributado anualmente em 15%. Nas regras atuais, o imposto só é devido no momento do resgate.
Discute-se se a tributação incidirá sobre os valores já alocados nesses fundos ou se ela valerá apenas para novas captações. Se a lei seguir como está, pode abrir margem para discussões na justiça quanto à aplicação das novas regras.
A reação do mercado
A princípio o mercado reagiu muito mal à proposta de tributação dos dividendos, mesmo com a contrapartida da redução do Imposto de Renda das empresas. Porém, aos poucos, vai ficando claro que a tramitação do projeto de lei não será algo tão simples. Não só porque a sociedade e o mercado receberam mal a proposta, mas também porque, no fim das contas, ela acaba aumentando a carga tributária e esse não é o melhor momento para o governo se dedicar a uma pauta tão complexa.
O fato é que a reforma tributária tem sido assunto recorrente na agenda econômica do país nas últimas décadas, com implicações tanto fiscais quanto de ordem política.
Por tratar-se de um projeto muito abrangente, com diversos temas e alterações em mais de 40 itens da lei original, é uma pauta que depende de amplo debate tanto na Câmara quanto no Senado, e certamente será objeto de uma série de emendas e contestações.
Como estamos à beira do recesso parlamentar de julho, o debate só deve ser retomado em agosto. Temos também a CPI da Covid, que foi prorrogada por mais 90 dias. A comissão segue causando desgaste ao governo e atrai toda a sua atenção, quadro que deve permanecer nos próximos três meses.
Além disso, o processo legislativo exige a avaliação do projeto pela Câmara e pelo Senado. Depois, volta para a Câmara e segue para possíveis vetos presidenciais, os quais também precisarão ser avaliados pela Câmara. Ou seja, não será rápido e nem fácil, ainda mais no meio da CPI.
Os efeitos imediatos
Na sexta, a primeira reação dos mercados foi de queda, principalmente dos fundos imobiliários que foram amplamente impactados pela proposta de tributação. A queda se repetiu também na segunda-feira pela manhã, mas à tarde houve uma recuperação quando o mercado se deu conta de que não vai ser bem do jeito que foi proposto. Para muitos, fica a impressão de que o governo encaminhou uma proposta muito dura para que o Congresso mude e, no final, fique algo próximo do que o Planalto queria de fato.
Olhando no longo prazo, percebemos que essas pequenas variações são apenas uma gota no oceano dentro de uma ampla trajetória de alta. É como pensar em uma pessoa que ao longo de uma trajetória de vida saudável teve um resfriado. Essas oscilações são um “resfriado” para um mercado com uma longa vida saudável. Por isso, para o investidor, principalmente para aquele que está começando e tem pouco capital, o foco deve ser no aporte e em economizar o máximo possível, aportando o máximo possível, pois será sua capacidade de aporte que vai dar o maior retorno em suas carteiras ao longo do tempo.
Essas preocupações de curtíssimo prazo não devem tirar o sono do pequeno investidor e do investidor iniciante. A reforma impacta setores estratégicos da economia, portanto, muito debate ainda ocorrerá no Congresso antes da votação do projeto final, que, segundo os analistas, tende a ser diferente da proposta original.
Portanto, não é o momento para decidir precipitadamente sobre o que fazer, mas, sim, manter o foco na estratégia pessoal de investimentos e acompanhar os próximos acontecimentos.
Eduardo Mira é formado em telecomunicações, com pós-graduação em pedagogia empresarial e MBA em gestão de investimento. É analista CNPI, certificado CPA10 e CPA20, ex-gerente do Banco do Brasil e da corretora Modal.
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